A alta inflação de serviços é um novo fenômeno econômico que atinge a zona do euro e deverá manter bem elevado até o fim deste ano o núcleo do índice de preços ao consumidor. Poderá chegar perto de 4% em dezembro, o dobro da meta de 2% perseguida pelo Banco Central Europeu (BCE) no médio prazo.
Entre os principais motivos estão o baixo desemprego, a percepção de consumidores de que o continente pode escapar de uma grave recessão nos próximos trimestres, a demanda reprimida por viagens e passeios devido à covid-19 e a poupança extra das famílias durante a pandemia.
Mesmo com a normalização das cadeias internacionais de produção e a redução substancial nos preços de energia e alimentos, que subiram de forma extraordinária com a invasão militar da Rússia na Ucrânia, o núcleo da inflação na Europa deverá ficar próximo a 5,5% em junho.
A marca é muito insatisfatória para o Banco Central Europeu e justifica a continuidade da política monetária restritiva iniciada em julho. Christine Lagarde, presidente do BCE, e outros dirigentes da instituição oficial podem subir os juros em junho, julho e, talvez, setembro, para evitar o risco do surgimento de uma “espiral” de preços.
O avanço dos custos dos serviços, que respondem por 45% da inflação na zona do euro, está relacionado a alguns fatores. “As elevações significativas de alimentos e energia registradas até recentemente afetam muito o setor terciário e elevam as despesas de transportes, restaurantes e hotéis”, afirmou Sebastian Vismara, economista global sênior do BNY Mellon Investment Management.
Também determinam o aumento forte dos serviços a alta de salários e o repasse de preços pelas empresas aos consumidores, situações motivadas pela inflação alta.
A compensação nominal por empregado subiu 5% na zona do euro no quarto trimestre, em termos anuais, enquanto a inflação alcançou 10%. As negociações salariais nominais avançaram 4,3% no primeiro trimestre, também na comparação anual, pouco acima do aumento de 8% do índice de preços ao consumidor alcançado no período.
“Os trabalhadores conseguem elevações de salários, mas elas ficaram distantes de repor totalmente a redução de renda real provocada pela inflação, pois os sindicatos perderam muito poder de negociação nas últimas duas décadas não só na Europa, mas em grande parte do mundo”, afirmou Veronika Roharova, economista-chefe para a zona do euro do banco Credit Suisse.
Por outro lado, Veronika e alguns colegas do Credit Suisse analisaram o comportamento do deflator do PIB da zona do euro em 2022 e constataram que 60% da inflação no ano passado na região foram causados pelo aumento dos lucros das companhias. “Este fato ocorreu em boa medida porque, com a inflação bem alta, muitas empresas com poder de preços atuaram com certa liberdade para repassar a alta de custos aos consumidores em diversos setores, como energia, agricultura e hotelaria”, disse.
Menor gasto
A alta da inflação na zona do euro reduziu a renda disponível dos consumidores, mas também provocou um ciclo restritivo da política monetária, pois o BCE elevou os juros de -0,50% para 3,25% até o momento, o que por sua vez gerou aperto nas condições de concessão de crédito.
“Há agora na zona do euro uma reversão do ciclo de compras de produtos duráveis, como eletrônicos, que ocorreu com muita intensidade durante a pandemia, e é substituído pela grande procura por serviços, cujo custo é menor”, disse Chris Hare, economista sênior para a Europa do banco HSBC.
Christine Lagarde afirmou recentemente que esta troca de setores de compras pelos europeus não deve afetar seus planos de turismo neste verão, como mostrou a última pesquisa de expectativa dos consumidores realizada pelo BCE. O turismo foi o único item com o qual a população europeia pretende aumentar suas despesas nos próximos meses.
“Neste contexto de elevados gastos com serviços, como turismo, o núcleo da inflação na zona do euro deve atingir 5,6% em junho e baixará pouco até setembro, quando chegará a 5%”, afirmou Christian Schulz, economista-chefe-adjunto para a Europa do Citi. “Portugal e Espanha registrarão a melhor temporada de visitantes de outros países nos últimos três anos e há também boas perspectivas nesse segmento para a Itália e Grécia.”
Reação do BCE
Como a inflação de serviços preocupa muito o BCE é bem provável que a instituição oficial suba os juros em 0,25 ponto porcentual na próxima semana e realize pelo menos mais um aumento em julho, na mesma magnitude. Contudo, as opiniões de economistas na Europa estão divididas sobre a continuidade ou não da política monetária restritiva em setembro.
Na avaliação de Antonio Villarroya, responsável pela área macro e de estudos estratégicos do Santander Corporate Investment Banking (CIB), o Banco Central Europeu verá uma gradual redução da inflação em setembro, quando divulgará as projeções macroeconômicas pela primeira vez no segundo semestre. Essas estimativas deverão mostrar que o índice de preços ao consumidor voltará à meta de 2% no longo prazo e levará o BCE a encerrar o ciclo de alta de juros na marca de 3,75% ao ano.
“O BCE poderia deixar de subir as taxas naquele ponto, pois poderia elevar as possibilidades de passar por uma recessão se quiser continuar com o aperto monetário para levar a inflação rapidamente de um nível próximo a 3,5% para a meta de 2%”, afirmou Villarroya. Para ele, a instituição oficial começará a cortar os juros no segundo trimestre de 2024 e os levará para a taxa neutra de 2,5% em dezembro do próximo ano.
Carsten Brzeski, diretor do departamento de economia global do banco ING, também considera que o BCE deveria suspender a alta de juros em setembro, pois haverá clara desaceleração do consumo na zona do euro no segundo semestre, motivada por vários elementos: aumento do temor de que a Europa possa enfrentar uma forte desaceleração da economia, se os EUA entrarem em recessão; queda da produção industrial no continente, motivada por menores exportações de manufaturados ao mercado americano; e o aumento da poupança, pois as taxas de juros nominais estarão elevadas para os padrões da zona do euro.
“Apesar deste quadro, o Banco Central Europeu poderá subir os juros em setembro porque não confia em suas próprias projeções macroeconômicas, mesmo mostrando que a inflação baixará bem em 2024?, disse Brzeski. “O BCE não quer correr o risco de errar de novo e ficar atrás da curva na condução da política monetária, como ocorreu até meados de 2022.”
Na avaliação de Sam Cartwright, economista do banco Société Générale, o Banco Central Europeu subirá os juros em setembro em 0,25 ponto porcentual, depois de duas elevações semelhantes em junho e julho, porque a inflação na zona do euro, sobretudo por causa da alta dos serviços, tende a continuar resistente no curto prazo. Ele estima que o núcleo do índice de preços ao consumidor deverá atingir 4,1% em dezembro.
“O BCE deverá subir os juros para 4% em setembro para manter a ancoragem das expectativas e não permitir que a inflação fique enraizada na sociedade”, disse Cartwright. Como prevê que o núcleo do indicador terá redução modesta em 2024, quando fechará o ano em 2,6%, ele disse que o Banco Central Europeu não baixará os juros no próximo ano, mas apenas em 2025.
Com informações do Estadão Conteúdo
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