Na última quinta-feira (1ª), o Conselho Monetário Nacional (CMN) anunciou a resolução nº 5.118, introduzindo ajustes significativos nas normas que regem os lastros elegíveis e os prazos para novas emissões de diversos instrumentos financeiros, incluindo Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs), Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs), Letras de Crédito do Agronegócio (LCA), Letras de Crédito Imobiliário (LCI) e Letras Imobiliárias Garantidas (LIG). Como isso tudo impacta os FIIs e os Fiagros? Consultamos especialistas para ver quais os impactos em outros fundos de investimentos.
Analistas apontam que a resolução do CMN deverá reduzir substancialmente a oferta desses instrumentos no curto prazo, impactando diversos emissores, especialmente bancos e empresas fora dos segmentos agrícola e imobiliário.
Quais os reflexos para os FIIs e Fiagros?
O Itaú BBA afirma que os investidores de Fiagros têm expressado preocupações quanto à exposição desses fundos a títulos de emissores que não se enquadram mais na nova resolução do CMN.
No entanto, analisando o portfólio dos maiores fundos do setor, a Research afirma que os títulos presentes nas carteiras são provenientes de estruturas que não são afetadas pelas novas determinações do CMN. Isso se deve, em parte, à forma pulverizada de originação de ativos desses fundos, que muitas vezes lidam com empresas fechadas em busca de retornos mais atrativos, comenta o BBA.
Demanda por FIIs deve aumentar
De acordo com Kaique Fonseca, economista e sócio da A7 Capital, o reflexo no mercado de FIIs são dois. Para os fundos imobiliários de papéis, a tendência é de ter menos operações imobiliárias para aplicação. Por outro lado, Fonseca estima que aumentará a demanda por fundos imobiliários, uma vez que é um veículo isento e o investidor tem grande apetite por veículos isentos. “Então como nada vai mudar na regra fiscal dos fundos imobiliários, a gente acredita que pode sim ter um escoamento.”
Pedro Dafico, analista imobiliário da Suno, afirma que o mercado tende a se autorregular diante da nova realidade. “Entendemos que o risco de tributação seja reduzido ainda mais, por reforçar o propósito inicial da criação destes veículos de investimentos. Lembrando que para o estoque atual destes ativos, presentes nos FIIs e Fiagros, não são esperadas mudanças, embora seja possível alguma apreciação por marcação a mercado“, pontua Dafico.
“Os setores agro e imobiliário, bem como os fundos de investimento, saíram beneficiados por essa medida, pois haverá uma procura de investidores, interessados em rendimentos isentos de imposto de renda, de forma que os ativos específicos desses setores sejam mais cobiçados”, completa Marco Aurélio Ferreira, sócio do Martinho & Alves Advogados.
Como a mudança do CMN impacta os títulos?
Os CRIs e CRAs são títulos privados de dívida atrelados a indexadores, como o CDI ou o IPCA, que têm como principal atratividade para seus compradores o fato de que seus rendimentos são isentos de Imposto de Renda.
Agora, basicamente a resolução impõe algumas restrições quanto aos tipos de garantias que podem lastrear esses certificados. Em outras palavras, significa que as empresas cuja atividade-fim não sejam os mercados agrícola (no caso dos CRAs) ou imobiliário (no caso dos CRIs) não poderão realizar as emissões dos certificados.
A nova norma define “setor principal de atividade” como o setor de uma companhia responsável por mais de 2/3 (dois terços) de sua receita consolidada, apurada com base nas demonstrações financeiras do último exercício social.
Outra restrição importante é que os direitos de crédito oriundos de operações entre partes relacionadas não podem ser usados como lastro, assim como aqueles provenientes de operações financeiras cujos recursos são destinados ao reembolso de despesas.
Segundo Rodrigo Cury Bicalho, sócio de Bicalho Navarro Advogados, a utilização do CRI para reembolso de despesas imobiliárias é bastante comum. “Normalmente, o timing dos negócios imobiliários costuma ser mais acelerado que o da estruturação das operações financeiras que virão a financiá-los, principalmente caso envolvam a securitização de créditos via CRI. Dessa forma, a possibilidade de reembolso de despesas permitia ao empreendedor realizar tais negócios total ou parcialmente com recursos próprios.”
Para Mario Okazuka, Diretor de Operações Estruturadas da GCB Investimentos, as modificações buscam trazer os produtos para as suas origens, fazendo parte da agenda do Ministério da Fazenda para corrigir distorções tributárias.
“A medida impacta notavelmente operações conhecidas no mercado como “CRIbêntures” ou “CRAbêntures”, quando o investidor, ao adquirir este papeis, não financiava um projeto imobiliário ou agrícola, mas sim, restringia-se muitas vezes ao risco corporativo de um devedor”, explica Okazuka.
A equipe da Genial Investimentos avalia que os setores agrícola e imobiliário poderão se beneficiar com a diminuição da concorrência, melhorando seu custo de captação, com uma menor taxa de remuneração de novas emissões.
Vale ressaltar que a resolução não se aplica a emissões distribuídas ou que tenham obtido registro na CVM antes da sua data de publicação, ou seja, 1º de fevereiro.
O que a CMN espera “consertar” com a nova resolução?
