Com problemas impostos pela pandemia, a Azul (AZUL4) sangrou no mercado tanto quanto as demais aéreas, com quedas de 35% no acumulado de 2020 e 26% neste ano de 2021 – considerando o acumulado do ano até esta quarta (3). Agora, a companhia pretende crescer com a aguardada compra da Latam.
Em entrevista exclusiva ao Suno Notícias, o CFO (Chief Financial Officer) e co-fundador da Azul, Alex Malfitani, comenta a situação atual da companhia e os seus prognósticos para o futuro.
O balanço do 3T21 será divulgado no dia 11 de novembro, com perspectiva semelhante ao dos anteriores – uma recuperação na demanda e na receita no comparativo anual, mas ainda abaixo do que foi visto em 2019, antes da pandemia.
Além do movimento de aquisição da Latam, a companhia frisou o aspecto positivo da emissão de debêntures feita em novembro de 2020 – deal que levantou capital em meio a uma situação complicada para o setor das aéreas.
No âmbito da oferta pela Latam, a Azul acompanha o calendário que muda frequentemente – dado que a Latam abriu mão de decidir acerca do seu futuro, conforme acordado na recuperação judicial da companhia em solo americano.
Com a decisão ficando na mão dos credores, a Latam tem um imbróglio judicial que foi postergado por diversas vezes – “o que já esperávamos e já contávamos”, segundo o CFO da Azul.
Ainda na quinta-feira (28) a Latam contou com a aprovação do pedido de prorrogação do prazo de exclusividade para a apresentação do seu Plano de Reorganização até 26 de novembro por parte do juiz do Tribunal do Distrito Sul de Nova York.
Em meio ao contexto turbulento, a Azul que levar todos os papéis da empresa. A informação recente foi dada pelo presidente da Azul, John Rodgerson, em entrevista ao Diario Financiero, jornal chileno.
“Nós sabemos exatamente o que vamos oferecer. Compraríamos todo o ativo. Acredito que o grupo tem muito valor e não estamos pensando em cindir ou vender divisões”, afirmou Rodgerson.
Apesar disso, a Latam segue com negativas sucessivas. A Latam informou que “não está à venda” e não quis comentar sobre as intenções da Azul recentemente, e ainda em outubro o Diretor-presidente da Latam no Brasil descartou a possibilidade de venda.
O negócio entre ambas as empresas pode figurar como uma das maiores movimentações do segmento das companhias aéreas. Ainda não se sabe ao certo, contudo, como a estrutura resultante ficaria – podendo ir de uma união de negócios até uma fusão entre ambas.
O diagnóstico foi feito pelo CFO da companhia, e os destaques da entrevista você confere abaixo:
Suno: Nos balanços recentes vocês tiveram uma alta acima de 300% nos indicadores de demanda no último resultado trimestral, refletindo uma retomada em relação ao ano de 2020, que foi pandêmico, porém com quedas de 25% e 35% em relação a 2019. Qual será a estratégia da companhia para contornar isso e desenhar uma retomada mais vigorosa? Há previsão de atenuar essa defasagem no resultado seguinte?
Veja, nós olhamos três segmentos: doméstico, lazer e corporativo. O internacional, enquanto segmento enquadra-se como lazer também. Olhando esse segmentos, o Lazer sempre fica na frente em termos de demanda.
Hoje ele já está acima do que está em 2019, o lazer. Isso são informações da Azul como empresa, pois o setor como um todo está um pouco atrasado – mas na Azul vimos o lazer doméstico acima de 2019 e o corporativo vem se recuperando bem, mas fica mais retraído apesar da abertura dos EUA.
O grande fator que ajuda o corporativo é o quanto das empresas ainda estão trabalhando de casa. Acompanhamos as grandes empresas e vemos toda semana as empresas voltando de maneira parcial e decisões similares. Porém também temos gente 100% em casa. No escritório, a demanda por viagem aumenta também.
Trabalhamos com a premissa de que nunca voltaremos ao 100% do corporativo; a tecnologia está mais disponível e mais viável após a pandemia. Hoje a videoconferência é mais aceita. Somado a isso, ainda há problema de visto e de câmbio com os EUA, o que afeta as demandas.
Nesse aspecto, da retomada do corporativo, havia uma pausa em relação às viagens de negócios por conta da pandemia, o que provocou quedas recentes nas ações da Azul e das aéreas como um todo. O mercado penalizou os papéis do setor, e considerando isso, como você vê esse fator de demanda e o que você acredita que seja possível fazer para contornar o problema?
