Planejamento patrimonial para a família empresária: 5 estruturas para serem consideradas
“E a herança? (…) Porque depois da morte de seu pai poderia caber, por baixo, quarenta mil rublos, e talvez até mais, a cada um dos três irmãos, porém, casasse Fiódor Pávlovitch com aquela senhora, Agrafiena Alieksándrovna, e imediatamente após o casamento ela transferiria todo o capital para seu nome.” (Os Irmãos Karamázov – Fiódor Dostoiévski)
Os Irmãos Karamázov, obra-prima de Fiódor Dostoiévski, apesar de toda a dramaticidade de sua narrativa, versa sobre algo relativamente comum e próximo de muitos: um pai influente, filhos resignados e uma família em crise. Transportando-se o drama literário para problemas reais do universo jurídico, nos caberia a seguinte indagação: a disputa por bens e a destruição da família poderiam ser evitadas?
Longe de discorrermos sobre o processo sucessório do Czarado moscovita, a resposta para tal questão pode não ser simples mesmo se considerado um contexto atual; mas otimista: com o devido auxílio, é possível definir estratégias patrimoniais e sucessórias com vistas à manutenção da harmonia familiar, perpetuação seja do patrimônio quanto do legado dos negócios familiares.
Estruturas jurídicas são como construções; se bem feitas, sobrevivem aos anos e crises do meio em que se encontram. Procurar bons engenheiros e construtores após o desmoronamento é inútil e as perdas podem ser incalculáveis. Assim também pode ser interpretada a contratação de profissionais jurídicos: após os conflitos, as opções à mesa podem ser poucas e os malefícios irreversíveis. Recomenda-se, portanto, um planejamento prévio e com cuidado de modo que se busque antever e endereçar as variáveis possíveis.
Uma família, para o Direito Brasileiro, não é formada apenas por afeto ou pelo patrimônio de seus integrantes, mas pelo conjunto disso. Se consideradas as variações em torno do conceito que constam do anteprojeto de reforma do Código Civil recentemente entregue pela comissão de juristas ao Senado, tal conceito resta ainda mais ampliado. Planejamento patrimonial familiar, então, é a organização familiar, jurídica e financeira que objetiva a antecipação de conflitos e a proteção ao patrimônio em uma sucessão segura. Um planejamento patrimonial eficiente prevê regras e condutas familiares, diminui burocracias e custos tributários, cria instâncias de proteção patrimonial e oferece segurança jurídica a todos os envolvidos.
Como todas as famílias são organizações vivas e passíveis de mudanças, ideias conflitantes podem surgir. Para uma família controladora de empresas, ou com patrimônio relevante, decisões críticas devem ser tomadas diariamente, o que potencializa o risco em questão. No caso de impasse na tomada de decisão, a instituição, a entidade empresarial, pode ser gravemente impactada, com reflexo para todos aqueles que dependem de seu sucesso (funcionários, fornecedores, clientes). Mecanismos de resolução de empasses devem existir, portanto, para evitar, em primeira medida, a desarmonia no ambiente empresarial e familiar e, em último caso, a inanição da sociedade empresária tão prejudicial em um mercado que, cada vez mais, requerer velocidade e adaptação às oportunidades e mudanças.
Diferentes pesquisas identificam que apenas uma pequena parcela das empresas familiares chega às gerações mais posteriores, o que demonstra a necessidade imprescindível de atenção sobre o assunto.
Mesmo quando não há riscos aparentes de disputas pela herança e pelo legado familiar, a sucessão planejada pode identificar diversos obstáculos evitáveis em caso de elaboração de um planejamento patrimonial e sucessório: trâmites burocráticos, que podem se estender por anos; incidência de tributos que poderiam ser prevenidos; e inevitáveis frustrações ao longo de todo esse processo.
