Em meio à crise da Americanas (AMER3), existe a possibilidade de que os acionistas de referência Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira sejam responsabilizados pelo rombo contábil da varejista? Devido às brechas na legislação brasileira, uma hipotética responsabilização dos empresários pode ocorrer na Justiça norte-americana.
Desde 2021, os bilionários não são mais os controladores da Americanas. Caso eles ainda estivessem nessa posição, teriam deveres fiduciários com o negócio, segundo explica o advogado Carlos Portugal Gouvêa, sócio-fundador da PGLaw, escritório com foco em Governança Corporativa.
“Só que, em tese, as falhas contábeis são anteriores, ainda do período em que eles eram controladores. Em algumas situações, infelizmente bastante limitadas no direito brasileiro, você poderia também responsabilizar os controladores”, pondera Gouvêa em entrevista ao Suno Notícias.
De acordo com o professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), o caminho para que o trio seja responsabilizado poderia partir de uma ação civil pública movida pelo Ministério Público ou pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
“Mas, desde quando a CVM tomou esse poder, nunca tomou essa iniciativa e não se identifica nas suas manifestações que ela tenha esse interesse de buscar, eventualmente, uma responsabilização para proteger os minoritários e, eventualmente, culpar os credores”, aponta.
Americanas: Processo nos Estados Unidos?
Contudo, esse cenário é diferente no sistema jurídico norte-americano, onde foi aceito uma extensão da recuperação judicial da Americanas. Assim, o caso também será analisado por magistrados dos Estados Unidos.
“No direito americano, existe um artigo específico dizendo que os controladores têm responsabilidade. E lá a definição de controlador não está prevista na lei, é vista caso a caso”, explica o docente.
Até nos estudos acadêmicos, o critério é justamente ter mais de 20% das ações com direito a voto. Porém, em algumas companhias, mesmo acionistas com menos de 20%, mas que indiquem um número substancial de membros do Conselho de Administração, podem também ser responsabilizados.
Dessa forma, o ambiente torna-se mais favorável para que o processo norte-americano chegue no trio Lemann, Telles e Sicupira, responsável por 30,12% das ações ordinárias da empresa.
“No sistema jurídico americano, em todos os processos judiciais existe uma fase preliminar chamada de discovery, que é a apresentação das provas. Lá, existe esse dispositivo de busca da verdade absoluta. Então, você tem que deixar a outra parte acessar todos os seus documentos, e-mails”, detalha.
Na semana passada, uma decisão da Justiça de São Paulo autorizou a busca e apreensão de e-mails dos executivos da varejista nos últimos dez anos. Essa decisão foi uma resposta a um pedido feito pelo Bradesco (BBDC4), um dos maiores credores da Americanas.
“Essa busca antecipada do Bradesco é excepcional aqui, mas essa é a regra nos Estados Unidos”, avalia.
“Existem punições muito graves para quem forja ou deixa de apresentar os documentos corretos nos processos judiciais nos Estados Unidos. Por isso, muitos dos processos lá acabam em acordo ainda nessa fase, porque ela é muito cara e, às vezes, você prefere fazer um acordo antes que a pessoa fique revirando todos os documentos”, diz o especialista.
Lemann diz que não sabia do rombo contábil da Americanas
Em nota pública divulgada em 22 de janeiro, os acionistas de referência da Americanas disseram que nunca tiveram conhecimento das manobras contábeis da empresa nem admitiriam tais ações.
“Nossa atuação sempre foi pautada, ao longo de décadas, por rigor ético e legal. Isso foi determinante para a posição que alcançamos em toda uma vida dedicada ao empreendedorismo, gerando empregos, construindo negócios e contribuindo para o desenvolvimento do país”, disse Lemann, Telles e Sicupira na ocasião.
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