Os investidores assumem que o corporativo não volta, e na indústria também assumimos que não volta, ao passo que o mercado está sendo ainda mais conservador.
Pensamos que a tecnologia que viabiliza o home office deve viabilizar mais viagens de lazer. O mercado já precificou o impacto negativo, mas não precificou o positivo.
Por exemplo, no feriado do dia 12, os meus filhos tiveram folga a semana toda, nas aulas. Eu tinha uma conferência na quinta, normalmente eu faria uma viagem de negócios. Como os meus filhos tinham a semana de folga, fomos nós quatro para Nova York, com uma viagem corporativa ‘acoplada’.
Sabemos que o câmbio em elevação pode ocasionar mais problemas de demanda ou ordem financeira e contábil para a Azul, tal como para as aéreas, considerando que parte do balanço depende de viagens ao exterior. Como a companhia avalia esse impacto, e como o preço do combustível tem impactado os resultados financeiros da empresa?
O setor como um todo é duplamente exposto ao combustível e ao dólar, considerando que o combustível de aviação é precificado em dólar.
O setor também tem exposição ao câmbio por conta das aeronaves serem financiadas em dólar. Na média, temos uma exposição menor por conta da Embraer [EMBR3], com relação ao financiamento das aeronaves, em parte, feita em Reais. No geral, todo mundo tem uma exposição cambial no setor.
Apesar disso, tem sido ‘essa história’ desde que fundamos a Azul. O câmbio estava em 1,60 quando fundamos a companhia, e se soubéssemos [todos] que o dólar bateria os R$ 5,60, provavelmente a empresa não teria tantos acionistas. Apesar disso, durante essa trajetória de aumento de câmbio tivemos um aumento no valor de mercado.
Ainda no fim de 2020, a Azul fez uma emissão de R$ 1,7 bilhão em debêntures. Como a companhia avalia, após cerca de um ano, essa transação, considerando a dívida de atual na casa de R$ 20,3 bilhões? Há previsão de redução dessa alavancagem no curto prazo?
A emissão, de certa forma, serviu de demonstração por parte da empresa que ela visa buscar recurso no mercado [de capitais].
A emissão foi estratégica, fortificada, foi uma das primeiras conversíveis, local e em reais; ganhou vários prêmios, ganhamos deal do ano. Mas isso porque essa emissão teve um timing.
Na pandemia tínhamos [disponibilidade] para 900 voos ao dia, ante para uma demanda de 60, por conta das restrições – o que ‘sumiu’ com a receita da empresa, e há um custo fixo em cima disso [operação].
Tivemos que ir para todos os nossos parceiros (bancos, parceiros e aeronaves) e depois de muita negociação, conseguimos apoio de quase 80% dos funcionários. Muitos deles tiveram licença não remunerada na pandemia, por conta das restrições da pandemia.
Tivemos um compromisso de que assim que o mercado estivesse aberto à captação, iríamos levantar capital para diminuir o risco
Agora, com a retomada prevista para os próximos meses, o que deve acontecer é uma diminuição da alavancagem, já que a dívida dolarizada oscila com os impactos nominais.
Temos um EBITDA [“lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização] de quase zero nos últimos doze meses. Quando você coloca a dívida com relação a esse número, o indicador que resulta é quase infinito. Mas ele rapidamente vai reduzir para um número mais palatável, e aí a gente, em dois ou três anos, teremos um nível de alavancagem semelhante ao que tínhamos no pré-pandemia.
A dívida não vai abaixar tanto, mas a alavancagem da Azul vai diminuir por conta do aumento da receita e do EBITDA. A dívida diminuir, claro, mas não impacta tanto na ordem de grandeza.
Há algum prognóstico exato para essa redução da alavancagem da companhia?
Deve sair do patamar atual para um dígito alto ou um dígito baixo, em poucos anos.
Sobre a compra da Latam pela Azul, existe um imbróglio grande entre as companhias para que a compra de fato ocorra. Apesar do interesse da Azul, a Latam teve diversas negativas sobre a transação. Como você vê essa postura e qual é a influência disso na negociação?
O time de gestão da Latam é contra fusão ou aquisição, mas o mais importante e que eles não são quem definirão o futuro da empresa; quem define agora são os credores.
Você tem três maneira de materializar esse negócio. O primeiro, em que eu [Azul] coloco os meus voos no sistema da outra empresa [Latam] e vice-versa, gerando uma quantia de demanda adicional.
