Os dirigentes do Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc, na sigla em inglês), do Federal Reserve (Fed), veem um aumento entre 0,5 ponto percentual a 0,75 ponto percentual na próxima reunião do colegiado do banco central americano, informa a ata da última reunião, divulgada nesta quarta (6).
O texto da ata do Fomc argumenta que a inflação continua elevada e reflete desequilíbrios entre oferta e demanda e energia. Diz ainda que as perspectivas de altas de preços pioraram desde a última reunião: “Houve oscilações significativas nos preços dos ativos e as condições financeiras ficaram mais apertadas, em rede, à medida que os participantes do mercado avaliavam as informações recebidas sobre a economia. Nos Estados Unidos, as expectativas da taxa de juros de curto prazo mudaram acentuadamente no final do período, principalmente após a divulgação do relatório de maio do índice de preços ao consumidor (IPC).”
“Após a divulgação dos dados de inflação acima do esperado, as taxas sensíveis à política apontaram para uma probabilidade considerável de movimentos de 75 pontos base nas reuniões de junho e julho”, afirma a ata do Fed.
Em junho, o comitê do Fed decidiu elevar a taxa básica de juros em 0,75 ponto percentual, para o intervalo entre 1,50% e 1,75% ao ano. Foi a terceira alta das taxas do país desde 2018 e o maior aumento desde 1994. O colegiado já havia acenado com novos aumentos nos próximos encontros.
Os dirigentes admitem que o aperto monetário pode reduzir o ritmo do crescimento da atividade “por um tempo”, mas consideram “crucial” que a inflação retorne à meta, a fim de que se possa conseguir máximo emprego “em uma base sustentada”.
Ao avaliar o quadro recente nos mercados, o Fed aponta que a trajetória implícita para os juros nos EUA avançou também nos horizontes mais longos. “Os participantes do mercado notaram incerteza elevada sobre a perspectiva econômica e da política monetária”, afirma ainda a ata.
Os dirigentes ponderam que atividade econômica parece ter ganhado impulso, depois de um primeiro trimestre sem força. Mas reforça que a guerra na Ucrânia e e os lockdowns na China, com as medidas de restrição contra a Covid-19, aumentam as lacunas nas cadeias de produção e pressionam inflação no país, travando a atividade global.
Na avaliação dos dirigentes, a invasão da Rússia ao território ucraniano e “eventos relacionados”, como as sanções impostas contra Moscou, “criam pressão adicional de alta sobre a inflação e estão pesando na atividade econômica global”.
Além disso, os dirigentes acreditam que os lockdowns na China “devem exacerbar problemas nas cadeias de produção”. Nesse contexto, os dirigentes ressaltaram estar “bastante atentos” aos riscos de mais inflação.
Para o staff do Fed, indicadores de atividade da China apontavam para uma restrição “considerável” da atividade econômica por causa dos lockdowns. Além disso, a invasão russa à Ucrânia continuava a pesar na atividade no exterior, “com estresses persistentes nos mercados globais de commodities e queda na confiança do consumidor e das empresas, especialmente na Europa”.
Nesse quadro, a inflação no exterior subiu, puxada por energia e alimentos, bem como pelo avanço adicional de pressões sobre outros preços. Diante disso, bancos centrais pelo mundo apertavam a política monetária para conter a inflação elevada, destacou o staff do BC americano, segundo a ata.
E o risco de recessão?
A ata, no entanto, se refere à reunião em 15 de junho. Daquela data até hoje dirigentes do Fed, analistas de mercado e economistas vêm falando no tema recessão com mais frequência. O documento não fala em recessão.
Marcelo Oliveira, CFA e fundador da Quantzed, empresa de tecnologia e educação financeira para investidores, comenta: “A ata do Fed sai com olhar retrovisor, já que o cenário mudou com o recuo das commodities, tanto de energia, metais e, principalmente, agrícolas. Esse recuo, influenciado pelo medo da recessão, deve tirar a pressão da inflação alta. Por isso, estamos vendo o dólar se fortalecer e as commodities perdendo valor, além da taxa de 10 anos americana ficando mais baixa. A ata não cita nem reflete essa virada da recessão, já que a reunião do Fed foi há 3 semanas e antes do cenário se modificar. Como a ata reflete o passado, não houve impacto nas bolsas.”
Oliveira acrescenta: “Na ata, os dirigentes se mostram muito preocupados com os riscos de alta da inflação. Tanto que estão considerando elevar os juros, se necessário, para uma direção mais restritiva. Porém, deixaram aberto que devem elevar os juros em 50 ou 75 pontos. Abordaram a preocupação com a guerra na Ucrânia, lockdowns na China que podem intensificar problemas na cadeia de produção e reforçam que continuam monitorando inflação à risca. E deixam claro que, devido às perspectivas de inflação terem se deteriorado, agiram de forma mais firme elevando os juros na última reunião em 75 pontos.”
E conclui: “O problema todo é que é uma ata que reflete o passado. O cenário mudou. O mercado precifica uma recessão agora. O que vemos é que o Fed já tem espaço para ser mais frouxo no aperto monetário. A curva já não mostra uma alta de 75 pontos, mas sim de 50 pontos. O problema agora são os dados pela frente que vão fazer preço. Agora, a preocupação do mercado é o que o FED irá fazer para evitar esse cenário de recessão nos EUA nos próximos meses.”
‘Risco significativo’ de inflação arraigada
Dirigentes do Federal Reserve ressaltaram que permanecem altamente atentos aos riscos ascendentes para a inflação e que seriam ágeis na resposta aos dados, segundo a ata da última reunião de política monetária do Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc).
