“Desalavancagem orgânica”: entenda a estratégia da Azul (AZUL4) para reduzir seu endividamento

A saúde financeira da Azul (AZUL4) e de outras companhias aéreas precisou de um pouso forçado com a chegada pandemia. O isolamento social e as restrições de locomoção fizeram com que as viagens deixassem de gerar caixa às empresas — e o endividamento foi a solução para os negócios decolarem.

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Sob esse cenário, o mercado de investimentos tem visto as ações da companhia em constante volatilidade. Inclusive com desvalorização nos ativos da Azul, que saíram de um patamar de R$ 62,41 em 28 de janeiro de 2020 para R$ 8 na cotação de ontem (queda de 87%). Nesta sexta, as ações da Azul caem 2,12%, a R$ 7,86.

Apesar de a Fitch ter rebaixado a Azul de “CCC+” para “CCC-” — visto o receio de calote após o recente caso da Americanas (AMER3) —, a companhia se mostra otimista em relação ao seu nível de endividamento e aos resultados operacionais para este e os próximos anos.

Em entrevista exclusiva ao Suno Notícias, Thais Haberli, diretora de Mercado de Capitais da Azul, revelou que a companhia irá reduzir a alavancagem de forma “orgânica”, saindo dos atuais 5x para 4x neste ano, e de volta aos 3x em 2024, sem a necessidade de se fazer reestruturações na dívida e no balanço de estrutura de Capital.

A dívida total da empresa seria da ordem de R$ 18 bi – com R$ 3 bi vencendo em 2023 a arrendadores de aviões, e R$ 700 milhões a bancos. Nesta semana a empresa divulgou fato relevante à CVM (Comissão de Valores Mobiliários), especificando:

“Reforçamos que a Azul renegociou, com sucesso, as suas dívidas com arrendadores de aeronaves no passado, e acreditamos que conseguiremos atuar de uma forma comercial. A Companhia está em negociação com seus principais arrendadores de aeronaves, propondo e discutindo novos termos e condições, conforme as perspectivas de mercado e o contexto econômico.”

Confira abaixo a entrevista completa com a Azul!

Thais Haberli, diretora de Mercado de Capitais da Azul Linhas Aéreas Brasileiras

Qual é a atual alavancagem da Azul e por que ela cresceu?

Na pandemia, as companhias aéreas e o setor de turismo como um todo foram afetados e, aqui no Brasil, não tivemos suporte do governo. A solução foi pedir ajuda aos nossos principais stakeholders. 

Fizemos uma negociação muito grande no início da pandemia para tentar postergar os pagamentos de arrendamento de aeronaves (leasing). Também emitimos nossos bonds em 2021, fizemos uma emissão de US$ 600 milhões em dívida não colateralizada, sem nenhuma garantia. Fizemos também a emissão de debêntures conversíveis em 2020, no auge da pandemia, quando ninguém estava conseguindo acessar o mercado de capitais, e a Azul conseguiu ser bem-sucedida. 

Isso aumentou o nosso nível de endividamento em um momento em que não estávamos gerando Ebitda (lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização e custos e despesas de arrendamento mercantil). De fato, a nossa alavancagem foi para o infinito, porque não tínhamos geração de caixa. E com a nossa operação retomando, fomos reduzindo a nossa alavancagem gradativamente. 

Quando olhamos para o ano de 2022, a nossa alavancagem começou com 5x. É preciso lembrar que pensar que, antes da pandemia, em 2019, a nossa alavancagem era de 3x. A nossa expectativa hoje é fechar o ano de 2023 com a alavancagem em 4x e, em 2024, voltar a 3x. Isso, basicamente, sem fazer grandes reestruturações na nossa dívida e no nosso balanço e estrutura de Capital

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O que tem sido feito para reduzir a alavancagem?

Estamos a todo momento com iniciativas para reduzir essa alavancagem, mas um dos grandes fatores que vão beneficiar a companhia será a nossa geração de Ebitda. A estimativa acima dos R$ 5 bilhões, anunciado no Investor Day, vai ajudar a reduzir a nossa alavancagem em 2023. E a nossa operação está crescendo. 

Olhando para frente e para essa geração de caixa, de forma orgânica já conseguiremos reduzir a alavancagem.

Em 2019, o Ebitda foi de R$ 3,6 bilhões e para 2023 a expectativa é de R$ 5 bilhões. O que deverá garantir o alcance desse resultado?

Temos a própria operação, com a expansão e o crescimento não só do número de cidades atendidas — ainda mais com os novos slots em Congonhas —, mas da nossa capacidade do número de passageiros transportados. Além disso, temos mais aeronaves de nova geração voando, que são mais eficientes e ajudam na recuperação da nossa margem. 

Há também as nossas outras unidades de negócio que impulsionam nossos resultados. São operações que têm uma margem acima do transporte aéreo de passageiros, que são a Azul Cargo e a Tudo Azul. 

Esses três fatores foram considerados quando fizemos a nossa projeção. Ela foi feita no início de dezembro, quando a curva do combustível estava bem pior e ainda não tinha saído a Medida Provisória (MP) que reduziu a zero a alíquota do PIS/Cofins — que gera um impacto de pelo menos R$ 400 milhões no ano.