O segundo nível seria uma joint venture, com um planejamento de malha e precificação de maneira coordenada, com outra geração de valor para as empresas.
Já em uma escala maior, teríamos uma fusão, uma integração completa das duas empresas, que ficariam separadas em caso de uma joint venture.
Sobre o impacto do negócio, sabemos que a geração de valor seria maior. Temos quase uma obrigação fiduciária de perseguir essa oportunidade; temos um plano sem essa fusão, é claro, iremos aumentar a capacidade, mas se pudermos fazer uma fusão geraremos mais valor para os acionistas. Por isso, ainda perseguimos o caso.
Não dá para garantir se isso acontecerá ou não, porque quem define são os credores, mas acreditamos que existem argumentos poderosos para que eles escolham esse caminho [da venda da Latam].
Com esse calendário que muda frequentemente, há alguma previsão por parte da Azul para o fechamento desse negócio? E, no aspecto dos credores, quais são os argumentos ‘poderosos’ para a realização da venda do capital da companhia?
Isso deve demorar alguns meses para ser definido. O grande argumento para os credores é que existe um valor para a Latam e um para Azul, e o valor da colaboração. Em uma eventual fusão, o valor da nova empresa seria a soma das duas mais uma fatia de valor gerado.
Os credores veem uma oportunidade por conta da soma dos valores, que resultaria em uma empresa que valeria mais do que as duas de modo individual.
Os acionistas da Latam terão mais valor nas mãos se escolherem o caminho da fusão. Como os credores são motivados por ganho financeiro, e muito do capital da Latam está na mão de fundos de investimento, que buscam retorno, acreditamos que o argumento de geração de valor terá bastante apelo.
Algum fato dos últimos meses postergou a negociação? Algum impasse ou entrave fora o que foi noticiado impediu a negociação ainda neste ano de 2021?
É difícil de cravar a data, mas acho que é mais provável que aconteça no começo de 2022, na primeira metade do ano. Isso é muito ditado pelo processo de saída e pela postergação do plano e o cronograma acompanha essa postergação, sabíamos disso.
Sabemos que ela não conseguirá propor e aprovar um plano rapidamente. Nada disso, para nós, é surpreendente.
Em um movimento semelhante ao da Embraer, vocês tiveram uma parceria recente com uma startup, a Lilium, da Alemanha. O acordo visa os eVTOLs, que ainda são muito novos para a maioria do mercado e são uma promessa para o futuro. Qual é o plano da empresa com essa parceria, e como e quando vocês preveem um impacto concreto?
Tem uma geração de valor possível que ‘encaixa’ com os eVTOLS; hoje já voamos com grande porte, com 270 e 300 lugares, os médios como o A320, com 174 lugares, e os ATRs tem 70. Mas apesar disso, também temos um mercado de curta distância, em que servem helicópteros.
Temos aeroportos e demandas para essa operação, mas o custo operacional de um helicóptero é muito alto, ao passo que os eVTOLS [que funcionam como um táxi aéreo] oferecem baixo custo e uma operação análoga, com mercados complementares. Esse tipo de operação atende, por exemplo, voos de Campinas para Campos do Jordão.
Além disso, com a parceria com a Lilum nós nos tornamos sócios da startup, recebendo uma porcentagem em troca.
Em termos de data, a tecnologia está sendo desenvolvida e sendo construída. Depois do processo é que ela entra em operação – é algo que deve ocorrer em 2025, ainda é uma perspectiva de longo prazo.
Com relação à demanda, o mesmo assunto do início, sabemos que o quatro trimestre tende a ter uma sazonalidade positiva para o segmento, por conta do fim de ano e viagens em datas comemorativas. A previsão é de um 4T21, por conta da citada demanda de lazer, tão ‘competitivo’ quanto os anos anteriores à pandemia?
Em termos de demanda, sim. A demanda que vemos hoje é mais forte do que o terceiro trimestre, que por sua vez é mais forte do que o anterior. Temos recuperação gradual, o desafio é que provavelmente teremos custo de combustível e um dólar mais alto neste quarto trimestre deste ano em relação ao terceiro
Ou seja, teremos um impacto de curto prazo. Em alguns meses conseguimos repassar o aumento de custos para a tarifa, mas no curto prazo temos impacto. O quarto trimestre será muito bom em termos de demanda, mas não acredito que ele tenha rentabilidade tão alta, temos sazonalidade forte, mas dólar a petróleo afetarão o resultado da Azul.