Clubes brasileiros na Bolsa de Valores? Entenda como isso pode acontecer
Dois Projetos de Lei divergentes, mas com o propósito de mudar o formato de atuação administrativa dos clubes de futebol no Brasil, estão em tramitação na Câmara Federal. Uma mudança que poderia levar os clubes de futebol a ingressar na Bolsa de Valores de São Paulo (B3).
O primeiro projeto, do deputado Pedro Paulo (DEM-RJ), incentiva os clubes a seguirem os modelos de empresa tradicionais, a LTDA (limitada) e a S/A (sociedade anônima). O projeto mais recente, apresentado em outubro pelo senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), propõe a criação de uma Sociedade Anônima do Futebol (SAF), ou seja, uma estrutura exclusiva para o esporte. Em comum, as duas propostas permitem que os clubes que aderirem o formato sejam, no futuro, listados na Bolsa de Valores (caso seja viável ao clube).
O modelo tradicional, proposto por Pedro Paulo, não agrada alguns times grandes da Série A. Isso porque as entidades passariam a ser tributadas como empresas. Entretanto, os dois projetos possuem em comum o fato de os clubes poderem entrar em processo de recuperação judicial.
Na Sociedade Anônima proposta por Pacheco, os clubes deverão contar com um conselho fiscal e de administração permanentes. O projeto do senador mineiro agradou a maioria dos clubes da série A, ficando à frente do modelo anterior do deputado Pedro Paulo, que já foi modificado 12 vezes.
A advogada Aline Tundo, sócia do escritório de advocacia Tundo & Denny, afirmou que quando os clubes começaram a ser instituídos aqui no Brasil, eles tinham “cara de associação”. “Tudo começou como algo muito informal. No começo o esporte não movimentava tanto dinheiro no Brasil. As associações foram criadas com o principal objetivo de promover o lazer. Entretanto, o futebol foi crescendo e hoje em dia ele movimenta muito dinheiro, o que também levou a um grande endividamento de alguns dos principais clubes do Brasil”, analisou Aline.
Modelo no Brasil
No Brasil já há clubes que utilizam o formato de “clube-empresa”. Em 2018, o Botafogo de Ribeirão Preto aprovou a separação do clube social, e o futebol passou a ser administrado como uma S/A (sociedade anônima) fechada, com dois sócios, sendo o próprio clube e a empresa Trex Holding.
Adalberto Baptista, presidente do Conselho de Administração da Botafogo SA, afirmou que o projeto de clube-empresa da equipe do interior de São Paulo é diferente pois não acontece em forma de associação e a política não interfere na gestão da empresa.
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O clube do interior de São Paulo já manifestou interesse em abrir capital na bolsa. De acordo com a assessoria do Botafogo, a sociedade anônima fechada tem o intuito de estrear na bolsa quando estiver consolidada na elite do futebol brasileiro. Segundo a diretoria, essa consolidação está planejada para acontecer em sete anos.
A Botafogo Futebol S/A é uma sociedade anônima fechada, mas a ideia é se preparar para que a empresa abra um capital na bolsa.
“Quando estivermos na Série A, podemos preparar a empresa para uma abertura de capital”, afirma Adalberto Baptista, presidente do Conselho de Administração e hoje responsável pelo marketing.
Modelo na Europa
Na Europa, o modelo de clube empresa é comum e há diversas entidades de futebol listadas em bolsas de valores. Este é o caso de times como:
- Juventus (ITA)
- Manchester United (ING)
- Borussia Dortmund (ALE)
- Porto (POR)
- Ajax (HOL)
O primeiro citado na lista acima, o italiano que possui mais títulos nacionais na história de seu país, é controlado pela família Agnelli desde sua fundação. Entretanto, 25% do clube está listado na Bolsa de Valores para qualquer investidor. Além disso, o fundo Lindsell Train detém 11% da “Vecchia Signora”.
Na Inglaterra, torcedores do Arsenal já chegaram a fazer protestos contra os administradores do clube, por acharem que os mandatários estavam mais preocupados com a parte financeira do clube, do que com a conquista de títulos. Vale lembrar que o Arsenal tinha capital aberto até meados do ano passado, quando teve todas suas ações compradas pelo empresário norte-americano Stan Kroenke. O valor total da operação ficou em R$ 2,6 bilhões.
“Acho que existe o risco de darem mais valor ao financeiro do que ao futebol sim [no Brasil], mas sinceramente, isso já não ocorre hoje? A questão pra mim é que os beneficiados hoje são jogadores, técnicos e dirigentes, e não o clube”, analisa Jonas Mackey, gerente na Caixa Asset e ex-analista de investimentos.
Sobre o projeto de clube empresa, Mackey afirma que o modelo poderia até ajudar a evitar desperdícios. “Não vejo contras, apenas prós, visto que os principais personagens dentro do clube hoje (diretoria, técnicos, jogadores) estão ali atrás de dinheiro, não vejo porque o próprio clube não poder visar dinheiro… inclusive, imagino que se houvesse este objetivo bem claro, evitaria desperdícios e a gestão seria melhor.”
Interesse dos clubes em operar na Bolsa de Valores
Dos oito clubes procurados para falar sobre o tema, apenas três responderam. O Athletico afirmou apenas que tem interesse no modelo de “clube empresa”. A assessoria do Corinthians disse que não iria se pronunciar sobre o assunto e o Botafogo (SP), que já atua em um modelo de empresa, afirmou que tem interesse até em abrir capital na Bolsa. Palmeiras, Santos, Botafogo (RJ), São Paulo e Red Bull Bragantino (time da série B que também possui um modelo alternativo) não responderam.
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A advogada Aline Tundo ressaltou que o Projeto de Lei de Pacheco não obriga os times a adotarem o modelo de empresa. Contudo, esse modelo pode ajudar os clubes a receber investimentos, inclusive estrangeiros, para pagamento de dívidas e vendas de clubes para investidores brasileiros ou estrangeiros, podendo até ser cotados na Bolsa de Valores. “Isso faria com que amortizasse as dívidas e os rombos que existem nessas associações, nesses clubes”, afirmou Tundo.
Por outro lado, a advogada afirmou que a responsabilidade dos dirigentes também mudaria. Isso porque a fiscalização seria muito mais rígida. “Sendo associação, os clubes possuem dirigentes que, por vezes, acabam não sendo investigados e se caso fossem transformados em empresa os acionistas poderiam responder administrativamente, em âmbito cível e até criminal, porque há a possibilidade de haver uma fiscalização mais forte sobre desvios, sonegação fiscal e outros tipos de infrações”, conclui a especialista.
Por isso, o ingresso dos clubes de futebol brasileiros na Bolsa de Valores de São Paulo poderia custar muito caro para os futuros acionistas. Um cenário que afasta essa possibilidade, pelo menos no curto prazo.