É claro que as nossas projeções podem se equivocar, mas a gente acompanha isso muito de perto para ter uma estimativa mais próxima da realidade. 

Para 2023, muito provavelmente teremos uma melhora no nosso resultado com relação ao preço do combustível e em relação ao próprio dólar. Estamos com uma expectativa melhor da moeda para o ano, mas isso é só um upside em relação ao que já tínhamos calculado. 

Segundo os últimos IPCAs, o preço das passagens aéreas está entre os itens de consumo mais inflacionados. Em 2023, essa ainda será a realidade para o passageiro? 

Quando você compara o preço da passagem aérea hoje com o que era em 2019, vemos um aumento em aproximadamente 30% a 40%. Porém, quando olhamos o preço do combustível em reais por litro em 2022, a Azul pagou 115% acima do que era em 2019. Além disso, quando olhamos para o real em 2022, comparado a três anos antes, a moeda teve uma desvalorização de 30%.

Temos os grandes custos que uma companhia aérea tem, com saídas de caixa em dólar (com o aluguel das aeronaves), e isso acaba impactando a operação.

Quando você compara esse aumento no combustível, que hoje representa mais de 50% das despesas e lá em 2019 era 33%, o preço das tarifas não repassou todo o aumento no custo de operação. Tanto que, quando olhamos para a margem Ebitda de 2022, ela ainda é inferior a 2019. 

E isso não está refletindo nas taxas de ocupação da Azul?

A Azul é uma companhia que sempre foi conhecida por ter as maiores tarifas. Isso por causa da conectividade e da exclusividade por onde voamos. Temos desafios internos de operação para conseguir operar todos os destinos de acordo com o nosso modelo de negócios.

A taxa de ocupação que entendemos fazer sentido para a manutenção dessas tarifas mais elevadas de fato é uma taxa entre 78% e 82%, percentual próximo do que obtivemos no doméstico em 2022.

Não queremos sacrificar a tarifa e reduzi-la para melhorar o load factor [métrica que mede a taxa de ocupação de um voo], se isso consumir a nossa rentabilidade.

Então, uma redução da tarifa, pensando em todos os nossos custos e todos os aumentos desde a pandemia, não é algo viável. 

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A prévia dos resultados do 4T22 da Azul mostraram números operacionais (em RPK e ASK) maiores do que na pré-pandemia em 2019. O que tem favorecido a Azul?

A Azul tem um grande diferencial que é a sua malha. Observando a operação da Azul e olhando para as outras companhias aéreas aqui no Brasil, nós temos uma operação totalmente diferenciada. Ela é a única companhia aérea no Brasil que tem uma malha diversificada, em que a gente consegue atender diversos destinos o nosso foco.

O foco da Azul, quando o David Neeleman teve a ideia de montar uma companhia aérea aqui no Brasil, sempre foi de trazer conectividade. De não ficar focado ali nos grandes centros, apenas onde tem uma alta densidade, mas conectar o Brasil e os brasileiros. 

A nossa operação tem essa flexibilidade das aeronaves — temos aviões que vão desde um Cessna Grand Caravan, de nove assentos, até um Airbus 350, que faz as viagens internacionais com mais de 300 assentos. No doméstico, temos a flexibilidade de usar um ATR-72, um Airbus ou um Embraer E1 e E2. Isso faz com que a Azul tenha essa flexibilidade de atender mais destinos. Hoje, a Azul atende 170 destinos, sendo que em 2019 eram 116 destinos. 

Ou seja, mesmo durante a pandemia, conseguimos expandir a nossa operação e estamos focando nas regiões onde a Azul é forte. A principal mensagem aqui é:

Não queremos competir com as outras companhias aéreas em que sabemos que elas são fortes e relevantes.

Queremos aumentar a nossa presença nas regiões onde já atuamos e expandir ainda mais a nossa operação. A nossa ideia é continuar crescendo e expandindo no Brasil. 

Por fim, qual foi a estratégia usada pela Azul para conseguir se manter sustentável na pandemia? 

Durante a pandemia, conseguimos voar mais do que as outras companhias aéreas justamente por causa da flexibilidade das nossas aeronaves. Conseguimos ajustar a nossa capacidade e a demanda — passamos momentos da pandemia em que muitas pessoas tinham medo de voar e ficamos alguns meses de fato parados.

Mas, a partir do momento em que a demanda começou a voltar, a Azul era a única companhia aérea que poderia reduzir a quantidade de acentos de uma aeronave para continuar atendendo e sem fazer com que esses voos tivessem prejuízos.

Esse é o grande ponto da nossa companhia: o modelo de negócios é diferenciado.

É um modelo único e muito difícil de outras companhias aplicarem. E por que? Porque elas não trazem essa diversidade de aeronaves. Então esse é um grande diferencial da Azul e eu acho que a indústria mudou muito durante a pandemia em termos de ser mais racional com relação aos destinos atendidos, por exemplo. 

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Janize Colaço

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