O termo “cringe” — cujo significado traduz um sentimento de aversão e vergonha alheia — ganhou espaço nas redes sociais em meio a um confronto geracional. Na lista de itens considerados cafonas, além de calça jeans skinny e café expresso, jovens rechaçam o pagamento em boleto, sinalizando os desafios que tem enfrentado o setor financeiro.
As buscas no Google por “cringe” dispararam nas últimas horas, enquanto a Geração Z — pessoas nascidas entre a segunda metade dos anos 1990 e o início do ano 2010 — taxavam os hábitos de millennials — nascidos do início dos anos 1980 até meados da década de 1990.
boletos, litrão, harry potter, friends, unha francesinha, minimalismo, ser roqueiro, rir com rsrs, café da manhã, fanatismo por café no geral
— milena (@wwwmlna) June 18, 2021
Os comentários são o reflexo de uma geração criada no olho do furacão de uma revolução tecnológica. Boletos, agências e casas lotéricas deixam de fazer sentido. O apontamento veio direto da fonte.
Enquanto a regra nas redes foi a desqualificação desse público, Andreia Fernanda, economista e educadora financeira, explicou que a nova geração tem uma visão diferente, com valores distintos das anteriores. “Tem acesso a um mercado, um linguajar e uma forma de olhar para a vida diferente do que tínhamos. Nasceu conectada, olha a praticidade e sustentabilidade,” ponderou.
Neste embate, novas nomenclaturas começam a ganhar espaço. Não se paga boleto, mas se fala em fatura do cartão e cashback. E por que não uma transferência via Pix ou deixar no débito automático?
Crescimento do PIX mostra novo cenário
A título de exemplo, a utilização do serviço de pagamentos instantâneos do Banco Central (BC) superou a de meios “cringes”, incluindo DOC, TED e boleto bancário, de acordo com relatório da autoridade monetária. Entre novembro de 2020 e março de 2021, foram efetuadas 1 bilhão de transações por Pix, em um total de R$ 787,2 bilhões.
A chegada de pagamentos instantâneos, tendo com pivô o Pix, levou a uma desmaterialização do pagamento, explicou Rafael Durer, consultor de varejo financeiro. O especialista deu razão ao público jovem: boleto é mesmo “cringe”.
“Acredito que, daqui a 10 anos, o dinheiro, que representa hoje cerca de 30% das formas de pagamento, cairá pela metade. O Pix irá para em torno de 20%. E outros, incluindo boleto e cheque, chegará entre 1% e 2%. Não faz mais sentido,” disse Durer.
A próprio lançamento do sistema de pagamentos instantâneos pelo BC serviu para estimular a competição e, concomitantemente, a inovação. Levá-las além de grandes bancos, como os tradicionais Itaú Unibanco (ITUB4), Caixa Econômica Federal, Bradesco (BBDC3), Banco do Brasil (BBAS3) e Santander (SANB11).
A corrida pelo ouro
Em relatório de abril, os analistas da XP Investimentos Marcel Campos e Matheus Odaguil se debruçaram sobre a investida de players disruptivos para levar um pedaço do setor financeiro no Brasil, desde segmentos tradicionais e regulados, como o crédito consignado, até o já transformado mercado de adquirência.
No setor bancário, os holofotes refletem a coroa do Nubank, que superou a marca de 40 milhões de clientes, dos quais muitos são jovens. Não à toa, a fintech trouxe para dentro uma figura como Anitta, cuja influência é forte entre jovens.
Mas a empresa do cartão roxinho não compete sozinha. Ao lado, aparece a do cartão laranja: o Inter (BIDI11). Os bancos afastam a ideia de um serviço em agência. Apostam antes no aplicativo, o qual oferece ao cliente a praticidade de encontrar desde seguros até investimentos, além do pagamento de faturas.
Diante do barulho, os incumbentes mostraram não pretender ficar parados. O Itaú, líder do mercado de emissão de cartões, lançou ontem uma campanha com a proposta de indicar que nem todo pedaço de plástico é igual. Para reforçar a posição de liderança, o banco apostou em uma estratégia de mídia apoiada no uso de inteligência artificial e machine learning.
Do outro lado da rua, o Bradesco briga com sua própria fintech: o Next. Enquanto se prepara para a oferta pública inicial de ações (IPO, na sigla em inglês), o banco digital oferece R$ 10 ao cliente por cada indivíduo indicado que abrir conta.
Segundo a economista e educadora financeira Andreia Fernanda o mercado financeiro certamente será impactado pelos novos hábitos geracionais. “Precisa estar em movimento.” Deixar para trás o “cringe“.
(Colaborou Natalia Gómez)