Para tanto, existem alguns instrumentos jurídicos que podem ser utilizados, oferecendo diferentes vantagens. Aqui apresentamos cinco deles:
Holding Familiar: por meio da constituição de uma holding patrimonial familiar, podem ser estabelecidas regras específicas de administração dos bens e empresas. Também pode se dar via a antecipação da herança, de forma a não se sujeitar a alterações legislativas tributárias posteriores. A criação de regras para sucessão e ingresso de herdeiros e terceiros nas empresas do grupo, a diferenciação do patrimônio familiar da operação das empresas diminui o risco de constrições de bens e garantem maior disponibilidade de gestão do patrimônio no momento da sucessão. Permite a possibilidade de criação de documentos complementares aos societários (acordo de sócios; conselho familiar; etc.), que possibilitam uma gestão eficiente dos bens e das empresas familiares. Ademais, há a possibilidade de segregação dos riscos empresariais do patrimônio familiar, através da criação de estruturas separadas, por exemplo, uma voltada para a atividade empresária, com seus riscos e peculiaridades, e outra estrutura voltada para a gestão dos bens familiares, afastando-a dos riscos empresariais e com foco nas peculiaridades que cada patrimônio familiar engloba.
Doação: pode ser uma boa estratégia, a depender do patrimônio familiar. Porém, possui restrições quanto à porcentagem do patrimônio que pode ser objeto de doação e não evitam em última instância a tributação respectiva. Existentes algumas vantagens tributárias em determinados estados, contudo, se feita a doação com reserva de usufrutos.
Sociedades estrangeiras: oferecem estruturas mais complexas de proteção patrimonial e podem ser interessantes, quando aliadas a planejamentos tributário e sucessório, oferecendo maior proteção patrimonial, menor custo tributário e, eventualmente, menor custo sucessório; não obstante, possuem um custo de manutenção mais elevado e são destinadas àquelas famílias que tenham aptidão para uma rotina internacional. Algumas jurisdições oferecem vantagens tributárias consideráveis, além de mecanismos de transferência de propriedade bastante automatizados aos sócios remanescentes (geralmente, filhos ou herdeiros), permitindo um planejamento sucessório ágil, sem burocracias.
Fundos de Investimento: devido aos custos envolvidos, são normalmente utilizados por famílias com patrimônio elevado, que buscam regras diferenciadas de tributação e gestão do patrimônio. De todo modo, começam a se popularizar, democratizando, cada vez mais, a sua utilização.
Testamento: apesar de ser o instrumento mais utilizado e conhecido na realidade brasileira, é a que oferece mais desvantagens, pois limita a parte passível de movimentação, necessita de abertura de um processo burocrático (ainda que mais simples do que no caso de não haver testamento) e limita sobremaneira a relação entre cônjuges, podendo inviabilizar o controle dos bens e das empresas.
Se em tempos remotos não se pensava neste tema e estruturas, a atual era da informação permite um maior acesso a tais instrumentos. A escolha pelo modelo correto para cada caso e a escolha de assessores de confiança continuam sendo, contudo, parte fundamental deste processo.
Retomando a analogia de engenharia, podemos concluir que um bom planejamento patrimonial familiar é como um bom alicerce: permite que grandes obras sejam realizadas sobre sua fundação e que estas sobrevivam às próximas gerações familiares, preservando o legado e os bens familiares. Quanto antes as famílias se atentarem para as possibilidades e estruturas existentes e quais melhores se adequam ao seu caso particular, mais simples e eficiente a sucessão posterior.
Que tanto os fundadores quanto seus sucessores consigam, juntos, aproveitar das possibilidades atuais com inteligência e sólido planejamento jurídico.
*Este artigo foi escrito por Arnaldo Mantoan e Gustavo de Abreu Guerrero Ungarello são, respectivamente, advogado e sócio de Salles Nogueira Advogados, atuando na Área de Direito Societário, M&A e Operações Estruturadas.
Colunista Gustavo de Abreu Guerreiro Ungrarello. Foto: Divulgação