Aguardado há anos, o open banking avança para ser aprovado no Brasil. Há cerca de duas semanas, o Banco Central alterou normas para a segunda fase de sua implementação, com o objetivo de reforçar a proteção de dados dos clientes. Mesmo que possa parecer demorado, esse processo fará com que o open banking do Brasil seja um dos melhores do mundo, segundo o Banco Original.
Em entrevista ao SUNO Notícias, Raul Moreira, Coordenador do Comitê de Inovação do Banco Original, que participa de fóruns para a implementação da medida junto ao BC, disse que a aprovação do open banking se dará em um momento propício para o setor bancário no País.
Anos atrás, o segmento ainda era dominado por cinco grandes bancos de varejo. O compartilhamento de informações entre as instituições não surtiria efeito para os clientes, pois a competitividade continuaria baixa e os preços majoritariamente altos.
Nos últimos anos, as mudanças regulatórias que o BC proporcionou com o intuito de abrir as portas do mercado financeiro, trazendo menores custos e maior digitalização, também trouxe impactos positivos para a sociedade. Para Moreira, “inclusão financeira e inclusão digital da sociedade andam de forma conjunta”. Confira os principais trechos da entrevista.
♦
Como o Banco Original se define atualmente? Quais são os focos da instituição?
O Banco Original se posiciona como um banco de varejo, digital e completo. Um banco que disponibiliza uma série de soluções, tanto para os clientes correntistas como para parceiros do mercado.
A nossa infraestrutura tecnológica já nasceu com um conceito em programas de aplicação (APIs) e micro serviços, com os conceitos de desenvolvimento ágil, para que nos conectemos com o mercado. No ano passado, criamos um braço chamado de Bank as Service, com o intuito de nos anteciparmos à implementação do open banking no Brasil.
Na prática, além de colocarmos nossos produtos aos nossos clientes por meio da plataforma, fintechs e demais instituições financeiras podem oferecer seus produtos e serviços através desta integração. Isso permite que uma determinada fintech encurte o trabalho que tem para oferecer produtos, formas de pagamento, crédito e cartões para os clientes.
Apesar de isso já estar em nossa estratégia inicial, foi um aprendizado para o Banco Original implementar essas medidas em parceria junto ao PicPay, que ainda é uma coligada do banco, e faz parte do mesmo grupo [o IPO do PicPay deve mudar essa estrutura]. Com isso, temos uma integração muito grande no oferecimento dos produtos na carteira digital.
De 2020 para cá, uma série de parcerias foram desenvolvidas e hoje a instituição se posiciona como um banco aberto para demais participantes. São poucos bancos que se posicionam dessa maneira.
Além de sermos digitais e completos, procuramos colocar nossa plataforma à disposição do mercado, o que é bem diferente dos bancos tradicionais, e posso te afirmar isso com 34 anos de experiência no sistema bancário.
Como o Bank as Service tem funcionado efetivamente no Banco Original? Qual é o diferencial da ferramenta frente a o que já existia no mercado?
Essa foi uma maneira de o Banco Original pensar diferente. Quando começamos a pensar em nossa plataforma, procuramos credenciais de conexão, com clientes, sistemas de pagamento, adquirentes e Banco Central (BC), e esse foi um meio.
Verificamos que não faria sentido investirmos nessa plataforma sem de fato estarmos preparados para uma integração. Criamos um arcabouço de APIs, que inclusive são disponibilizadas ao mercado, para nos conectarmos a mais de 40 fintechs em todo o País, otimizando o trabalho delas.
Recentemente fizemos uma parceria com o Banco 24 horas, conectando essas fintechs com os clientes que precisam sacar recursos, por mais que essas pequenas empresas não tenham a pretensão de trabalhar com o papel-moeda. Prestamos o serviço emprestando nossa credencial para fazer todo o processo de compra de papel-moeda no mercado, complementando o atendimento da fintech.
Esse é apenas um dos exemplos do trabalho do Bank as Service, mostrando que nossa mentalidade é inovadora e preparada para o open banking, mas com o conceito de ser e nascer como um banco.
E qual a ligação dessa iniciativa com o open banking, que está em vias de entrar em funcionamento no Brasil?
Na verdade, o conceito é muito similar. A diferença é que esse open banking está partindo de uma regulação, por meio dos poderes que foram concedidos ao BC, de como as informações devem ser utilizadas e compartilhadas neste serviço.
No início, o primeiro bloco do open banking está muito focado em proporcionar o compartilhamento de informações, mas nós no Original já estamos antevendo que no futuro esse padrão que está sendo construído agregará muita integração de produtos e serviços, das mais variadas distribuições diferentes. Isso vai trazer uma série de inovações no mercado financeiro.
Então nós estamos correndo para nos posicionarmos para podermos usufruir deste movimento, participando de um open banking “de mercado”, abrindo nossas plataformas, assim como a medida regulatória que está em curso. Esse é o nosso posicionamento à luz de tudo que está acontecendo no segmento no Brasil, em uma velocidade impressionante.
