Após décadas de robusto crescimento, a China consolidou-se como a segunda maior economia mundial e uma das potências mais influentes do globo. O estado gigantesco e com grandes regulações conseguiu vencer a pobreza, mas não aumentou o nível de produtividade a ponto de se tornar um país desenvolvido, ficando preso entre a renda alta e média, o que é chamado de “armadilha da renda-média”.
Em entrevista ao Suno Notícias, o sócio e economista-chefe da gestora Reach Capital, Igor Barenboim, diz que o país poderá se manter no status de emergente, em um ambiente com sobra de regulações e sem contar com o fôlego e a praticidade de países menores.
Segundo o economista, que foi Secretário Adjunto de Política Econômica no mandato do ministro Joaquim Levy, os países que saíram da armadilha da renda média são Israel, Hong Kong, Taiwan; todos com menos de 50 milhões de habitantes.
“O fato de a China ser muito grande e precisar de uma produtividade ampla é preocupante. O fato de ela não ser um país livre, e não permitir mobilidade sem o aval do governo, dificulta aumentar a produtividade. Além disso, o plano de ‘common prosperity’ é contraproducente, pois a distribuição de renda não gera produtividade”, afirma.
Apenas 12 de 101 países emergentes conseguiram driblar o problema econômico, segundo o sinólogo americano David Shambaugh, sendo todos democracias liberais e com economias de mercado. De acordo com o Banco Mundial, um país de renda média possui um PIB per capita entre US$1.036 e US$12.615.
O autor já entoa a ideia de que a solução envolve, prioritariamente, uma “liberalização” do governo – dado que atualmente a China vive sob um partido comunista, monopartidário e com decretos e ordens executivas expressas e aos solavancos.
Apesar de estudarem por anos alguma ação, a tomada de decisão vem da noite para o dia, o que tende a ser preocupante para os mercados. Um exemplo recente foi a ordem expressa de que empresas de educação não podem lucrar – o que, por óbvio, derrubou as ações de todas as companhias do setor na bolsa.
“Minha hipótese era de que a continuação do crescimento econômico da China, sua capacidade de inovar e construir produtos com valor agregado, iriam requerer uma liberalização do sistema político, não necessariamente democratização plena. Sim, o regime de Xi Jinping parece muito confiante em seu ‘modelo de governança’, mas o crescimento econômico robusto está decaindo e tende a continuar nesse viés. Eu continuo a acreditar que a China não atingirá o seu pleno potencial sem uma substancial liberalização do sistema político”, diz Shambaugh em seu livro “Futuro da China”, de 2016.
Para o economista da Reach, a China não deve recuar das medidas já tomadas. “Acho que não irão mudar o modus operandi; não é o feitio deles. A regulação pode até diminuir, mas o que está feito, está feito. Eles se movem devagar. Para regular algo, conversam por anos. Tudo é muito colegiado”, explica.
Segundo ele, no entanto, a China entende que este tipo de atitude assusta os investidores estrangeiros. “Não tenho dúvida que isso atrapalha o crescimento chinês“, frisa Barenboim.
Credibilidade aumentou, mas ainda é insuficiente
Além dos problemas internos, a comunicação dos indicadores do país aos mercados pode ser vista como problemática, visto que o sistema de um governo com um só partido e poderes concentrados tende a firmar narrativas favoráveis. O especialista da Reach Capital acredita em uma mudança, mas a confiabilidade na conjuntura ainda fica abaixo de economias desenvolvidas.
“Eu olho os dados da economia da China desde 2003; melhorou muito desde então, mas eu me lembro que há 20 anos, olhávamos China e sequer acreditávamos em algo. Nós olhávamos consumo de energia por não acreditar no PIB da China. Hoje dá para olhar, apesar de que eu continuo vendo energia elétrica, pois há uma confiabilidade maior”, ressalta Barenboim.
Em entrevista concedida ao Suno Notícias no final de agosto, o diretor da BlackRock Brasil, Cristiano Castro, também destacou a melhora na transparência. Ele vê com bons olhos esta evolução, citando que o país é bem visto pela gestora – a maior do mundo, com cerca de US$ 9,4 trilhões em ativos sob gestão.
“Agora, com as mudanças regulatórias, os ativos de renda fixa, que eram pouco transparentes, são acessíveis em maior escala, afirmou recentemente, em entrevista exclusiva ao Suno Notícias.
Turbinar classe média pode ser a solução
Uma das vias buscadas pelo governo chinês é aumentar o nível de pessoas que ficam na classe média – aqueles que ganham entre US$ 15 mil e US$ 390 mil ao ano. O montante total atual é de 400 milhões de pessoas nesse patamar, mas o desejo de Xi Jingping é aumentar esse número em 60%.
A estratégia visa criar um mercado consumidor tão grande que seja maior do que os Estados Unidos e União Europeia juntos, ampliando o acesso da população chinesa ao saneamento básico e a viagens de avião, por exemplo – mudanças que devem alavancar a relevância chinesa dentro da economia global.
“A expansão dos grupos de renda média tem um papel fundamental na formação de um mercado interno forte e, portanto, a China deve expandir esses grupos, se esforçando para fazer a renda per capita crescer mais rápido do que a taxa de crescimento econômico mais ampla”, disse Liu He, Vice-Primeiro-Ministro da China, em pronunciamento recente.
Um dos esforços nesse sentido foi aumentar drasticamente a quantidade de imóveis sobre o solo chinês. No começo do século, como uma forma de corrigir um déficit imobiliário, o dragão chinês vendeu às incorporadoras terras baratas nas áreas próximas a polos econômicos.
Contudo, o esforço governamental criou correlações artificiais, dando origem às conhecidas “cidades fantasma” e a um fenômeno que triplicou o preço de alguns imóveis.
Caso Evergrande é sintomático
Centro do debate dos mercados atuais, a incorporadora Evergrande tomou os noticiários e derrubou as bolsas com uma dívida acima dos US$ 300 bilhões – o que, segundo Barenboim, é um sintoma de um problema econômico no país, apesar de o nível de bolha imobiliária ser menor do que o de cinco anos atrás.
“A Evergrande não é um novo Lehman Brothers [referência à crise de 2008]. Essa empresa representa 2% do crédito imobiliário da China, e 0,1% do crédito bancário do país. Claro que assusta, mas não teve contágio financeiro.”
Para o economista, o grande problema chinês é outro. “O problema real é a desigualdade”, afirma Barenboim.
Ele afirma que o preço de um apartamento em Xangai chega aos US$ 10 mil por metro quadrado, preço semelhante aos arranha-céus de Nova York. Contudo, a renda na cidade chinesa fica muito atrás da renda dos novaiorquinhos.
“Os chineses têm a poupança toda em apartamento. O que ocorre é que quem tem dinheiro compra apartamento e quem trabalha não consegue comprar um apartamento, porque é muito caro; isso é ruim para o socialismo, e o governo quer parar essa bicicleta.”
Em contrapartida, as empresas locais enfrentam mais dificuldades para se financiar e continuar crescendo. “Essa máquina de PIB que eles tinham de emprestar dinheiro para construção acabou; o problema é muito mais socioeconômico, muito mais grave. O modelo de crescimento econômico da China se esgotou”, completa.
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