A reabertura econômica da China e a inflação menor do que se esperava nos Estados Unidos são dois dos fatores que podem mudar a sorte do Brasil e também do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Embora os riscos fiscais permaneçam e o cenário ainda esteja repleto de incertezas, o Brasil pode até mesmo surfar a onda de uma nova valorização das commodities. A avaliação é de Débora Nogueira, economista-chefe da TENAX Capital.
“Lula terá mais sorte do que se imaginava no final do ano passado. Contudo, o desafio agora é como o governo vai encarar a discussão fiscal e a desaceleração da economia brasileira”, resumiu ela em entrevista ao Suno Notícias.
Dois fatores importantes devem facilitar o governo de Lula no quesito econômico, de certa forma: a retomada da economia chinesa e a situação nos Estados Unidos se estabilizando.
É hora de outro boom das commodities? A China responde
Nos últimos anos, a América Latina, sobretudo o Brasil, foi favorecida pelo boom das commodities. Em relatório mais recente, o Fundo Monetário Internacional (FMI) mostra que a taxa de pobreza da região caiu de 27% para 12% entre 2000 e 2014. O período foi marcado pela valorização dos preços de produtos como petróleo e metais, graças a demandas fortes de China e Índia, por exemplo.
Em 2022, a China teve o pior resultado da atividade econômica em 50 anos. O Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 3% no ano, em forte desaceleração em relação a 2021, quando houve o avanço de 8,1%. Isso porque, até pouco tempo atrás, o país vivia diante de rígidas restrições à circulação de pessoas para conter o avanço da Covid-19 no território.
“O ano de 2022 foi muito ruim para a China – pior do que 2020. O Ocidente já vive a ‘vida pós Covid-19’ há algum tempo. A China, diferente do resto do mundo, está em uma situação de pandemia. Ainda em 2020, depois do choque inicial, o país teve uma rápida reabertura. Um tempo depois, percebeu que não conseguiu desenvolver vacinas e vacinar a população como o Ocidente. A estratégia que adotaram, diante disso, foi mandar todos para casa”, explicou a economista.
A China também passou por um processo de recondução política recentemente. No final do ano passado, Xi Jinping iniciou seu terceiro mandato na presidência. Depois disso, as condições começaram a ser flexibilizadas, com uma reabertura de uma forma muito mais rápida do que o mercado esperava.
O Brasil entra e se fortalece nesse cenário com a perspectiva de maior demanda por commodities com a retomada da economia chinesa. Na carta do gestor de dezembro de 2022, a TENAX enfatiza isso. Leia:
“Em 2023, a reabertura da China deve ser ligada a uma postura pró-crescimento. Enquanto o resto do mundo digere o aperto monetário e a desaceleração dos EUA, a China religada deve gerar ventos favoráveis aos países mais expostos, beneficiando especialmente emergentes e commodities.”
Estados Unidos não estão tão mal assim
Outro aspecto também muito positivo é o cenário de melhoria nos EUA. A inflação norte-americana não se mostrou tão grave quanto o mercado – e as próprias autoridades – esperavam. O índice de preços ao consumidor (CPI, na sigla em inglês) dos Estados Unidos caiu 0,1% em dezembro ante novembro, segundo dados divulgados na quinta-feira (12). Na comparação anual, o CPI subiu 6,5% em dezembro, desacelerando em relação ao ganho de 7,1% de novembro.
“O Federal Reserve vai subir os juros em, no máximo, mais 0,50 ponto percentual, portanto já estamos falando de um fim de ciclo de altas. Com isso, aliado à reabertura da China, o Brasil pode surfar em uma onda muito positiva”, comentou Débora.
Lula terá “sorte” para governar?
O mercado pode começar a ver um terceiro mandato do presidente Lula com outros olhos. “Lula terá mais sorte do que se imaginava no final do ano passado. Isso já está acontecendo, com o dólar a R$ 5,10. Com China e Estados Unidos, a mudança já é enorme no aspecto positivo”, ponderou a especialista da TENAX.
O desafio agora, na visão da economista, é como o governo vai entrar na discussão fiscal, tema presente nas críticas e questionamentos ao governo.
O pacote econômico do ministro da Fazenda Fernando Haddad, anunciado na quinta-feira (12) foi visto com bons olhos pelo mercado, diante da perspectiva de corte de gastos, principalmente. O objetivo do político é reduzir o déficit primário de 2023, atualmente previsto em R$ 231 bilhões. No entanto, a medida ainda é considerada ousada e alguns questionam a viabilidade de ser cumprida.
“O que vimos até agora foram sinalizações de emergência, para 2023. Não há clareza ainda sobre como o governo pensa a sustentabilidade fiscal adiante”, diz a especialista.
Outro fator importante é a desaceleração da economia brasileira, que já está acontecendo, segundo Debora. O momento atual difere bastante do vivenciado por Lula em seus primeiros mandatos. Na época, o dólar caiu e a balança comercial foi favorecida. Havia mais arrecadação, o governo entregou superávits consecutivos e o poder de compra dos brasileiros aumentou. Hoje, os juros no Brasil estão – e devem permanecer – em 13,75% ao ano.
A grande pergunta, salienta a economista, é como Lula e seu governo vão lidar com esse fato. “Será que Haddad vai conseguir segurar essa retórica mais fiscalista, de que é necessário segurar as contas agora?”.