As falas de Sergio Rial sobre o rombo de R$ 20 bilhões nas contas da Americanas (AMER3) preocupam o mercado. Nesta quinta (12), as ações da companhia fecharam em queda de 77,33% na B3. Para os especialistas, existe o risco de que a empresa entre em recuperação judicial.
Em contato com a reportagem do Suno Notícias, especialistas da área contábil foram unânimes ao ressaltarem que as informações sobre esse rombo na Americanas ainda não estão claras e que não é possível bater o martelo sobre a real situação das finanças da empresa. Porém, eles admitiram que existe o risco de que esse caso leve a empresa à Justiça.
“É bastante possível que a companhia peça recuperação judicial se este cenário se concretizar, o que não seria uma novidade para empresas de varejo. Esta inconsistência de R$20 bilhões significa o dobro de valor de mercado da empresa, o que demonstra a gravidade da situação”, detalhou Elcio Cardozo, sócio da Matriz Capital e advogado especializado em compliance e governança corporativa.
Marcello Cacavallo, professor de Ciências Contábeis na Universidade São Judas e contador com 35 anos de atividade, disse que a falência da Americanas é um cenário possível, mas pouco provável. “A quem interessa essa empresa falir? Antes, há um processo de recuperação judicial com a correção dos balanços e será entendido quem são os credores”, comentou o profissional.
Fernando Dal-Ri Murcia, diretor de Pesquisas e Projetos da Fipecafi e professor da FEA/USP, disse que não enxerga uma recuperação judicial neste primeiro momento por causa da presença da 3G Capital no quadro societário da varejista.
“Eles tem ‘bala na agulha’, um poço bem fundo, já se comprometeram a aumentar capital, colocar dinheiro na empresa caso precisem. Mas, sem dúvidas, essas notícias trazem uma crise de confiança, de credibilidade”, afirmou o especialista em alusão ao patrimônio da empresa de investimentos fundada por Jorge Paulo Lemann, Marcel Herrmann Telles e Carlos Alberto Sicupira.
E a auditoria da Americanas?
As contas da Americanas são auditadas pela PwC. Procurada pela reportagem, a multinacional relatou que não comenta balanços auditados “por questões de confidencialidade contratual”.
Porém, na visão dos especialistas, essas divergências poderiam ter sido identificadas. “A auditoria vai ter que ser avaliada, até que ponto eles sabiam disso ou também foram enganados, o que pode acontecer. Concordaram com isso ou não. Pelo montante, sem dúvidas, acredito que eles tenham tido conhecimento desse assunto”, apontou Murcia.
“Auditorias trabalham por amostragem. Então, isso pode ter passado. Tanto é que, após essas informações, entendo que vão detalhar documento por documento, vão ter que ir bem mais a fundo do que uma auditoria tradicional”, complementou Cacavallo.
Os especialistas também afirmaram que não é possível cravar que esses R$ 20 bilhões são “novas dívidas” porque, pelas informações preliminares apresentadas por Rial, esses passivos já estariam dentro do balanço da Americanas, mas no local errado.
Americanas: Análise das instituições financeiras
Georgia Jorge, analista do BB-BI, disse em relatório que não é possível mensurar a dimensão do impacto dessas revelações antes dos trabalhos de auditoria e do comitê independente, com a reapresentação dos últimos balanços da Americanas.
“Contudo, nossa visão é negativa, diante do potencial de alteração no equilíbrio das contas de capital de giro, elevação do nível de endividamento da companhia, alteração dos resultados apresentados pela companhia nos demonstrativos contábeis anteriores e necessidade de capitalização por parte dos acionistas para readequar sua estrutura de capital“, destacou.
A casa já trabalhava com a recomendação de venda para os papéis antes do escândalo, e a analista ressaltou que as últimas notícias reforçam a percepção negativa sobre as ações da Americanas, além de evidenciar a falta de transparência que traz impactos adicionais aos acionistas minoritários.
Os analistas da XP Investimentos comentaram que o cenário segue incerto e, por isso, mantem a recomendação da Americanas em “sob revisão”.
“Mesmo depois da reunião com a companhia e os esclarecimentos dados para os pontos trazidos no fato relevante, ainda não temos visibilidade suficiente para detalhar o impacto financeiro que as revisões devem ter nos números da empresa, que só devem ser publicados depois do processo de auditoria, além de enxergamos que o acontecimento adiciona riscos e incertezas à tese de investimentos em AMER3“, disse o time da XP.
Para José Daronco, analista CNPI da Suno Research, a Americanas dificilmente chegará ao ponto de quebrar. Com um caixa robusto, que a companhia já tem hoje, deve focar no aumento de capital e diluição de acionistas.
“Esse rombo pode resultar na provisão adicional dessa dívida para o banco, de ter de arranjar mais dinheiro para o pagamento. No entanto, não tem efeito sobre o caixa agora: deve se refletir no balanço e no caixa futuro, a depender do tamanho do problema”, explicou.
Na visão do especialista, a Americanas já vivia um contexto desafiador, com a taxa básica de juros, a Selic, muito elevada, o que impacta negativamente a companhia em dois fatores principais: vendas e dívida.
“Com o crédito mais caro, o poder de compra das pessoas diminui, o que resulta em menos vendas para a varejista. A Americanas, além disso, é uma empresa muito alavancada. Ou seja, com os juros altos, a companhia paga caro por seu endividamento. Isso corrói o resultado operacional, que vemos nos prejuízos constantes divulgados”, avaliou Daronco.
Entenda o caso da Americanas
Em fato relevante divulgado na quarta (11), a Americanas disse que detectou inconsistências nos lançamentos contáveis estimadas no total de R$ 20 bilhões, com data-base em 30/09/2022. O montante apontado é maior que o valor de mercado da própria varejista na Bolsa, que até então era de R$ 10 bilhões.
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O caos contábil fez com que Sergio Rial deixasse o comando da empresa menos de dez dias após ter assumido o cargo. André Covre, diretor de Relações com Investidores, também saiu da Americanas. João Guerra, então diretor de Recursos Humanos da Americanas, assumiu interinamente os dois cargos.
Nesta quinta, Rial comandou uma conferência com os acionistas da Americanas e destacou que a varejista precisará ser capitalizada. “Ninguém definiu o valor, até porque o número não foi auditado. Mas sabemos que não será uma capitalização de [apenas] milhões”, relatou ele.
O ex-CEO da Americanas reforçou que o 3G Capital, acionistas de referência da companhia, estão comprometidos com o negócio. “Mas eles não podem ser a solução por si só. ‘Me dá um cheque e tá resolvido’, não é assim”, comentou.
Fora da liderança da Americanas, Sergio Rial atuará como assessor do negócio e ajudará na apuração sobre o caso.
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