As inconsistências contábeis de R$ 20 bilhões implodiram a Americanas (AMER3) na Bolsa. Nesta quinta (12), as ações da companhia fecharam em queda de 77,33%, cotadas a R$ 2,72. Na quarta, antes da divulgação do escândalo sobre o rombo bilionário, estavam cotadas a R$ 12. A baixa da ação num só dia é a maior do Ibovespa em quase 30 anos.
Os papéis da varejista entraram em leilão no Ibovespa depois de uma queda de 90% nesta quinta, um dia após a divulgação do rombo de R$ 20 bi da Americanas. As negociações foram suspensas.
As ações da Americanas voltaram a ser negociadas às 14h39, cotadas a R$ 2,44 (tombo de 79,67%), mas, em seguida, entraram em leilão novamente. Às 14h50, tiveram as negociações reabertas – para, mais uma vez, seguir para leilão. De volta às 15h05 – a R$ 2,63, de 78% -, os papéis retornaram a leilão.
O preço dos ativos variou entre R$ 2,40 a R$ 2,95 no dia. As ações da Americanas acabaram encerrando o pregão com uma baixa histórica de 77,33%, a maior queda de uma ação do Ibovespa desde 1994, de acordo com o Valor Data, do jornal Valor Econômico. A varejista perdeu R$ 8,4 bi em valor de marcado nesta quinta.
Na quarta (11), as ações da Americanas fecharam o dia em alta de 0,76%, negociadas a R$ 12. Segundo o Status Invest, neste mês, antes da queda desta quinta, os papéis acumulavam alta de 32,89%. Nos últimos doze meses, as ações da varejista derretiam 58,55%.
A empresa divulgou outro comunicado nesta quinta (12), às 14h30, reiterando que, “neste momento, não é possível determinar todos os impactos” do rombo no balanço da Americanas.
As ações da Americanas levaram outros papéis ao tombo. São ativos de empresas que têm os mesmos controladores da varejista, sócios da 3G Capital. A Ambev (ABEV3) cedeu 1,33% e a Zamp (ZAMP3), dona do Burger King, caiu mais: 4,91%, a R$ 5,23.
O Ibovespa acabou perdendo 0,59%, aos 11.850 pontos, em dia conturbado desde o início do pregão.
As varejistas fecharam sem direção:
- Magazine Luiza (MGLU3): alta de 5,28%, a R$ 3,19
- Via (VIIA3): queda de 5,38%, a R$ 2,46%
- Soma (SOMA3): baixa de 2,25%, a R$ 9,97
Caos contábil e saída do CEO
“Somente com a conclusão de trabalhos de apuração e dos trabalhos a serem realizados pelos auditores independentes, será possível determinar adequadamente todos os impactos que tais inconsistências terão nas demonstrações financeiras da companhia”, acrescenta o documento.
O caos contábil levou Sergio Rial a deixar o comando da empresa menos de dez dias após ter assumido o cargo. O CFO André Covre também saiu da Americanas. João Guerra, diretor de Recursos Humanos da companhia, assumiu interinamente os dois cargos.
Americanas será investigada pela CVM
A CVM (Comissão de Valores Mobiliários) anunciou que irá investigar o rombo da Americanas. A autarquia tem dois processos administrativos abertos para apurar as “inconsistências contábeis” de R$ 20 bilhões.
O site da CVM diz que um dos processos vai investigar a própria contabilidade da Americanas. O segundo vai apurar o comunicado enviado à CVM falando sobre as insistência contábeis.
O agora ex-CEO da Americanas, Sergio Rial, disse nesta quinta-feira, 12, que o problema que resultou em R$ 20 bilhões em inconsistências no balanço da empresa se arrasta por cerca de 7 a 9 anos.
Rial afirmou que a inconsistência no balanço se relaciona a “risco sacado que não era lançado como dívida”.
“Os R$ 20 bilhões são a melhor estimativa do que vimos em 9 dias, não chancelados por auditoria”, acrescentou o executivo.
Segundo ele, essas incongruências na maneira de reportar a “conta fornecedores” não são um problema apenas da Americanas, mas se arrastam desde os anos 90 no setor, em função de diferentes formas de reportar essa rubrica.