A nova resolução visa corrigir uma distorção, após o mercado utilizar esses instrumentos financeiros de forma mais ampla, com bancos e empresas de outros setores fazendo emissões de CRIs e CRAs fora do objetivo original desses títulos, que era de estimular o crescimento dos setores imobiliário e agrícola, considerados como estratégicos pelo governo.
“A isenção de impostos garantia uma demanda robusta para esses participantes a um custo menor do que os instrumentos similares”, explica a Genial.
Com a nova regulação, somente empresas agrícolas e imobiliárias podem emitir CRI e CRA. Os CRIs vinculados a aluguel de imóveis de empresas em setores diferentes são vetadas. CRIs e CRAs lastreados em instrumentos de dívida como debentures que não sejam diretamente ligadas aos setores agrícolas e imobiliários também são vetados.
Para as LCAs e LCIs, os bancos serão obrigados a alocar os recursos no setor agrícola e imobiliário, informa a Genial. O Banco Central também elevou o prazo mínimo de vencimento e carência das LCAs e LCIs de 90 para 270 dias e 360 dias, respectivamente.
Ou seja, o investidor que antes conseguia liquidez diária nesses títulos após 90 dias terá que esperar um tempo maior para ter a possibilidade da liquidez diária.
Nova regra da CMN: analistas esperam redução de emissões dos títulos privados
De acordo com Pedro Ferronato, analista de crédito estruturado da Brio Investimentos, a resolução nº 5.118 visa o real fomento ao mercado imobiliário. “Em uma primeira leitura, entendemos que o mercado observará uma importante redução no volume das emissões desses tipos de papéis devido às severas restrições impostas pela Resolução”, projeta o analista.
A visão é compartilhada pela XP, que também espera uma diminuição do volume de emissões destes títulos isentos, dado o menor número de empresas elegíveis, como consequência das novas restrições. Além disso, no caso das letras de crédito isentas, deixarão de existir títulos de prazos curtos, que vinham sendo mais comuns no mercado.
“Sendo assim, é possível que empresas optem por outros instrumentos para se financiarem, como debêntures comuns, certificados de recebíveis (CR) ou fundos de investimentos em direitos creditórios (FIDCs), que não contam com isenção fiscal e em geral são mais acessados por investidores institucionais (como fundos de investimentos, por exemplo)”, explica a corretora.
De imediato, já houve cancelamento de captações por diversas empresas que estavam no processo de protocolar suas emissões na CVM.
Segundo o Itaú BBA, na prática, as novas regras devem excluir do rol de devedores de CRIs e CRAs companhias de diversos setores como saúde, educação, varejo, distribuição de combustíveis, bancos, entre outros. Em 2023, dos 30 maiores emissões de CRAs (que totalizaram R$ 22,4 bilhões, representando aproximadamente 55% das emissões totais de CRAs no ano), cerca de 17 operações (aproximadamente R$ 16 bilhões) não se enquadrariam nas novas regras.
Quais fundos de investimentos devem crescer com as restrições da CMN?
Os fundos de investimento, em especial os de renda fixa, devem voltar ao radar dos investidores, pois delegam aos gestores busca por bons ativos. Ressaltando que, ao comprar os papeis em volumes maiores, é aberta a possibilidade de negociação de melhores taxas.
Outro classe de ativo que deverá ter mais destaque, dado que não houve nenhuma alteração em suas estruturas, são as debêntures incentivadas.
“Os setores agro e imobiliário, bem como os fundos de investimento, saíram beneficiados por essa medida, pois haverá uma procura de investidores, interessados em rendimentos isentos de imposto de renda, de forma que os ativos específicos desses setores sejam mais cobiçados”, diz Marco Aurélio Ferreira, sócio do Martinho & Alves Advogados.
No caso de LCI e LCA, Okazuka afirma que com a redução das possibilidades de lastros e a manutenção da demanda, haverá a redução das taxas de emissão. “Por exemplo, temos visto bancos com uma classificação de baixo risco de crédito emitindo a 83% do CDI para o público alta renda. Até antes da nova regulamentação, era possível encontrar taxas de 90%.”
A Genial vê um retorno de fluxo de capital para as gestoras (assets), que experimentaram resgates de investidores para esse tipo de instrumentos nos últimos anos. “Junto com a queda “programada” dos juros nos próximos meses, a redução da oferta desses produtos de renda fixa pode impulsionar um aumento no fluxo de capital para a renda variável, beneficiando as plataformas de investimento e a B3.”
A mudança deve afetar companhias que emitem os chamados “CRI de aluguel”
O impacto em companhias estará diretamente no aumento do custo da dívida e em revisões de potenciais planos de expansão, diz Okazuka.
Antes, relata ele, algumas companhias se utilizavam do benefício tributário concedido ao investidor para buscar taxas mais baratas e, ao realizar a distribuição para as pessoas físicas, não ocorria uma concentração de seu passivo com poucos investidores. Além do que, como era necessário que os recursos fossem destinados ao pagamento dos aluguéis, em diversos CRIs, isto era aproveitado para a contratação de novos espaços.
“Com a restrição da CMN para este tipo de operação, as empresas terão que emitir outras formas de dívidas, as quais não terão qualquer isenção, direcionadas especificamente aos investidores institucionais, concentrando o passivo e demandando maiores retornos”, conclui Okazuka.
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