Como você observa os esforços de implementação do open banking no Brasil? Enquanto o Pix é uma inovação talvez mundial, outros países já têm esse processo em curso e nós ainda estamos para trás.
Primeiramente, o setor de pagamentos no Brasil é bem desenvolvido, sobretudo com as transações interbancárias. Com o Pix, eu diria que o Brasil tem um dos maiores cases de pagamentos instantâneos existentes.
A evolução da tecnologia e consumidores propensos à adesão dessas inovações ajuda esse processo. No open banking já se fala há mais tempo pois já existe em outros países, mas o projeto por aqui é muito mais audacioso. Estimamos que quando for implementado, o Brasil terá o melhor open banking do mundo.
Frente a um projeto bastante audacioso e abrangente, não vejo a medida chegando com atraso. Observo ele chegando em um momento propício e que vá ajudar o mercado. Não adiantava o open banking chegar alguns anos atrás se o setor era extremamente concentrado nos grandes bancos. Não havia entrada.
As mudanças regulatórias, de 2013 para cá e intensificando em 2017, trouxeram a entrada de novos players digitais no mercado, alterando esse panorama. O momento para open banking é o certo. Caso o compartilhamento das informações fosse feito antes, seria um aperto ainda maior entre as grandes instituições. Agora, temos ao menos 10 grandes players com capacidade de usufruir da inovação.
As novas perspectivas de oferecimento de produtos e serviços, pressionando por preços mais baixos e maior competição, certamente colocarão o Brasil no patamar de um dos sistemas financeiros mais sofisticados do mundo.
Qual é o balanço que você faz do Pix nestes seis meses de funcionamento? A adesão dos clientes do Banco Original é sólida?
Eu observo o Pix em um contexto muito similar a este em que o BC tem atuado, de inovações. É uma evolução extremamente relevante, e que o Original acompanhou desde o início sendo um dos primeiros a começar a apresentar a proposta aos clientes. Já antevíamos que ela seria uma ferramenta importante, visto que parte relevante da população economicamente ativa faz uso do Pix.
Essa primeira fase foi focada na transferência entre pessoas, substituindo a TED e praticamente extinguindo o DOC, e isso é muito positivo.
A partir do momento em que criamos uma dinâmica que substitui modelos ultrapassados no sistema de pagamentos, o aspecto concorrencial do setor bancário brasileiro aumentou e podemos passar a conversar sobre uma menor circulação do papel-moeda no País, com objetivo de que isso se acentue futuramente. Isso pode reduzir a informalidade e trazer facilidade para as áreas mais distantes dos centros no Brasil. A avaliação é positiva neste aspecto, como ferramenta de pagamentos instantâneos.
No entanto, na posição de quem participou dos fóruns junto ao BC nos últimos meses, vejo que ainda existem alguns desafios muito importantes. Futuramente, o Pix deve ter uma maior capilaridade nas pequenas empresas e comércio. Assim, o Pix colaboraria, de fato, com o ambiente comercial.
O B2B já está começando a acontecer, cerca de 10% das transações do Pix são entre empresas, substituindo os antigos meios de pagamento, mas isso não inclui o comércio. Esse é o grande desafio para os próximos meses, o que também deve chegar aos boletos de cobrança com QR code, entre outros aspectos.
A pandemia fez com que o número de ‘desbancarizados’ caísse mais de 70% no País, segundo pesquisas. De que maneira o open banking, Pix e as mudanças regulatórias do BC podem colaborar neste processo?
Esse é um dos temas mais relevantes, que deveríamos intensificar mais no Brasil. Particularmente, acredito que o termo “bancarização” deva ser gradualmente substituído para inclusão financeira.
O primeiro nome remete a bancos, e não é isso tem que tem acontecido nos últimos anos. Desde 2013 mais ou menos, a inclusão financeira foi liderada pelas fintechs e instituições de pagamento que não necessariamente são bancos. Esse conceito de inclusão financeira deve caminhar de forma entrelaçada com a inclusão digital da sociedade.
Não há mais como fazer uma inclusão financeira com baixos custos e alta competitividade sem a inclusão digital da população. Apesar de ser uma catástrofe em termos de saúde, a pandemia aflorou esse aspecto da inclusão da sociedade. Antes da chegada do vírus, víamos filas imensas para o saque de recursos, inclusive de auxílios governamentais – era um sinal claro que de as pessoas não estavam em contato com o digital. Isso tem mudado rapidamente, com um crescimento de três ou quatro anos apenas em 2020 neste aspecto.
Todavia, ainda há muito a se fazer. A inclusão financeira somente se dá de forma plena quando você abre uma conta digital e vende os produtos aos antigos “desbancarizados”. A inclusão acontece quando o fluxo financeiro da pessoa efetivamente passa por essa ferramenta, facilitando o dia a dia dela.
Ainda estamos devendo em sociedade – estaríamos em um outro patamar se essas necessidades passassem a ser sanadas anos antes. Os grandes bancos tiveram uma grande participação no processo de evolução do sistema, mas não ajudaram nesse lado da causa social.
Entrevista com Raul Moreira, Coordenador do Comitê de Inovação do Banco Original.