Nas últimas duas semanas, a Nasdaq, bolsa da tecnologia norte-americana, passou por uma leve correção, fazendo com que o índice caísse para cerca de 10% abaixo de sua máxima histórica, atingida no dia 2 de setembro. Assim, mais uma vez, foi levantada a discussão sobre a correleção entre os ativos financeiros e a realidade econômica, uma vez que a economia norte-americana entrou em recessão enquanto as big techs renovam máximas históricas.
Desde 23 de março, quando o S&P 500 atingiu 2.237 pontos, após uma queda de mais de 30% de sua máxima, as FAAMGs (acrônimo para Facebook, Apple, Amazon, Microsoft e Google) recuperaram as perdas e ultrapassaram — por muito — seus maiores níveis já atingidos. A maior das big techs, a Apple, inclusive, se tornou a primeira empresa dos Estados Unidos a atingir a marca de US$ 2 trilhões em valor de mercado.
A empresa fundada por Steve Jobs registrou um avanço de 12% no lucro líquido no segundo trimestre deste ano, em comparação ao mesmo período do ano passado, na ordem de US$ 11,2 bilhões. Dentre essas empresas, destaque também para a Amazon. A empresa de Jeff Bezos, o homem mais rico do mundo, lucrou US$ 5,2 bilhões entre abril e junho deste ano, quase o dobro do segundo trimestre de 2019.
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Todavia, embora as maiores empresas norte-americanas tenham apresentado resultados robustos no período de maior impacto da pandemia, e, majoritariamente, acima do consenso de especialistas, muito se pergunta: as big techs caminham para uma bolha, como no início do século? Para o maior investidor de todos os tempos, Warren Buffett, não.
As big techs têm um modelo de negócios incrível, diz Buffett
Há poucos meses, em entrevista concedida ao jornalista do Yahoo! Finance, Andy Serwer, Buffett foi perguntado se considerava que o mercado norte-americano, especificamente as FAAMGs, caminhava para uma bolha. A resposta dele foi enfática: “Não, exatamente o oposto”.
“Quero dizer, você vê neste tipo de mercado que essas empresas não precisam de capital para crescer. Bem, a Netflix precisa de capital. Mas, basicamente, as grandes empresas em valor de mercado não precisam de capital para crescer. E isso as separará ainda mais das outras”, salienta o megainvestidor.
Por isso, para ele, essas empresas possuem um modelo de negócios incrível, e que se diferente em grande medida das empresas do passado. “Olhe as maiores empresas em valor de mercado de 10 anos, 20 anos, 30 anos atrás. Volte alguns anos”, diz Buffett.
De fato, em 1980, quando a Apple abriu seu capital na Nasdaq, a maior empresa dos Estados Unidos era a Exxon, com um valor de mercado de aproximadamente US$ 105 bilhões. Ela era seguida pela Mobil e General Motors, avaliadas em US$ 60 bilhões e US$ 59 bilhões, respectivamente. Hoje, mesmo com a fusão entre Exxon Mobil e Mobil em 1999, a empresa vale US$ 158,43 bilhões, enquanto a GM é avaliada em US$ 45,54 bilhões — ambas não estão nem entre as 15 maiores empresas do S&P 500.
Para Buffett, essas empresas “pararam no tempo” porque precisam de dinheiro para reinvestir em suas operações e, consequentemente, crescer, diferentemente das big techs, que são “predominantemente leves em necessidade de capital”. O investidor salienta que “agora as empresas realmente incríveis são as que estão no top cinco e representam mais de 10% do valor de mercado do país”. As cinco principais empresas dos Estados Unidos correspondem a pouco mais de 22% do índice das 500 maiores companhias do mercado estadunidense, conforme tal ponderação:
- Apple (6,52%)
- Microsoft (5,55%)
- Amazon (4,60%)
- Alphabet, controladora do Google (3,2%)
- Facebook (2,26%)
“De fato, as FAAMGs tem um modelo de negócio incrível, bastante superior ao das maiores empresas de antigamente. Além disso, essas empresas não dependem unicamente do mercado interno, pois ganham receita do mundo todo. A globalização e a internet favoreceram o crescimento no valor dessas empresas”, disse na entrevista o CEO da Berkshire Hathaway.
Por que, hoje, não estamos em uma nova bolha da internet (ou tecnologia)
A bolha da internet, ou dot-com bubble (bolha ponto com), estourada em março de 2000, possuía características distintas às observadas atualmente, as quais são importantes de se pontuar ao fazer essa comparação.
No início da década de 1990, ao passo que deixou de ser domínio exclusivo de universidades e governos, a internet passou a se popularizar rapidamente. Uma demanda crescente por computadores chamou atenção de diversas companhias, estimuladas pela conceituação de que a internet era a Nova Economia, anticíclica e de crescimento ilimitado.
