Dos quase dois milhões e meio de pessoas que primeiro colocaram o pé na Bolsa de Valores de São Paulo (B3) no último ano, muitas foram atraídas pela promessa de rendimentos mais expressivos diante de uma taxa básica de juros (Selic) na mínima histórica, de 2,00% ao ano, que hoje lhe garante um retorno negativo. Mas o mercado financeiro não é dos mais hospitaleiros e torna-se comum incorrer em erros. Entre eles, especialistas apontam para o perigo de ser levado pela ansiedade nos investimentos.
Na hora de lidar com o dinheiro, o comportamento é um fator determinante. A teoria do Homo economicus, definida pelas pesquisadoras Emily Pronin e Kathleen Schmidt como aquele que age para maximizar resultados, sabe o que quer e tem todas as informações, caiu por terra há muito.
Como explicar, por exemplo, a formação de bolhas econômicas, cair em pirâmides financeiras, ou mesmo o “caso GameStop”?
Aquiles Mosca, responsável por comercial, marketing & digital no BNP Paribas Asset Management e especialista em finanças comportamentais, ressaltou a diferença abissal entre “explicar as decisões efetivamente tomadas e aquelas que seriam tomadas idealmente”.
“O que se vê não é essa racionalidade”, disse o executivo, mas antes uma “racionalidade limitada”.
São elementos, explicou Aquiles Mosca, que vem do nosso próprio comportamento. “Eles vêm do próprio processo de evolução da raça humana.”
Anseio por mais
Não é à toa, portanto, que temos dificuldade em lidar com dilemas pura e unicamente de forma objetiva. Afinal, antes de tudo somos seres humanos, dirigidos por desejos.
“Nós estamos sempre ansiando por alguma coisa. Todos temos uma sensação de falta, que vai se manifestar de diferentes maneiras”, observou Vera Rita Ferreira, professora e consultora na Vértice Psi – Instituto de Psicologia Econômica e Ciências.
“É dessa forma que o ser humano foi desenhado para ficar vivo. Enquanto estamos buscando alguma coisa, vamos estendendo o período de nossa vida”, completou a psicóloga.
Esse anseio, “constituinte da alma humana”, é onde tem origem nossa ansiedade.
Ser e estar ansioso
Desde 2017, o Brasil segura persistentemente o posto de país mais ansioso do mundo, segundo estudo da Organização Mundial da Saúde (OMS) publicado em 2019.
Há, no entanto, uma diferença teórica entre estar ansioso, expressão usada no senso comum, e ser uma pessoa ansiosa, com sintomas de síndrome de ansiedade.
“Ficar ansioso, estar ansioso, é uma coisa que todo mundo vai experimentar em algum momento, e até com alguma frequência”, esclareceu Vera Rita Ferreira. Passado o evento, “baixa-se o nível de ansiedade”.
“Ser ansioso já é uma coisa permanente. Faz parte da pessoa. Ela sempre vai querer se precipitar, atravessar, reagir muito mais aos próprios impulsos, porque ela se sente pressionada pela ansiedade.”
Ponto-cego
A ansiedade, seja ela perene ou intermitente, pode ter consequência cara, incluindo perigo financeiro, mostrou a pesquisa de Emily Pronin e Kathleen Schmidt.
Na visão de Cissa Grilli, coach de investidores da CM Capital, o problema reside especialmente no impulso. “As pessoas param de racionar”. “Não analisam todos os fatos”.
Segundo a especialista, o “achismo” e o “senso de urgência” também estão entre os principais fatores que atrapalham na hora dos investimentos. “Querem fazer muito dinheiro e muito rápido”.
Aquiles Mosca, por sua vez, trouxe para o primeiro plano o aparecimento de vieses comportamentais, como o de “manada”, que explica a formação de bolhas econômicas no mercado, e até mesmo momentos de bear market.
Entre os principais vieses, o executivo também destacou o de “representatividade”, através do qual uma pessoa toma suas decisões com base no desempenho passado. “O investidor que se deixa levar por esse viés troca pé”, na hora da alta, ele compra; na hora da baixa, ele vende.
“As pessoas geralmente têm um ‘ponto cego’ para seus próprios preconceitos; isto é, eles mostram uma tendência ampla e difundida de imputar preconceitos a outros, enquanto o negam em si mesmos”, concluem Emily Pronin e Kathleen Schmidt.
Driblando a ansiedade nos investimentos
Para conseguir se livrar de, ou menos atenuar, a ansiedade no momento de abrir o home broker, Cissa Grilli recomenda o estudo, aprender educação financeira para lidar melhor com os investimentos.
A coach ainda segure a “capacitação técnica”, como meio de conseguir as informações e a expertise necessárias para a Bolsa.
Segundo Aquiles Mosca, para contornar a ansiedade nos investimentos, “temos de reconhecer que temos esses vieses. Ter consciência, humildade intelectual. Assumir que temos essa fragilidade”. “Podemos ser precavidos, ter um pé atrás”, salientou o especialista. “Não tomar aquela decisão por impulso”.
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