As últimas semanas testaram o coração dos adeptos do Bitcoin. Nos últimos 30 dias, a maior criptomoeda do mundo sofreu forte queda em função de três fatores: preocupações ambientais, cerco regulatório governamental e “concorrência” de moedas criadas na brincadeira, contaminando a percepção do público em relação ao mercado. Contudo, segundo especialistas, a procura segue intensa — tanto de pessoas físicas como de empresas.
Entre altos e baixos, o Bitcoin ainda apresenta uma valorização de quase 40% no ano. Agora, ele continua nas manchetes mundo afora por razões distintas. A primeira delas diz respeito às preocupações ambientais. O CEO da Tesla (TSLA34), Elon Musk, após se mostrar um entusiasta da cripto — inclusive colocando #Bitcoin em sua biografia no Twitter –, deu um passo atrás e quis mostrar que não é bem assim.
Até o início deste mês, a montadora de veículos elétricos aceitava pagamentos por meio de bitcoins. Entretanto, essa decisão mudou quando Musk questionou o suposto elevado impacto ambiental no processo de mineração de bitcoins, com o consumo de energia de computadores que garantem a segurança do blockchain.
“Criptomoeda é uma grande ideia em vários sentidos e acreditamos que ela tem um futuro promissor, mas isso não pode ocorrer a um grande custo para o ambiente”, afirmou o executivo, citando a queima de carvão como prejudicial ao meio ambiente.
Logo foi instaurado um burburinho de Wall Street até a Faria Lima: estaria ele manipulando os preços da criptomoeda? Musk não só se mostrou empolgado com o Bitcoin em janeiro deste ano, como também alocou parte do caixa da Tesla no investimento. Inclusive, deu essa declaração logo após a empresa vender uma parte da posição e embolsar certo lucro. A justificativa do polêmico empresário se sustenta?
Ouro e sistema bancário deixam Bitcoin para trás — em consumo
Musk não é o único a criticar o Bitcoin. O fundador da Microsoft (MFST34), Bill Gates, também relaciona a degradação do meio ambiente à mineração de bitcoins. O problema maior, contudo, é outro.
Quando a moeda está em evidência, a discussão sempre é retomada, mas os números falam por si. A Galaxy Digital publicou um estudo na última semana mostrando que o sistema bancário gasta por ano mais energia do que todos os mineradores de Bitcoin juntos.
A rede da criptomoeda consome um total de 113,89 TWh por ano. Os bancos, com estrutura centralizada, gastam mais que o dobro, cerca de 263,72 TWh por ano. A indústria do ouro utiliza cerca de 240,61 TWh para o mesmo período.
Esse consumo de energia do Bitcoin representa 0,58% de toda a energia elétrica produzida no mundo, ou 0,66% da energia consumida. Além disso, a Universidade de Cambridge mostrou que apenas os equipamentos em stand-by nos Estados Unidos consomem 1,5 mais energia que o Bitcoin.
Um estudo da CoinShares Research mostrou no início do ano que 74,1% da energia utilizada por mineradores de Bitcoin vêm de fontes renováveis, sobretudo usinas hidrelétricas, solares e eólicas. Enquanto isso, apenas 29% da energia elétrica consumida por todo o mundo advém de fontes renováveis, segundo um relatório da International Energy Agency de 2021.
A Argo Blockchain, listada na Bolsa de Valores de Londres (LSE), recentemente adquiriu dois data centers totalmente movidos a energia hidrelétrica para mudar a pegada de consumo, com o intuito de transformar sua mineração da moeda digital muito mais sustentável. O Bitcoin é muito mais amigo do meio ambiente do que muitos imaginam.
Cerco regulatório
O risco de regulamentação tem se tornado cada vez mais palpável ao Bitcoin e seus investidores. Na última quinta-feira (20), o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos disse que está estudando medidas para aumentar seu controle dos mercados e das transações de criptomoedas.
No documento divulgado, o Tesouro afirma que o uso das moedas digitais representa um “problema” para a detecção de evasão de impostos. “No mundo inteiro estamos acompanhando o aperto do cerco às criptos e exchanges com regulamentações. Segundo as autoridades, o intuito é evitar problemas sociais”, disse Vicente Piccoli Braga, sócio do FAS Advogados, ao SUNO Notícias.
O especialista, que já passou por Anbima, Bolsa e FGC, atua com regulação financeira no Brasil em tudo o que diz respeito à tecnologia no setor bancário e fintechs. “O Bitcoin possui uma característica intrínseca que é ser antigovernamental. Então, à primeira vista, os adeptos da moeda não gostam da ideia de regulamentação”, diz Braga. Ele, porém, pondera que essa realidade pode ser positiva para o mercado.
Com um segmento de moedas digitais dentro dos parâmetros considerados adequados pelas autoridades financeiras, o público ainda reticente frente à categoria de investimentos pode soltar suas amarras e experimentar o mercado. A facilidade e aspecto desinflacionário permaneceriam inerentes à moeda — o questionamento fica por conta da privacidade.
O processo de alinhamento das criptomoedas também poderia chamar atenção de empresas, das pequenas até as maiores, para diversificar suas reservas sem adentrar em um mercado considerado “sem dono”. Marco Castellari, CEO da Brasil Bitcoin diz que enquanto corretora, enxerga a regulamentação com bons olhos.
“O que muitos veem como prejudicial para as moedas mas nós como corretora vemos como positivo é alguma forma de regulamentação”, salienta o executivo. “É muito bom que existam leis, e que nós precisemos enviar relatórios mensais sobre transações. Traz um respaldo legal à atividade.”