Um comitê independente será instalado para apurar o caso, e Rial atuará como assessor na condução desses trabalhos. Em uma carta enviada aos colaboradores, Rial reforçou que apoiará a reestruturação da situação patrimonial da empresa.
“Não faltarão aqueles que queiram maldizer, gerando dúvidas sobre o nosso futuro. É verdade que o impacto possa ser importante, mas acreditamos que untos, trabalhando no resultado do dia a dia, focando na construção de um grande trimestre em 2023, garantiremos os próximos trimestres”, destacou o agora ex-CEO da Americanas.
Rial: companhia precisará ser capitalizada
Nesta quinta (12), o executivo destacou ainda que não há dúvida de que a companhia precisará ser capitalizada, apontou uma falta de transparência nos dados e revelou o motivo da sua demissão.
“Os R$ 20 bilhões são a nossa melhor estimativa dentro do que tivemos de informação nesses nove dias”, comentou Rial durante uma conferência com os acionistas da companhia.
O executivo avisou que será necessário uma capitalização da Americanas, mas que ainda não é possível estimar o tamanho do aporte financeiro necessário para solucionar esse problema contábil. “Ninguém definiu o valor, até porque o número não foi auditado. Mas sabemos que não será uma capitalização de [apenas] milhões”, relatou.
Rial reforçou que o 3G Capital, acionistas de referência da Americanas, estão comprometidos com o negócio. “Mas eles não podem ser a solução por si só. ‘Me dá um cheque e tá resolvido’, não é assim”.
Hoje, o agora ex-CEO Rial afirmou esperar conseguir um acordo de ‘standstill’ com os bancos credores da varejista, mecanismo que permite a suspensão das cobranças das dívidas. Enquanto ganha tempo para pagá-las, o executivo afirmou que a empresa pode discutir um plano para se recapitalizar, e o grupo certamente não vai precisar de milhões de reais, mas sim de bilhões.
A Americanas vai conseguir uma extensão de prazo junto aos bancos para rolar dívidas, mas não sairá ilesa do processo.
Pelo porte de seus negócios e das linhas de crédito que possui, a varejista deve conseguir suspender prazos, mas as instituições podem endurecer as condições. Reuniões já aconteceram entre a administração e os principais credores e a sinalização dos bancos foi positiva, reportam Matheus Piovesana e Altamiro Silva Junior, do Broadcast, indicação que contribuiu para a descompressão dos ativos do setor ao longo desta tarde.
“Por regulamento, os grandes fundos acabam saindo logo do papel, vendendo o que tem a qualquer preço. Mas quem pode segurar espera um momento melhor para decidir o que fazer. Não se sabe ainda ao certo o que aconteceu. Então, num primeiro momento, se procura olhar para as empresas do setor e as expostas à situação, buscando diferenciá-las – entender, por exemplo, quem faz a auditoria delas, ver se nomes de empresas se repetem ou não”, diz Lucas Mastromonico, operador de renda variável da B.Side Investimentos, observando também que, como as ações permaneceram em leilão ao longo de boa parte da sessão, a liquidez do papel foi reduzida.
A empresa responsável pela auditoria independente da Americanas foi a PwC que, procurada pelo Broadcast, não quis se manifestar, reporta Juliana Garçon, da sucursal da Agência Estado no Rio.
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Recuperação judicial no radar?
“É bastante possível que a companhia peça recuperação judicial se este cenário se concretizar, o que não seria uma novidade para empresas de varejo. Esta inconsistência de R$ 20 bilhões significa o dobro de valor de mercado da empresa, o que demonstra a gravidade da situação”, detalhou Elcio Cardozo, sócio da Matriz Capital e advogado especializado em compliance e governança corporativa.
O especialista reforçou que existe a possibilidade de que a 3G Capital faça aportes para evitar a recuperação judicial, porém, “ainda não há nada concretizado”.
Georgia Jorge, analista do BB-BI, disse em relatório que não é possível mensurar a dimensão do impacto dessas revelações antes dos trabalhos de auditoria e do comitê independente, com a reapresentação dos últimos balanços da Americanas.
“Contudo, nossa visão é negativa, diante do potencial de alteração no equilíbrio das contas de capital de giro, elevação do nível de endividamento da companhia, alteração dos resultados apresentados pela companhia nos demonstrativos contábeis anteriores e necessidade de capitalização por parte dos acionistas para readequar sua estrutura de capital“, destacou.