“Muitos dirigentes julgaram que um risco significativo era que a inflação elevada poderia se arraigar se o público começasse a questionar a determinação do Comitê de ajustar a postura da política”, diz o texto.
Ao considerar a postura apropriada da política monetária, os dirigentes concordaram que as perspectivas de inflação de curto prazo haviam se deteriorado desde a reunião de maio, o que levou a quase todos avaliar que seria apropriado aumentar a taxa dos Fed Funds em 75 pontos-base na última reunião, realizada em 14 e 15 de maio.
Ainda segundo o documento, os dirigentes concordaram que a inflação permaneceu elevada, refletindo desequilíbrios de oferta e demanda relacionados à pandemia e preços mais altos de energia. “Membros concordaram que a invasão da Ucrânia e os eventos relacionados estavam criando uma pressão ascendente adicional sobre a inflação e estavam pesando sobre a atividade econômica global”.
Projeções de crescimento para 2º semestre e 2023 são cortadas
O staff do Fed cortou projeções de crescimento para o segundo semestre de 2022 e 2023, já que a política monetária foi considerada menos acomodatícia do que na projeção anterior, e devido ao recente aperto das condições financeiras.
“O corpo técnico continuou a julgar que os riscos para a projeção de base para a atividade real estavam distorcidos no sentido descendente e que os riscos para a projeção de inflação estavam distorcidos no sentido ascendente”, diz o texto. “A equipe julgou que a guerra em curso na Ucrânia continua sendo uma possível fonte de pressão ainda maior sobre os preços de energia e commodities, enquanto os desenvolvimentos adversos associados à política de zero covid da China foram percebidos como aumentando o risco de interrupções na cadeia de suprimentos e produção”, completa.
Com relação ao índice de preços de gastos com consumo (PCE), o staff espera que caia para 2,4% em 2023 e volte à meta de 2,0% em 2024, uma vez que os preços de energia devem cair e os desequilíbrios entre oferta e demanda devem diminuir devido à desaceleração da demanda agregada e à redução das restrições de oferta.
Consumo segue robusto, como reflexo do mercado de trabalho apertado, diz ata
Os dirigentes do Fed avaliam que, segundo indicadores recentes, o Produto Interno Bruto (PIB) estava crescendo nos Estados Unidos no segundo trimestre, com o consumo “seguindo forte”.
Os dirigentes em geral veem ainda uma desaceleração aparente nos investimentos em ativos fixos da empresa, bem como uma perda de fôlego no setor imobiliário. Esta última reflete uma “forte alta” nos juros para hipotecas no país, aponta a ata.
A atividade “parece ter ganhado fôlego”, acreditam os dirigentes, após a perda de fôlego vista no primeiro trimestre. Os ganhos de empregos, por sua vez, têm sido “robustos” nos últimos meses, com a taxa de desemprego mantendo-se “baixa”.
A ata lembra que, a partir de suas avaliações, os dirigentes revisaram em baixa suas projeções para o crescimento do PIB dos EUA neste ano, como já publicado anteriormente nas projeções atualizadas do Fed. Para os dirigentes, problemas atuais nas cadeias de produção e condições financeiras “mais restritas” afetam o quadro. Os dirigentes veem ainda “desequilíbrio entre oferta e demanda em uma série de mercados”, o que contribui para a pressão de alta sobre a inflação.
Fed: deterioração das perspectivas de inflação
O time Macro & Estratégia BTG Pactual observa: “A minuta da reunião de 15/junho reafirmou o tom hawk do comunicado/coletiva, bem como das falas dos membros das últimas semanas. Ainda assim, sem grandes novidades. Sobre alta de juros, os participantes reforçaram as surpresas com inflação (CPI e dados de expectativa de Michigan) como driver para a reação mais intensa (+75 bps), mas também já optaram por sinalizar mais uma elevação de 50-75 bps para julho. Ainda assim, a ata dá mais peso para a probabilidade de 75 bps nas duas reuniões (junho, que já ocorreu, e julho). Mais do que isso, ressaltaram que a política monetária vai caminhar para um patamar restritivo e, a depender da economia, poderia ir para um patamar ainda mais restritivo (atualmente consideram fed funds rate de 3,4% para final do ano). Hawkish, mas em linha.”
A equipe do BTG complementa: “Sobre atividade, os participantes reforçaram que o primeiro semestre foi forte em termos de consumo, mas que já há sinais de desaceleração. Vale notar que, até a reunião, os participantes não tinham as revisões baixista de consumo do 1T22 e do 2T22, o que tem motivado a nossa revisão de crescimento e de boa parcela do mercado. Por sua vez, já há uma percepção de migração de consumo de bens para serviços e, sobretudo, para bens de menor custo (efeito importante entre cíclicos vs defensivos). Por outro lado, o comitê entende que o mercado de trabalho continuará apertado e que deve suportar o planejamento de aperto monetário do Fed. Em termos de balanço de risco, a avaliação continua sendo baixista, o que não tem sido suficiente para mudar o posicionamento do Fed. Hawkish, em linha.”
Após a divulgação da ata do Fed, as Bolsas em Wall Street fecharam em alta: Dow Jones subiu 0,22%; S&P 500 ganhou 0,36% (3.845,15) e Nasdaq avançou 0,35%. Já o Ibovespa, que estava em queda, fechou no positivo: 0,43%, aos 98.718,98 pontos. O dólar no mercado doméstico acabou fechando com valorização de 0,60%, a R$ 5,4219.
Com informações do Estadão Conteúdo