Concorrência danosa de players curiosos
Os últimos meses também foram marcados pela chegada de novas criptomoedas que chamaram atenção dos investidores curiosos. A Dogecoin é a nova queridinha de Elon Musk.
A moeda, que nasceu como uma piada e leva um meme em sua foto, passou a ser levada a sério pelo empresário e, consequentemente, a maior parte de seus seguidores no Twitter. O bilionário anunciou que levará a moeda digital à Lua junto ao satélite DOGE-1 no primeiro trimestre de 2022, com a SpaceX, uma de suas empresas.
Musk, um dos responsáveis pela alta de aproximadamente 13.000% da moeda neste ano, afirmou que não vendeu nem irá vender nenhum de seus dogecoins.
A ascensão de novas moedas com esse teor especulativo não é bom para o segmento de criptoativos, afirma Castellari. “A meu ver, esse processo da chegada de novas moedas em termos de brincadeira é prejudicial. Ela em si não traz nada de novo em termos de tecnologia. Ela não tem mérito por melhorar o mercado de criptomoedas“, diz.
Os brasileiros não quiseram ficar de fora e criaram sua própria criptomoeda, o REAU. Os criadores da moeda piada a chamam de “desinflacionária, segura e autossustentável”, fazendo alusão à conjuntura inflacionária mundial.
Por mais que seus criadores a tenham criado com o objetivo de ajudar instituições não governamentais de auxílio a animais abandonados e, de acordo com os criadores, oferecer uma alternativa ao sistema financeiro centralizado, ela nasceu como um meme. Depois de subir cerca de 1.700% em março, chegou a cair mais de 90% em apenas um dia no início de abril, após acusações de fraude.
“Principalmente aqui no Brasil, esses episódios fazem com que o mercado de criptomoedas seja visto como uma coisa fajuta”, afirmou o CEO da Brasil Bitcoin. “Não vejo pontos positivos. Eles acabam generalizando a cripto, como algo ruim por conta de uma experiência dessas.”
Maturidade e reserva de valor do Bitcoin acompanham o interesse de empresas
Por muitos investidores, o Bitcoin é visto como um potencial ativo de reserva de valor, pois seu aspecto voltado à escassez contraria a impressão de dinheiro que vem sendo feita por bancos centrais ao redor do mundo. Investimentos com essa característica costumam ser procurados em momentos de crise econômica e alta inflação.
Ano passado, o Bitcoin passou pelo maior teste desde que foi criado. A crise da pandemia do novo coronavírus (Covid-19) chegou aos mercados e atingiu todos os ativos. Seria a hora da criptomoeda se mostrar como uma reserva de valor, mas além de mostrar alta volatilidade, ela caiu 24% apenas em março de 2020. Em comparação, o ouro se manteve estável.
Esse episódio demonstrou que o Bitcoin ainda não era um ativo seguro para os momentos caóticos do mercado. Além disso, a maturidade da moeda também se mostra pequena em meio à forte volatilidade causada por falas de apenas alguns personagens específicos, como Elon Musk.
“O fato de Musk falar ou deixar de falar, principalmente por conta de já existir um histórico de ser alguém que gosta de brincar com a opinião pública, e isso mexer com a cotação drasticamente, mostra claramente a imaturidade do mercado”, comenta Braga. “Ainda há muito a ser feito e consolidado. Os investidores ainda precisam entender o que é sinal e o que é ruído.”
Todavia, a mudança na percepção da criptomoeda nos últimos meses tem chamado atenção não somente dos pequenos investidores como de grandes empresas — seja pela viabilidade econômica e promessa de ser o futuro do dinheiro, ou então por motivações comerciais.
Segundo o site Bitcoin Treasuries, que compila as transações de empresas norte-americanas com bitcoins, a procura tem sido grande. Confira as maiores posições e empresas da lista:
Empresa | Quantidade de bitcoins | Valor da posição |
MicroStrategy | 92.079 | US$ 3,79 bilhões |
Tesla | 43.200 | US$ 1,77 bilhão |
Square | 8.027 | US$ 330 milhões |
Marathon Digital Holdings | 5.425 | US$ 223 milhões |
Coinbase Global | 4.487 | US$ 183 milhões |
O CEO da Brasil Bitcoin entende esse contexto como um start para o crescimento do mercado. “Conforme o conhecimento sobre a moeda é ampliado no mundo, as empresas passam a olhar com melhores olhos e passam a diversificar suas reservas com esses ativos”, diz Castellari.
Braga, do escritório de advocacia, diz que as discussões no Brasil giram em torno de “se vale a pena utilizar esses ativos”. “A regulamentação pode ajudar as criptos no sentido de assegurar as empresas no combate à lavagem de dinheiro e proteção do próprio capital. Perguntas como ‘como vou aceitar isso no meu comércio? Posso sujar meu nome?’, ainda são bem comuns.”
O projeto de lei (PL) 4207, de 2020, dispõe sobre os ativos virtuais e sobre as pessoas jurídicas que exerçam as atividades de intermediação, custódia, distribuição, liquidação, transação, emissão ou gestão desses ativos. A ideia é equalizar condições e obrigações para que companhias possam ter maior acesso às criptomoedas. Pouco a pouco, o mercado vem sendo desmembrado pelos interessados, e o Brasil não fica de fora.
Do ponto de vista de pessoas físicas, o movimento continua firme. A Brasil Bitcoin, corretora fundada em 2017, movimenta cerca de R$ 150 milhões por mês em ativos. “Cada vez menos um personagem sozinho, como Musk, terá influência sobre a cotação do Bitcoin, e o mercado como um todo tende a ganhar e, consequentemente, crescer”, comenta o CEO.
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