A 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo deu uma vitória ao Bradesco (BBDC4) em processo que tenta dificultar uma eventual venda do patrimônio dos acionistas de referência – Jorge Paulo Lemann, Beto Sicupira e Marcel Telles – da Americanas (AMER3). A varejista tem uma dívida de R$ 4,7 bilhões com o banco.
O Bradesco havia solicitado o protesto contra a alienação de bens dos acionistas, mas a Justiça solicitou que o banco emendasse a petição inicial, alegando que era preciso quantificar de forma justificada o crédito. Vale lembrar que o protesto contra a alienação de bens é um mecanismo jurídico preventivo que não implica em bloqueio de bens.
A Câmara aceitou o agravo de instrumento do Bradesco contra a pedido de emenda da solicitação inicial, mas não houve ainda um julgamento do mérito do processo em si. Para o banco, a demanda não tem o objetivo de constringir o patrimônio dos controladores, nem discutir sua responsabilidade por cada um dos atos que compõem a fraude praticada.
“A medida visa resguardar as pretensões do banco, até porque, o patrimônio dos acionistas responderá subsidiariamente em eventual insuficiência patrimonial de titularidade da empresa, inclusive, após eventual decisão que reconheça a prática de atos fraudulentos perpetrados pelos controladores das Americanas S/A em desconsideração de personalidade jurídica”, disse o desembargador Natan Zelinschi de Arruda sobre o pedido realizado pelo Bradesco.
O que diz a defesa do trio de acionistas
A defesa de Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira esclareceu que a decisão, ainda sujeita a recurso, apenas deferiu o processamento de Protesto Judicial ajuizado pelo Bradesco, como parte da estratégia midiática do banco contra os acionistas de referência da Americanas.
“Com isso, o pedido do Bradesco deverá ser agora julgado pelo juiz da causa, que havia determinado a emenda à inicial, por não entender presentes os requisitos do Protesto. O Protesto Judicial é medida que visa tão somente resguardar supostos direitos do protestante, sem qualquer bloqueio de bens”, afirmou.
“Ademais, os acionistas de referência reiteram que estão totalmente engajados, em conjunto com todos os outros bancos credores da Americanas, na construção de uma solução para pôr um fim à recuperação judicial da Companhia, reservando-se o direito de buscar as devidas compensações no futuro pelos danos causados por essa série de acusações sem prova formuladas pelo Bradesco”, acrescentou.
Americanas (AMER3): ex-CEO acusa acionistas de referência de participarem de gestão, diz jornal
O ex-diretor-presidente da Americanas, Miguel Gutierrez, enviou à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara que investiga a fraude contábil na varejista uma carta em que acusa os acionistas de referência, o trio Jorge Paulo Lemann, Alberto Sicupira e Marcel Telles, de participarem ativamente da gestão financeira da empresa, segundo informações do jornal Valor Econômico.
“Me tornei conveniente ‘bode expiatório’ para ser sacrificado em nome da proteção de figuras notórias e poderosas do capitalismo brasileiro”, diz Gutierrez em uma carta enviada por seus advogados à CPI na última sexta-feira (31) e obtida pelo Valor.
O ex-executivo também acusa seu sucessor, Sérgio Rial, de mentir à CPI quando disse que o trio de acionistas da Americanas não tinha conhecimento do que acontecia na contabilidade da empresa.
Em junho, Leonardo Coelho Pereira, atual diretor-presidente da Americanas, acusou a antiga diretoria, liderada por Gutierrez, de fraude na contabilidade, afirmou o Valor. Na época, Pereira apresentou ao colegiado cópias de documentos internos e e-mails que, segundo ele, corroboram as irregularidades, incluindo a falsificação de números para gerar suposto lucro.
De acordo com o jornal, Gutierrez está na Espanha em um tratamento médico. O executivo pediu para ser ouvido por videoconferência, mas teve a solicitação negada pela cúpula da comissão.
Outros detalhes da carta
Em um outro trecho da carta, Gutierrez pontuou que após a fusão da Americanas com a B2W, controladora do Submarino, teve papel “mais estratégico” e não atuava em todas as áreas, que tinham departamentos autônomos. “Como é notório, e como consta inclusive do famoso livro que conta a sua trajetória empresarial, o 3G [acionistas de referência] participa ativamente da gestão das empresas de seu portfólio e controla rigorosamente suas finanças”.
Para Gutierrez, os controladores estavam no conselho de administração e no comitê financeiro, pessoalmente ou por meio de pessoas diretamente ligadas a eles, inclusive parentes, diz a carta. Além disso, também participavam das reuniões por meio da sua holding LTS, “cujos funcionários, ainda que não tivessem cargos oficiais na companhia, participavam de sua gestão e de seus acompanhamentos”.
Ainda na carta, Gutierrez acusa Rial de mentir que só teve conhecimento de problemas na varejista às vésperas de assumir o cargo – ele ficou apenas nove dias na empresa, em janeiro de 2023, e pediu demissão após afirmar ter encontrado uma grave inconsistência contábil, sustentando que os acionistas de referência não tinham conhecimento.
“Com os demais diretores, o sr. Rial também realizou uma série de reuniões, das quais eu, de saída da companhia, sequer era convidado e das quais às vezes nem tomava conhecimento. Naquele período, ele tinha carta branca e se comunicava diretamente com executivos e funcionários”, afirmou.
Entre outros pontos da carta divulgada pelo Valor, o ex-executivo acusou ainda o comitê independente de auditoria contratado pela empresa de estar a serviço dos acionistas de referência e que o problema financeiro “era plenamente conhecido” pelo conselho de administração, pelo comitê financeiro e pelos acionistas controladores.
Em resposta às afirmações, a companhia e os acionistas negaram as afirmações e acusam Gutierrez de fraude. Já Rial afirmou que não comentará a carta do ex-executivo e que aguardará o desfecho final das apurações.
“A Americanas refuta veementemente as argumentações apresentadas pelo senhor Miguel Gutierrez à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na véspera da apresentação do relatório final. A companhia reitera que o ex-dirigente da Americanas não contestou em nenhum momento os documentos e fatos apresentados à Comissão no dia 13 de junho, que demonstram a sua participação na fraude”, disse a varejista em nota.
Ainda segundo a nota, “a Americanas reitera que o relatório apresentado na CPI no dia 13 de junho Comissão Parlamentar de Inquérito em 13/06, baseado em documentos levantados pelo Comitê de Investigação Independente, além de documentos complementares identificados pela administração e seus assessores jurídicos, indica que as demonstrações financeiras da companhia vinham sendo fraudadas pela diretoria anterior da Americanas, capitaneada pelo senhor Miguel Gutierrez”.
“A Americanas confia na competência de todas as autoridades envolvidas nas apurações e investigações, reforça que é a maior interessada no esclarecimento dos fatos e irá responsabilizar judicialmente todos os envolvidos”, finaliza.