Como funciona a super agência de cibersegurança da China que está pressionando as Big Techs
Alibaba (BABA34) que perde cerca de 20% em poucas semanas. A Didi Group até mais, cerca de 30% no vermelho. E gigantes da educação que chegam a perder 70% em um só pregão. O que está acontecendo na China?
Uma pressão jamais vista em cima das principais empresas de tecnologia do país asiático, levada adiante pela Administração do Ciberespaço da China (CAC, na sigla em inglês).
Fundada dez anos atrás, na véspera da conquista do poder de Xi Jinping, a CAC é a responsável de gerenciar a Internet por conta do Partido Comunista Chinês (PCC).
Seu instrumento favorito é a Grande Muralha Digital (Great Fire Wall).
Mas a CAC está ganhando cada vez mais poder. Muito além das fronteiras da lei de 2017, a primeira sobre segurança na Internet na China.
Mas novas regras estão endurecendo sua ação contra as Big Techs. Levando a uma fuga de investidores, amedrontados com as consequências dessa regulamentação.
China quer controlar a Internet
A ação da CAC, na verdade, é uma reação.
O governo de Pequim se sente sob ataque, e quer garantir um “desenvolvimento ordenado” da Internet.
Em primeiro lugar protegendo os dados de cidadãos chineses, que são transmitidos para o exterior.
Mas isso pois, na concepção chinesa, os dados não são propriedades das pessoas, e sim do governo. Que se considera no direito de utilizá-los como bem entender.
Na base dessa inversão de valores sobre o direito de propriedade e de uso dos dados sensíveis, a cibersegurança tem como objetivo garantir os interesses vitais da China.
Por exemplo, limitando ações consideradas excessivas por parte das próprias empresas chinesas.
Está prestes a entrar em funcionamento um novo mecanismo gerido pelo CAC que terá de verificar os pedidos de listagem de empresas chinesas em Bolsas de Valores estrangeiras. E vai verificar os dados que, a após a cotação, deixarão a China.
A aprovação da agência de cibersegurança será necessária para praticamente tudo.
Caso Didi exemplar
O caso da Didi é exemplar.
A listagem do app de transporte urbano no final de junho foi um sucesso em Wall Street.
Entretanto, logo após essa estreia as ações da Didi começaram a cair por causa das medidas impostas pela CAC no armazenamento de dados, entre outras coisas.
Com isso, a empresa está em uma situação tão complicada que está arriscando de ser retirada da Nasdaq.
Enquanto isso, o CAC começou a impor multas a gigantes da tecnologia que possuem aplicativos que compartilham conteúdo sexual.
Segundo o governo chinês, isso colocaria em risco os usuários mais vulneráveis, ou seja, menores.
Ação parecida com a da autoridade reguladora da televisão, que no final de novembro passado tinha imposto regras rígidas às plataformas de streaming.
Ou seja, o cerco nos produtores de conteúdo aumenta cada vez mais.
Videogames como “drogas eletrônicas”
Essa semana foi a vez dos videogames pagarem o pedágio à censura de Pequim.
Foi suficiente que a agência pública chinesa Xinhua, ligada ao PCC, publicasse uma matéria onde os videogames são definidos como “ópio do espírito” e “drogas eletrônicas”, que as cotações das principais empresas produtoras chinesas colapsaram.
A Tencent, gigante da alta tecnologia e líder no mercado de videogames, caiu 10,57% na Bolsa de Valores de Hong Kong.
Queda também seguida por outras empresas do setor:
- NetEase (-15,7%);
- XD (-21,8%);
- GMGE (-15,6%).
Para ter uma ideia, o jogo de maior sucesso da Tencent, o Honor of Kings, atrai 100 milhões de usuários por dia. Cerca de 7% da população chinesa. Metade da brasileira.
“Ninguém pode ser autorizado a desenvolver-se de maneira a destruir uma geração”, escreveu a Xinhua. E foi suficiente para que o pânico chegasse nas Bolsas de Valores.
Isso pois a China acabou de intervir duramente em outro setor, o da educação particular.
Na semana passada, Pequim apertou as empresas de tutoria que oferecem aulas extracurriculares, proibindo-as de ter lucro, de se listar na Bolsa e de levantar capitais estrangeiros.
Tencent na mira do governo da China
A Tencent, na verdade, já estava na mira do governo da China.
A recente multa das autoridades Antitruste por abuso de posição dominante no setor de streaming de música (onde controla 80% do mercado).
E, logo em seguida, a suspensão preventiva decretada pelo governo para novos usuários do WeChat, oficialmente para “alinhar-se com as regras sobre dados pessoais”, já tinham deixado claro que o clima estava pesado.
Expansão dos poderes das autoridades públicas chinesas
Estamos diante de uma expansão de poderes que terá consequências sobre as empresas de tecnologia.
Até esse ano, a censura do Partido Comunista Chinês sobre a Internet havia se diluído em pelo menos uma dezena de entidades.
Hoje está tudo concentrado nas mãos do CAC. E isso deixa muitos empresários preocupados.
O primeiro chefe da CAC foi Lu Wei, ex-prefeito de Pequim, número dois da estrutura de propaganda do PCC, que logo ficou conhecido como o “Imperador da Internet chinesa”.
Lu reinou de 2014 a 2016, e chegou a visitar os Estados Unidos, onde conheceu os diretores-presidentes (CEOs) das grandes empresas do Vale do Silício.
Só que as Big Techs americanas não são bem vistas pelo governo chinês.
E, no final de 2016, Lu Wei desapareceu.
Em março de 2019, após um longo processo, ele foi condenado a 14 anos de prisão por crimes de corrupção. Atualmente está preso.
Riscos para a China
O problema de limitar a transmissão dos dados entre a China e o resto do mundo acaba isolando cada vez mais o país asiático.
Mas isso não parece ser um problema para Pequim.
Deng Xiaoping, o pai do socialismo com características chinesas nos anos 1980, chegou a declarar que quando se abre uma janela, o ar fresco entra, mas as moscas também.
Com esse endurecimento do controle por parte do governo, as moscas chinesas que já voaram para o exterior deverão voltar a todo custo. E as moscas estrangeiras que entraram na China, provavelmente tem os dias contados.