Desde o início da Nova República, o País pena em tentar aprovar uma reforma tributária para reorganizar o intrincado sistema brasileiro. Nas últimas semanas, a ambição voltou à tona, com o ping-pong entre Planalto, Congresso, mercado e sociedade civil.
A pauta atual de reforma tributária vem do começo do governo do presidente Jair Bolsonaro, quando foram inauguradas as discussões acerca de duas propostas: a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 45, de 2019, e a PEC nº 110, ao mesmo ano. No final do dia, as proposições trabalham no mesmo sentido: alterar o sistema tributário do Brasil a partir da simplificação e a racionalização.
Diante da expectativa por reformas estruturantes e do cenário desafiador colocado pela crise sanitária, Câmara dos Deputados e Senado Federal decidiram reunir esforços para produzir um texto que congregasse as propostas.
Na Câmara, está a proposta fatiada: a unificação entre PIS e Cofins na nova Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS) e as mudanças no Imposto de Renda e no Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).
Simultaneamente, os senadores ficaram a cargo da análise da PEC 110 completa, com a fusão entre ICMS (estadual) e ISS (municipal) em um imposto sobre valor agregado (IVA) moderno — cobrado na maioria dos países desenvolvidos — e a criação do novo Refis.
O fatiamento foi quase uma exigência do Executivo.
Fernanda Higashino, advogada tributarista do escritório Bueno e Castro, ponderou ao analisar a medida. “Fatiar a reforma tributária é fazer com que ela não exista”, sendo que há uma chance de aprová-las em momentos diferentes de tempo — não necessariamente servindo às necessidades atuais.
Mesmo assim, a advogada considerou a rapidez com que os textos possam ser aprovados como um ponto positivo. “Vejo com bons olhos, mas há um longo caminho a percorrer. Sou pessimista em relação ao tempo.”
O deputado federal Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR) foi mais veemente: “o Brasil está com uma pneumonia tripla”, criticou o parlamentar. “Se o paciente está doente e você não dá o tratamento completo, ele não vai se recuperar. A reforma fatiada só agrava”.
As frentes da reforma tributária
Quanto à CBS, a indústria acumularia crédito e pagaria uma alíquota de 12%, enquanto instituições financeiras continuaria a desembolsar uma alíquota de 5,8%, explicou a doutora Higashino.
No que tange ao IPI, espera-se a aprovação de um Imposto Seletivo, que “ataque” práticas cujas externalidades são negativas, como cigarros e bebidas.
Outra proposta seria reduzir o Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ), de 15% para 10%, em um período de dois anos. A ideia seria utilizar o corte para acabar com os juros sobre capital próprio (JCP).
“Nunca há momento oportuno para fazer uma reorganização tributária, mas o que se tem de fato é a intenção de acabar com o mecanismo do Juro sobre Capital Próprio, usado para contornar o IR, sendo que sua compensação não necessariamente ocorrerá, podendo ficar para um segundo momento”, avaliou Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos.
“Isso torna os ajustes tributários inicialmente desequilibrados, mas sem maiores detalhes é impossível ter uma opinião conclusiva. Com o que está a priori exposto, talvez agora, de fato, não seja o melhor momento para tal reorganização”.
Adicionalmente, o Ministério da Economia trabalha para implementar um tributo sobre dividendos em até 20%. Sobre ele, a advogada tributarista Fernanda Higashino rebateu uma das críticas mais antigas do mercado — a da fuga de capitais: “é o que chamamos de ‘jurisesperneandi’, uma junção de juris [do jargão jurídico] com espernear.”
“Essa é uma taxação comum em outros países, uma prática já conhecida”, expôs a advogada. “Não podemos ter uma visão ingênua de que não haverá uma oneração de algum setor. Essa contrapartida vai ter de existir”.
Passados os primeiros dois anos da reforma tributária, haveria ainda mais quatro de transição nacional, quando o ICMS e ISS seriam substituídos gradualmente pelas alíquotas estaduais e municipais do IVA dual.