A casa já trabalhava com a recomendação de venda para os papéis da Americanas antes do escândalo, e a analista ressaltou que as últimas notícias reforçam a percepção negativa sobre as ações da Americanas, além de evidenciar a falta de transparência que traz impactos adicionais aos acionistas minoritários.
Os analistas da XP Investimentos comentaram que o cenário segue incerto e, por isso, mantem a recomendação da Americanas em “sob revisão”.
“Mesmo depois da reunião com a companhia e os esclarecimentos dados para os pontos trazidos no fato relevante, ainda não temos visibilidade suficiente para detalhar o impacto financeiro que as revisões devem ter nos números da empresa, que só devem ser publicados depois do processo de auditoria, além de enxergamos que o acontecimento adiciona riscos e incertezas à tese de investimentos em AMER3“, disse o time da XP.
Para José Daronco, analista CNPI da Suno Research, a Americanas dificilmente chegará ao ponto de quebrar. Com um caixa robusto, que a companhia já tem hoje, deve focar no aumento de capital e diluição de acionistas.
XP: alavancagem da Americanas deve subir
A XP observou que a teleconferência da Americanas para esclarecer a inconsistência contábil da companhia não vai diminuir as incertezas e a falta de clareza sobre o que está ocorrendo com a varejista.
O time de analistas da XP disse que a alavancagem da Americanas deve subir, com os R$ 20 bilhões sendo um valor que deveria ser reconhecido como dívida bancária no balanço. Segundo os estrategistas, com um cenário em que a dívida líquida seria de R$ 25,2 bilhões, a alavancagem da Americanas subiria de 1,7 vez a dívida líquida sobre o Ebitda para 8 vezes.
De acordo com Rial, uma estrutura comum de antecipação de pagamento a fornecedores (operação de risco sacado) estava sendo registrada na conta de fornecedores e não como dívida bancária do balanço patrimonial da empresa. “Além disso, a despesa com juros pagos aos bancos referente a essa operação tem sido contabilizada no balanço como um redutor da conta de fornecedores a pagar, ao invés de ser reconhecida como despesa financeira na demonstração de resultados”, diz a XP.
A gestora listou possíveis impactos do rombo bilionário nas contas da Americanas:
- Alavancagem deve subir: os R$ 20 bilhões como potencial impacto de reclassificações são uma estimativa preliminar da companhia sobre o valor que deveria ser reconhecido como dívida bancária no balanço. A companhia tinha R$ 20,8 bi em dívida bruta no 3T22.
- Impacto no caixa é imaterial no curto prazo: Rial destacou que não deve haver impacto relevante na posição de caixa da companhia como resultado dos ajustes a serem feitos, mas reforça que isso depende diretamente da postura e disposição dos bancos em manter suas linhas de crédito disponíveis atualmente para a Americanas e seus fornecedores.
- Necessidade de capitalização: de acordo com Rial, a companhia deve precisar de capital no curto prazo para reajustar sua estrutura de capital depois dos ajustes.
- Eficiências operacionais já mapeadas: Rial também mencionou que acredita que existam oportunidades de redução das necessidades de CAPEX e capital de giro (estoques) em aproximadamente R$ 1 bilhão, cada.
- Acionistas de referência estão comprometidos com a companhia: espera-se que eles apoiem a empresa em uma potencial rodada de capitalização.
Diz ainda o relatório da XP: “Cenário ainda incerto, por isso mantemos a nossa recomendação ‘Sob Revisão’. Ainda não temos visibilidade suficiente para detalhar o impacto financeiro que as revisões devem ter nos números da empresa, que só devem ser publicados depois do processo de auditoria, além de enxergamos que o acontecimento adiciona riscos e incertezas à tese de investimentos em AMER3.”
E conclui: “Com base no que foi divulgado até o momento, acreditamos que possam haver impactos relevantes em seus indicadores relacionados a crédito.”
Sobre a dívida da Americanas, o sócio da gestora Armour Capital – ex-tesoureiro do Bradesco e do Banco BCN, com 40 anos de experiência no mercado financeiro — opinou no Twitter:
BB Investimentos recomenda venda das ações
Os analistas do BB Investimentos também publicaram relatório sobre as inconsistência contábeis da Americanas. “Não podemos mensurar a dimensão do impacto antes de finalizado o trabalho da auditoria e do comitê independente, com reapresentação dos balanços.”
