Depois do baque sofrido em 2020 devido à pandemia do novo coronavírus (Covid-19), o mercado de movimentação de contêineres acelerou e apresenta hoje mais carga industrializada do que navios para transportá-la. O transtorno na logística global fez fabricantes correr para atender à demanda e agraciou o setor portuário de contêineres, impulsionando os resultados de empresas.
O déficit de navios deveu-se ao crescimento pós-Covid em algumas regiões do globo e a uma potencial mudança nos hábitos de consumo, disse Ricardo Propheta, CEO da BRZ Investimentos. “Um número maior de bens industrializados são comprados e vendidos, e consequentemente movimentados. Isso tem feito com que a quantidade de navios não seja suficiente para dar conta dessas quantidades crescentes de movimentação. Tem acontecido no mundo inteiro, no Brasil inclusive.”
A recuperação do mercado e a alteração dos padrões de consumo impulsionaram os resultados do BRZ Infra Portos (BRZP11), fundo de investimento em participações (FIP) com uma fatia de 22,9% no Porto de Itapoá (SC). Lançado na Bolsa às vésperas do Carnaval de 2020, o veículo tem uma base de cerca de 5 mil investidores e valor de mercado de quase R$ 375,37 milhões.
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Como está o desempenho do Porto de Itapoá (SC)?
A partir do segundo trimestre de 2020 tivemos impactos dos lockdowns, primeiro na China, depois na Europa e nos Estados Unidos. O mercado de navegação global virou uma bagunça. E ele funciona como um reloginho. Atrasos ou mudanças atrapalham o fluxo de mercadorias. Até setembro-outubro registramos uma redução na movimentação esperada de contêineres. Houve uma normalização e tivemos um final de ano positivo — praticamente em linha com o que vinha sendo projetado. O Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) esperado era de R$ 198 milhões. Entregamos R$ 193 milhões, uma dispersão mínima.
O mercado mundial de movimentação de contêineres começou este ano aquecido, tanto é que temos contêineres de mais e navios de menos. No mais, a principal linha de receita dos terminais portuários de contêineres no Brasil é a armazenagem das cargas de importação. Os terminais cobram um percentual do valor da carga, em dólar, proporcional ao número de dias. Vivemos em um momento no qual o real está muito desvalorizado. Isso tem contribuído para que os resultados venham sendo positivos este ano. O ativo está desempenhando acima das expectativas.
Me explique a crise dos navios.
Tivemos um crescimento em algumas regiões do mundo. Minha hipótese é: passamos por uma transição estrutural de hábitos de consumo, ocasionada pela pandemia. Um número maior de bens industrializados são comprados e vendidos, e consequente movimentados. Isso tem feito com que o número de navios não seja suficiente para dar conta dessas quantidades crescentes de movimentação. Tem acontecido no mundo inteiro, no Brasil inclusive.
As companhias de navegação não esperavam uma recuperação tão forte da economia e está todo mundo um pouco assustado. Projetos de expansão foram colocados na geladeira e agora a retomada do final do ano passado até agora tem sido tão forte que não tem tido tempo de ampliar a frota para poder fazer frente a esse crescimento. Não se consegue construir um navio em uma semana. Demora meses, às vezes um ano. A situação será normalizada a partir do segundo semestre de 2022.
Estamos com um fluxo intenso de movimentação de contêineres pelo mundo e no Brasil. Os terminais estão crescendo, e Itapoá não é diferente.
As cotas do fundo acompanharam o desempenho positivo?
Lançamos o fundo na véspera de Carnaval do ano passado, quando a Covid-19 impactou os mercados globais. As cotas caíram para praticamente metade do valor de lançamento em duas, três semanas. Nos 30 primeiros dias de lançamento, tivemos cinco circuit breakers na Bolsa. Não tivemos o lançamento no momento mais quente do mercado. Foi um Carnaval esquisito para o mercado financeiro.
As cotas tiveram uma leve recuperação, mas continuam de lado e temos negociado a mais ou menos 35/40% de desconto em relação ao valor de lançamento, a despeito dos resultados positivos, do mercado de maneira geral estar aquecido.
Qual o horizonte de investimento de um fundo de investimento em participação no setor portuário?
No roadshow, falávamos aos investidores para olharem aquilo com um horizonte de pelo menos de três a cinco anos, porque seria o momento de distribuição de dividendos mais relevantes. Batemos na tecla de que não era o ativo para para entrar e vender no dia ou na semana seguinte.
A classe de ativos sofreu muito. Existem outros fundos que também estão negociado com valores muito inferiores ao de lançamento. Atribuo isso ao susto. Investidores que se consideravam preparados antes da Covid perceberam talvez não estar preparados para conviver com um projeto de longo prazo. É um ativo relativamente novo, de uma classe de ativos nova, com pouca cobertura. Ninguém conhecia o Porto de Itapoá.
O fundo da BRZ planeja um desdobramento ou uma emissão de cotas?
Fizemos um desdobramento no meio do ano passado pra aumentar liquidez. No lançamento do fundo, a cota valia R$ 1.100. Fizemos um split de nove para um, justamente para facilitar o acesso a investidores que quisessem fazer operações menores. Não consideramos agora.
Quanto a novas captações, todo o dinheiro do fundo está investido no Porto. Para novos investimentos, precisamos aumentar o capital. O BRZ Infraportos foi criado para investir no setor portuário, não para fazer um investimento específico em Itapoá. Temos a possibilidade tanto de elevar a participação no Porto quanto de entrar em outros projetos. No curto prazo, pela questão das cotas, temos focado no melhor desempenho. Existe a possibilidade de trazer novos investimentos portuários para dentro do portfólio, mas no curto prazo.
Uma desaceleração, como da economia chinesa, preocupa a BRZ?
Muito se fala de uma desaceleração da China, mas poucos falarão de um crash ou uma recessão da economia chinesa. Estamos em um momento de falta de navios de contêineres, de crescimento das capacidades de movimentação. Se a China não crescer 8%, mas 3%, veremos o mercado de movimentação de cargas continuar a crescer, talvez em um nível um pouco inferior ao que está hoje em dia, mas seguir expandindo. A China não é o único motor de crescimento do mundo.
Como o sr. enxerga o ciclo de altas da taxa Selic?
Os investimentos alternativos e de maior risco passaram a ser olhados com muito mais atenção. Se voltarmos ao patamar que estávamos antes, de taxa de juros em 15-20%, fica menos atrativo investir em risco do que colocar o dinheiro no Tesouro. Não acredito que vamos voltar àquilo. Tivemos uma mudança estrutural de taxa de juros no mundo inteiro, no Brasil inclusive.
E o nível de compreensão em relação a produtos sofisticados mudou. Bons produtos que ofereçam taxas adequadas de retorno, vendidos para clientes adequados, continuarão existindo. Veremos novos FIPs sendo lançados.
Quais as perspectivas para o setor portuário de contêineres para os próximos meses?
O mundo tem se recuperado da forte queda no ano passado. Vemos um crescimento de demanda significativo e continuamos a ver o setor portuário de contêineres aquecido nos próximos meses. Enxergamos companhias de navegação otimistas com o próximo ano, tentando viabilizar a construção e compra de novos navios. A recuperação pós-Covid e a mudança estrutural de consumo e na quantidade de cargas industrializada transportada podem ter vindo pra ficar. Estamos otimistas em relação ao nível de movimentação de contêineres no Brasil, e no mundo todo de uma forma geral.