Boletim Focus mostra forte deterioração do cenário desde início de 2021
Elaborado semanalmente, o Boletim Focus transmite as expectativas de alguns dos principais especialistas do mercado financeiro para determinado momento da economia. As estimativas dos profissionais, contudo, têm se mostrado sensíveis ao ambiente macroeconômico, alterando o processo decisório da política monetária do País.
O ano de 2021 começou cercado de expectativas positivas para a recuperação econômica. Com a promessa de início da vacinação em massa e partindo de uma base negativa do ano passado, na primeira projeção do ano, o Boletim Focus estimava um crescimento de 3,4% do Produto Interno Bruto (PIB).
Entretanto, a projeção mediana do mercado foi se deteriorando ao longo das semanas seguintes, acompanhando as tensões de Brasília, escalada da pandemia do novo coronavírus (Covid-19), além do risco fiscal aflorado com as indefinições sobre o Orçamento — que, por fim, foi aprovado com quase quatro meses de atraso.
Por mais que no relatório desta segunda-feira (26) a expectativa pelo crescimento da economia tenha subido para 3,09%, de 3,04% na semana passado, a estimativa é quase 11% menor em relação ao maior patamar da projeção revelada pelo Focus neste ano.
Em março, a Fundação Getulio Vargas (FGV) disse em relatório que a incerteza do mercado frente à economia “dificilmente” atingirá um patamar confortável no curto prazo. Um dos principais fatores apontados pela fundação é o fraco desempenho no combate à pandemia.
Embora esteja acima do patamar pré-pandemia, o Indicador de Incerteza da Economia (IIE-Br) recuou 4,7 pontos na leitura de março, para 123,5 pontos, sinalizando a deterioração das expectativas dos agentes econômicos.
Economia não contará com taxa de juros (muito) estimulante
Embora negligenciado por parte do mercado, o Boletim Focus é uma ferramenta de grande importância para todo o sistema econômico do Brasil. Ele é utilizado como diretriz por economistas para a modelagem de previsão macroeconômicas, e por profissionais ligados à área empresarial.
Um dos aspectos que influenciam o investimento corporativo, inclusive, é a taxa básica de juros da economia (Selic).
Acompanhando a tendência dos Bancos Centrais ao redor do mundo, a equipe liderada por Roberto Campos Neto trouxe a taxa de juros brasileira para sua mínima histórica no ano passado, a 2%. Poucos esperavam este patamar após o País ter digerido uma Selic de 14,25% em meio à recessão econômica do segundo governo de Dilma Roussef.
A estranheza se justifica. O Brasil é um país em desenvolvimento — ou de terceiro mundo — que, até março deste ano, tinha um juro real negativo. Com a taxa de juros em 2% e o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em 4,52%, não havia prêmio para que os investidores estrangeiros alocassem capital em um cenário de conflito político, risco fiscal e crise sanitária.
Ao gastar R$ 293,1 bilhões com o auxílio emergencial em 2020, fomentando a economia brasileira com uma taxa de juros baixa, o resultado não poderia ser outro: estresse na inflação. Como manda o manual de política monetária, a ferramenta para paralisar o aumento dos preços da economia é o aumento da taxa de juros (o custo do dinheiro). Mais um contexto de deterioração de expectativas.
As estimativas dos profissionais do mercado financeiro em novembro do ano passado não contemplavam uma retomada econômica lenta e a necessidade de se estancar a inflação. Durante o ano passado, o Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M) acumulou uma alta histórica de 23,14%, seguida por uma alta acumulada de 8,27% nos primeiros três meses de 2021.
Mesmo que a segunda prévia de abril já tenha mostrado um arrefecimento, o movimento impressiona. Na média dos três anos anteriores à pandemia foi registrado um acúmulo anual de 4,78% no IGP-M. O Copom foi obrigado a se mexer, dando o pontapé inicial em um novo ciclo de alta da Selic, e o mercado não esperava essas intensidade.
Os modelos utilizados pelos economistas ouvidos pelo Banco Central, todavia, levam em consideração o fator da pandemia, que alterou fortemente as cadeias produtivas do País, sobretudo de commodities. A expectativa é de normalização nos próximos anos.
Boletim Focus prevê arrefecimento do dólar
O aumento da Selic também tem outro impacto econômico. Com uma maior taxa de juros, a tendência é atrair mais capital estrangeiro, arrefecendo o processo de desvalorização do real frente ao dólar.
Claro que o investidor que vem de fora calcula o cupom cambial do País, mas um juro real positivo frente ao inverso nos Estados Unidos e na Europa tende a beneficiar a divisa brasileira.
O caminho da política monetária em elevar a taxa de juros para conter a inflação também é positiva deste lado. Muitos dos produtos comprados nas prateleiras dos supermercados têm componentes ligados ao dólar, por meio das commodities citadas anteriormente. Esse impacto da força da moeda norte-americana é observada desde eletrônicos e eletroeletrônicos até o preço do pão (com a alta do trigo).
A disparada do dólar indiretamente também fomentou a crise político no Brasil. A gasolina é um desses componentes ligadas à moeda estrangeira, e como a Petrobras (PETR4) sob a liderança de Roberto Castello Branco comercializava o petróleo com base nos preços internacionais, o custo do combustível começou a incomodar o governo.
Em março, procurando evitar perda de popularidade, o presidente Jair Bolsonaro interviu na petroleira e demitiu o presidente, pois dizia combater os “preços abusivos” e que poderia “mudar essa política de preços lá”. Os agentes econômicos também não previam a intensificação do embate entre o mercado e o Bolsonaro.
No relatório divulgado nesta segunda, o Focus prevê que o dólar seja negociado a R$ 5,40 no fim deste ano. No mercado à vista, a moeda norte-americana recua e é cotada a R$ 5,44 na venda. É observada uma tendência de perda da inclinação das expectativas, conforme o gráfico baixo.
Enquanto isso, o dólar futuro (DOLM21) para dezembro deste ano é negociado a R$ 5,46. O mercado parece entender que a cotação da moeda dos Estados Unidos está em um patamar alto em comparação ao real, embora fraca frente a outras moedas de países desenvolvidos, o que tende a gerar algum ajuste.
Embora seja difícil prever para onde vai o câmbio, alguns especialistas entendem que o real pode se apreciar frente ao dólar nos próximos meses. De certa forma, o Boletim Focus exprime uma percepção de que mesmo com os amplos riscos e incertezas brasileiras, o real está demasiadamente pressionado.