Mas ponderam: “Nossa visão é negativa, diante do potencial de alteração no equilíbrio das contas de capital de giro, elevação do nível de endividamento da companhia, alteração dos resultados apresentados pela companhia nos demonstrativos contábeis anteriores e necessidade de capitalização por parte dos acionistas para readequar sua estrutura de capital.”
O relatório do BB-Bi lembra ainda: “Nossa recomendação de cenda de AMER3 não está ligada a essa
questão, mas sim ao fato de a companhia estar passando por um processo de turnaround combinado a um cenário macroeconômico adverso ao varejo, diante dos patamares de taxa de juros refreando o ímpeto de consumo das famílias”
A notícia sobre o rombo de R$ 20 bi da Americanas “reforça a percepção negativa, diante das
incertezas que são trazidas com a necessidade de reapresentação dos demonstrativos financeiros, o que impactará a modelagem financeira e seu valor justo, além da falta de transparência que traz impactos adicionais aos minoritários.”
Por essa razão, os analistas reiteram a recomendação de venda dos papéis da Americanas. “O preço-alvo deixa de ser referência até que sejam reapresentados os demonstrativos financeiros pela Americanas, momento em que revisaremos nosso valuation”, acrescentam os analistas do BB-BI.
E concluem: “Essa discussão sobre a reclassificação de operações risco sacado pode vir a impactar negativamente outras companhias do setor varejista, por se tratar de operação comumente contratada junto aos bancos pelos varejistas e cuja transparência das informações divulgadas pode variar de
companhia para companhia.”
Risco para outras varejistas?
A Genial também rebaixou recomendação da Americanas de compra para venda, cortando preço-alvo de R$ 28,40 para R$ 9,40. “
“Salientamos que esse preço-alvo estará sujeito a novas revisões tão longo tivermos acesso a mais informações sobre o caso. Diante do já exposto e considerando a falta de visibilidade do que pode vir, estamos alterando a nossa recomendação dos papéis AMER3 para VENDER”, diz a corretora. A Genial diz que a notícia da repentina renúncia dos executivos veio acompanhada de uma “potencial fraude contábil”.
Os analistas da Genial questionam: “A descoberta dessa inconsistência deve causar um mau-humor em relação ao setor de varejo e-commerce, uma vez que os investidores irão se questionar se outras empresas estariam adotando as mesmas práticas contábeis da Americanas.”
E complementam: “Nossa análise é de que outras empresas do setor também realizam operações de risco sacado, o que evidência um risco (e nesse momento, é apenas um risco) de ocultação de informações relevantes no balanço dessas companhias.”
Americanas: entenda o caso
Em fato relevante divulgado na quarta (11), a Americanas disse que detectou inconsistências nos lançamentos contáveis estimadas no total de R$ 20 bilhões, com data-base em 30/09/2022. O montante apontado é maior que o valor de mercado da própria varejista na Bolsa, que até então era de R$ 10 bilhões.
O caos contábil fez com que Sergio Rial deixasse o comando da empresa menos de dez dias após ter assumido o cargo. André Covre, diretor de Relações com Investidores, também saiu da Americanas. João Guerra, então diretor de Recursos Humanos da Americanas, assumiu interinamente os dois cargos.
As contas da Americanas são auditadas pela PwC. Questionada pela reportagem, a multinacional informou que “não comenta balanços auditados pela firma por questões de confidencialidade contratual”.
Nesta quinta, Rial comandou uma conferência com os acionistas da Americanas e destacou que a varejista precisará ser capitalizada. “Ninguém definiu o valor, até porque o número não foi auditado. Mas sabemos que não será uma capitalização de [apenas] milhões”, relatou ele.
O ex-CEO da Americanas reforçou que o 3G Capital, acionistas de referência da companhia, estão comprometidos com o negócio. “Mas eles não podem ser a solução por si só. ‘Me dá um cheque e tá resolvido’, não é assim”, comentou.
Fora da liderança da Americanas, Sergio Rial atuará como assessor do negócio e ajudará na apuração sobre o caso.
Com informações do Estadão Conteúdo
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