Por conta de um excesso no entusiamo dos investidores do setor, muitas empresas eram criadas somente pela expectativa de que daria certo, sem nem ao menos um planejamento factível de execução. Ações de algumas companhias chegaram a subir 600% apenas no dia da estreia, após a oferta pública inicial de ações (IPO, na sigla inglês).
Para se ter uma ideia, o patamar de 5.000 pontos da Nasdaq, atingido no fim de março de 2000, só foi alcançado novamente 15 anos depois, tamanha a queda causada pelo estouro da bolha. Além disso, o indicador Preço/Lucro do índice, no fim de 1999, era de aproximadamente 80 vezes (enquanto hoje é de “apenas” 23 vezes).
Todavia, levados pela ganância, gestores de empresas passaram a se aproveitar desse momento e corromper as empresas para benefício próprio. Segundo especialistas, um dos principais motivos do estouro da bolha foi a corrupção corporativa, além de fraudes, falhas graves e dívidas “maquiadas” nos números.
Desde então, a U.S. Securities and Exchange Commission (SEC), órgão regulador estadunidese, tem apertado o cerco para essas situações, fazendo com que o mercado tenha se tornado mais transparente — processo intensificado após a crise financeira de 2008.
Esse aspecto, inclusive, está disposto no Código de Governança Corporativa para Empresas Listadas, disponibilizado pela SEC. O 9º princípio do código diz que as empresas “devem estabelecer padrões para a seleção adequada de um auditor externo, e exercer supervisão eficaz do mesmo para fortalecer a independência do auditor”, com o objetivo de melhorar a qualidade do serviço e evidenciar a transparência.
Outra importante razão para o estouro da bolha foi o fato de que o Federal Reserve (Fed), Banco Central dos Estados Unidos, elevou a taxa de juros seis vezes apenas entre 1999 e 2000, aumentando o custo de capital das empresas — muitas das quais não tinham capacidade de arcar com novas despesas.
Neste ponto, o atual momento se difere em dois aspectos. O primeiro, no que se refere ao âmbito macroeconômico, a taxa de juros está em sua mínima histórica nos Estados Unidos, mantida pelo Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc, na sigla em inglês) nesta semana entre 0% e 0,25%. A autoridade monetária ainda disse que a taxa deve ficar neste patamar até ao menos 2023.
O segundo, levando em consideração apenas as maiores empresas do S&P 500, as FAAMGs tem mais de meio trilhão de dólares em caixa de forma conjunta. A dívida líquida, por consequência, é negativa. Isso faz com que as companhias de maior capitalização dos Estados Unidos, e que são puramente tecnológicas, estejam mais preparadas para momentos de crise — a forma com que têm passado pela pandemia é um exemplo disso.
Buffett tem conhecimento de causa
Ao não participar do rally das empresas de tecnologia no início do século, Buffett foi acusado de ter perdido seu “Toque de Midas”. No entanto, o megainvestir sempre frizou que é necessário conhecer muito bem as empresas em que investe, caso contrário, não se passa de uma especulação.
Para ele, os investidores devem manter-se em seus círculos de competência, e apenas comprar ativos “que você ficaria feliz em mantê-lo caso o mercado fechasse por 10 anos”. E, portanto, essa foi a razão pela qual a Berkshire Hathaway não tenha se aventurado em meio à bolha da internet — o que acabou resguardando um bom dinheiro.
Em uma carta aos investidores da empresa no ano de 2000, Buffett e Charlie Munger disseram que “a linha que separa investimento e especulação, que nunca é brilhante e clara, torna-se ainda mais tênue quando a maioria dos participantes do mercado desfrutou de triunfos recentemente”.
Entretanto, atualmente, Buffett tem conhecimento de causa sobre o que fala sobre as FAAMGs. Em 2016, o megainvestidor surpreendeu o mercado ao investir fortemente na Apple, alocando US$ 36 bilhões do capital de sua empresa. Atualmente, a posição de Buffett é avaliada em cerca de US$ 100 bilhões.
E não parou por aí. Na última semana, a Berkshire Hathaway realizou um massivo investimento no IPO da Snowflake, empresa de tecnologia de dados — a empresa veio a mercado avaliada em 60 vezes sua receita. No entanto, o megainvestidor diz que, apesar de sua opinião, o fato das FAAMGs, ou diversas de tecnologia, estarem bem posicionadas atualmente, isso não quer dizer que serão bons investimentos daqui pra frente.
Segundo ele, mudanças na competição de mercado e de preferência dos consumidores podem introduzir novas variáveis. Além disso, em algum momento o mercado, maníaco-depressivo como é, conforme Benjamin Graham diz em seu livro O Investidor Inteligente, pode querer pagar pelos ativos mais do que eles realmente valem, fazendo com que um investimento tenha um upside insatisfatório rondando um âmbito especulativo — e com as big techs não é diferente.
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