O Tesouro Nacional tem uma projeção para reserva de caixa com recursos que totalizam R$ 1 trilhão para 2022, ano de eleições. Com essa reserva, é possível botar o pé no freio reduzindo a venda de títulos, como ocorreu na semana passada, quando o mercado sentiu a pressão provocada pelo aumento de incertezas fiscais e ruídos políticos.
Esse volume pode pagar todos os títulos da dívida que vencerão ao longo do ano. É o conhecido “colchão de liquidez“, soma que o governo dispõe como um tipo de seguro para superar períodos de instabilidade e movimentos de alta volatilidade dos preços dos principais indicadores do mercado, como juros e dólar.
O Banco Central (BC) também endureceu o processo de alta de juros e elevou em um ponto porcentual a taxa Selic, para 5,25%, para controlar a alta da inflação.
Gordura para momentos de volatilidade
Para o estrategista-chefe da Renascença DTVM, Sérgio Goldenstein, o Tesouro foi bem-sucedido em recompor o colchão de liquidez depois do aperto no ano passado.
“Ele tem hoje uma gordura para momentos de volatilidade e poder reduzir suas emissões de títulos, como fez na semana passada, reduzindo drasticamente a venda de títulos”, avalia Goldenstein, que já foi chefe do Departamento de Mercado Aberto (Demab) do BC e especialista nessa área.
Segundo Goldenstein, o mercado vem subindo ao longo dos últimos dias com uma combinação de fatores que tem levado à alta dos juros futuros. Entre esses fatores estão a surpresa negativa com a inflação corrente mais alta, aumento dos núcleos e dos preços de serviços.
Entrou mais fortemente no radar e nos preços o impacto do aumento do receio com o quadro fiscal e deterioração do quadro político-institucional.
A discussão de uma nova proposta para parcelar pagamentos de precatórios e a movimentação de líderes do governo para tirar essa despesa do teto de gastos (a regra que proíbe que as despesas cresçam em ritmo superior à inflação) levaram à volatilidade de preços.
Outro fator que preocupa os investidores é o risco de aumento de gastos em ano de eleição. “O somatório desses fatores levou a um deslocamento muito forte para cima da curva de juros e isso gerou movimentos de “stop-loss” (contenção de perdas)”, explica Goldenstein.
Tesouro: hoje o colchão está em R$ 1,17 trilhão
O especialista aponta risco de piora na situação se houver furo no teto para acomodar os precatórios, valores devidos pela União após sentença definitiva na Justiça. O movimento foi mais intenso na chamada “barriga da curva”, mostrando que investidores passaram a ver mais chances de a elevação da Selic ser mais forte.
O colchão de liquidez do Tesouro está atualmente em R$ 1,17 trilhão, na máxima histórica depois de ter caído fortemente no ano passado. Foi quando a pandemia elevou os gastos do governo em R$ 600 bilhões para o financiamento das políticas de enfrentamento do novo coronavírus e o governo passou a vender títulos de curtíssimo prazo, elevando os vencimentos em 2021.
No fim do ano passado e no primeiro semestre de 2021, o Tesouro foi reforçando o caixa com a venda maior de títulos e a melhora do quadro fiscal.
Desde junho do ano passado, o colchão teve alta superior a 70%, chegando a um patamar que faz frente aos vencimentos de R$ 1,18 trilhão nos próximos 12 meses. O repasse de R$ 325 bilhões do lucro do BC com a variação cambial foi essencial para esse reforço no caixa.
Devoluções de caixa e BNDES ajudam contas do governo
A devolução de R$ 107 bilhões pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e pela Caixa Econômica Federal, referente a empréstimos que o Tesouro fez a bancos estatais, e a transferência de R$ 140 bilhões para o colchão de liquidez de recursos que estavam parados em fundos públicos ajudaram a reforçar o caixa do governo.
Para 2022, o Tesouro espera cerca de mais R$ 60 bilhões de retorno dos empréstimos, determinação do Tribunal de Contas da União (TCU) que obrigou o governo a fazer um cronograma para os bancos públicos fazerem esse pagamento.
O primeiro semestre foi positivo para a dívida. Houve demanda maior por títulos com prazos mais longos. Segundo o subsecretário da dívida, Otavio Ladeira, o Tesouro aproveitou bem essa demanda para fazer uma captação maior de recursos vendendo mais títulos prefixados (taxa definida na hora do leilão).
Para o pagamento dos vencimentos da dívida externa, Ladeira diz que a emissão de US$ 2,25 bilhões em bônus no mercado internacional, feita este ano, garantiu dólares suficientes para cobrir toda a necessidade de financiamento de 2021 e 2022.
A captação teve uma demanda elevada, em torno de US$ 6 bilhões, com a taxa de juros equivalente ao bônus de dez anos observado em 2015.
Patamar elevado e conforto
No passado, o governo trabalhava com um colchão de três, quatro e seis meses. Agora passou para 12 meses. Essa reserva começou a ser forçada em 1998, após a crise da Rússia, depois de períodos de sufoco do governo para refinanciar sua dívida. Em 1997, na crise da Ásia, o caixa era praticamente zero.
“É um patamar elevado que nos dá bastante conforto do ponto de vista da estratégia e redução dos leilões em momentos de volatilidade”, diz o subsecretário da dívida, Otavio Ladeira de Medeiros. Segundo ele, mesmo com dois fortes vencimentos de títulos em setembro e outubro, a estratégia montada é chegar em 2022 com recursos suficientes para as contas.
“Ainda que o colchão diminua marginalmente, acreditamos que chegaremos ao final do ano com caixa superior a R$ 1 trilhão de tal forma que tenhamos pela frente um horizonte bastante tranquilo”, explica Ladeira.
A fotografia hoje da dívida do Tesouro em títulos (internos e externos) aponta uma parcela de 35% atrelada à taxa Selic, as LFTs, e 27% de títulos vinculados à variação da inflação, as NTN-Bs. Um terço dos papéis é prefixado, com taxa de juros definida na hora do leilão e, portanto, de maior risco para os investidores. Quando a taxa Selic aumenta, o estoque da dívida também sobe. A última alta de 1 ponto porcentual da Selic vai aumentar em R$ 30,8 bilhões a dívida bruta do governo — R$ 18,7 bilhões em títulos que estão no mercado.
Com informações do jornal O Estado de S. Paulo e Estadão Conteúdo