O desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro nos últimos anos foi notável. A Bolsa de Valores ultrapassou a marca de 4 milhões de contas de pessoas físicas e, mesmo com a volta da atratividade da renda fixa, o caminho é sem volta. Há espaço para mais, sobretudo entre as Pequenas e Médias Empresas (PMEs). A BEE4 enxergou isso.
No fim do mês passado, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) aprovou, no âmbito do sandbox regulatório, a estrutura de balcão organizado à BEE4. A empresa é um projeto da beegin, controlada pelo Grupo Solum.
O objetivo é criar um mercado de acesso à bolsa de valores para as PMEs, muitas vezes mal entendidas não só pelo público em geral, mas também pelo mercado.
“Esse segmento ainda é pouco difundido no Brasil. Percebemos que as PMEs ainda são vistas como não profissionais e informais e isso é incorreto”, disse Patrícia Stille, ex-sócia da XP e head da BEE4, em entrevista ao Suno Notícias.
A BEE4 atenderá as empresas intermediárias. Podem entrar na lista aquelas que ainda não possuem a robustez de uma listada na Bolsa, ao passo que também não estão em estágio inicial de operação, com as techs acompanhadas de perto pelos fundos de venture capital.
Stille afirma que a ideia é atender aos pequenos players da economia real. Empreendedores com receita anual entre R$ 10 milhões e R$ 300 milhões podem se candidatar.
As startups fazem ofertas primárias na plataforma de investimentos alternativos beegin Invest, enquanto a negociação no secundário acontecerá na BEE4, a partir de março.
Bovespa Mais deixa a desejar e abre espaço para alternativas
A princípio, o modelo de negócio da BEE4 pode parecer uma concorrente da Bovespa Mais. O formato de listagem de ações, criado em 2005 com a ideia de fomentar uma abertura de capital gradual, acabou não engrenando.
“Anos atrás, criaram a Bovespa Mais. Algumas empresas foram listadas, mas não houve a criação de um mercado em si, com liquidez. O Brasil não tem mercado de acesso“, comenta a executiva, que cita casos bem sucedidos, como em Londres e Toronto, que podem ser considerados exemplos.
A visão do Grupo Solum, que é levado à BEE4, é de que o gap neste mercado é grande.
As pequenas e médias empresas são responsáveis por cerca de 70% dos postos de trabalho formais de todo o Brasil.
Mas, hoje, para entrar na B3, as companhias devem ter certa musculatura para cumprir com todo o arcabouço de uma empresa cotada, que vai desde a listagem em si até processos de melhoria na governança corporativa e criação de um departamento de Relações com Investidores para manter a transparência com acionistas.
“Nosso trabalho é diferente do que se vê no crowdfunding. Procuramos negócios um pouco mais estruturados, mas que ainda precisam de acompanhamento, do passo a passo, para se desenvolverem de fato.”
Ainda não está definido qual é o objetivo final, ou ao menos a orientação para tal, após a listagem das ações dessas empresas. No caso do Bovespa Mais, as empresas tinham até sete anos para abrir capital em definitivo.
“Isso fica a critério delas, é muito cedo para imaginar o que isso acarretará. Teremos a experiência de um ano e então ainda não tratamos de casos longínquos.”
B3 como parceira, não concorrente
Fundada no ano passado, a beegin — que deu origem à BEE4 — nasceu no olho do furacão no mercado de capitais brasileiro, com a pandemia ainda gerando incertezas e impactando as PMEs no cerne.
Poucos meses depois, sai do papel a ideia de criar um mercado secundário de negociação de empresas que possivelmente terão pouca liquidez. Daqui pra frente, o caminho sem volta é a concorrer com a B3? Na visão da empresa, não.
“Vemos a B3 como exemplo em uma série de questões. Quando pensamos em criar um secundário para empresas emergentes, a estrutura robusta e referencial da Bolsa brasileira nos serviu de inspiração para muitas coisas”, diz Stille.
A BEE4 se vê como uma parceira da B3, atuando com um celeiro de possíveis large caps no futuro, voltando-se exclusivamente para seu segmento do mercado que está autorizada a interagir — que é um ecossistema diferente da B3.
“O padrão de empresa nesse segmento precisa de suporte nesse acesso ao mercado. Seja ela da economia real, tech ou qualquer coisa desse tipo, precisa de um aculturamento da governança corporativa, então o acompanhamento e assistência deve ser mais próximo, que é o que nos propomos a fazer.”
Na visão da direção da BEE4, hoje não faz sentido querer concorrer com a B3. A licença temporária da companhia durará 12 meses, sendo que a plataforma entrará no ar apenas em março de 2022.
“Pensar em qualquer coisa além disso é prematuro. Na verdade, acredito que vamos estreitar nossas relações com a B3.”
BEE4 propõe diversificação em ativos alternativos fora do radar
Além de dar acesso ao mercado de capitais a potenciais milhões de pequenas e médias empresas, a BEE4 acima de tudo propõe um mercado alternativo ao tradicional.
“Empresas da economia real, chegando ao mercado em menor porte, são uma alternativa aos investidores para diversificação de carteira, com uma parcela menor do capital”, afirma a executiva. “Com isso, o investidor terá mais risco do que tradicionalmente, mas com alto potencial de retorno.”
Segundo Stille, a liquidez não será criada do nada, demandando um processo para que o projeto entre em vigor em sua plenitude. “Mas, com certeza, é uma classe de ativos que visa o retorno no longo prazo. As empresas se capitalizam e os resultados aparecem com o passar do tempo.”
Nem guinada da taxa básica de juros da economia (Selic) deve atrapalhar este processo.
Segundo Stille, quando se pensa em taxa de juros e, consequentemente, renda fixa mais atrativa, deve se pensar no “diferencial da taxa de juros”.
“A Selic está subindo porque a inflação está em alta. O juro real ao se investir em renda fixa ainda é baixo. Mercados alternativos, com maior upside, se tornam cada vez mais uma boa oportunidade.”
Para a head da BEE4, os investidores brasileiros já criaram maturidade suficiente para entender a dinâmica do mercado. Agora, o próximo passo é investir em scaleups que saem do senso comum. “O foco é gerar um negócio robusto, do ponto de vista tecnológico e regulatório, para ajudar a melhorar o Brasil.”
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