Americanas (AMER3): um ano após escândalo contábil, o que esperar para 2024?

Há exatamente um ano, em 11 de janeiro de 2023, veio a público um dos maiores casos de fraude no mercado de capitais brasileiro: o anúncio de que o balanço da Americanas (AMER3) continha inconsistências contábeis que revelava um rombo de R$ 20 bilhões. Quase dez dias depois, em janeiro de 2023, a companhia entrou com um pedido de recuperação judicial. A empresa é notícia desde a revelação da fraude e se mantém como alvo de investigações, além das disputas judiciais, desligamentos de funcionários, anúncios de lojas fechadas, saída de executivos, queda de ações na Bolsa e endividamento bilionário. Depois de muitas reviravoltas, o mercado se pergunta: o que esperar para a companhia em 2024?

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Após descobrir o rombo no balanço naquele janeiro do ano passado, o diretor-presidenteSergio Rial, e o Relações com Investidores, André Covre, empossados em 2 de janeiro de 2023, decidiram deixar a companhia. A companhia foi alvo de uma CPI no Congresso Nacional, foi acusada de fraude, vendeu ativos, viu suas ações despencarem a centavos na Bolsa, fechou lojas, adiou divulgação de balanços trimestrais e demitiu milhares de funcionários.

O ano novo começou com o plano de recuperação judicial da Americanas costurado por vários meses com alguns bancos, seus maiores credores, como Bradesco (BBDC4), Itaú Unibanco (ITUB4), BTG Pactual (BPAC11) e Santander (SANB11). 

Na decisão, foi acordado ainda que o trio de acionistas de referência da Americanas – Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira – pode chegar a uma participação de 49,3% na rede de varejo após a capitalização de R$ 12 bilhões, também proposta no plano. Atualmente, o trio de acionistas tem fatia de 30,1%.

Assim, apesar de o acordo ser uma das alternativas encontradas pela companhia para “limpar” o seu balanço, para analistas do mercado financeiro e do mundo jurídico, muito ainda precisa ser feito em termos de transparência dos dados da Americanas.

“Note-se, por exemplo, que sequer os resultados da investigação do Comitê Interno foram encerradas. Assim, até este momento, não se tem nenhum pronunciamento sobre o que aconteceu, quem é responsável e como isso pode ser evitado no futuro. O caminho é muito longo”, diz Eduardo Silva, presidente do Instituto Empresa, associação civil atuante na defesa de acionistas minoritários no mercado de capitais.

Brahim Bitar, sócio de resolução de disputas do Fonseca Brasil Advogados, acredita que do ponto de vista jurídico a execução do plano e a quitação de diversos débitos concursais devem se alongar por anos e décadas. “Não estamos diante um completo fresh start”, destaca. Segundo seu último balanço, referente aos resultados de 2022 e publicados no último mês de novembro, a dívida líquida da Americanas era de R$ 26,3 bilhões. 

Como devem ficar as ações da Americanas em 2024?

No dia 11 de janeiro de 2023, as ações da Americanas fecharam cotadas a R$ 12,00 e despencaram para R$ 2,72 no dia seguinte. Segundo o último fechamento da quarta-feira (10), valem menos de R$ 0,84.

Pouco mais de uma semana depois da divulgação das inconsistências contábeis da Americanas, em 19 de janeiro, dia em que a Americanas entrou com o pedido de recuperação judicial, a B3 (B3SA3) comunicou que a varejista teria todos os seus títulos excluídos de todos os índices da bolsa brasileira. O ativo AMER3 segue negociado normalmente, mas listado sob o título de “recuperação judicial”. 

Com a aprovação do plano de recuperação judicial em Assembleia Geral de Credores (ACG) no último mês de dezembro, a tendência é de que haja a sua homologação judicial ainda no mês de janeiro e, com isso, o valor das ações comece a apresentar alguma retomada, avalia Bitar, da Fonseca Brasil Advogados.

“Com o cumprimento dos aportes de capital dos acionistas de referência e os pagamentos previstos no plano de recuperação judicial como mais imediatos, a Americanas se posiciona em um cenário de recomeço e isso auxiliará a recuperação do valor das ações. Mas essa retomada deve ser tímida e estabilizar-se ao longo de 2024, tendo em vista a natural desconfiança do mercado”, explica.

Caso Americanas: o que esperar para os acionistas minoritários e PMEs?

Para além dos acionistas de referência, como já citado, quem acompanha de perto os desdobramentos do caso desde o início das discussões são os acionistas minoritários da Americanas, também impactados pela fraude na empresa e que há muito tempo lidam com o problema da falta de proteção no Brasil, pontua Bitar. 

Segundo ele, apesar dos direitos já assegurados na Lei das Sociedades por Ações (ou Lei das S.A, número 6.404/76), com algumas reformas relevantes nos últimos anos, a classe ainda sofre com a falta de uma tutela concreta desses direitos e, sobretudo, de boas práticas que garantam maior transparência, objetividade informacional e responsabilidade com as expectativas legitimamente criadas – o que para ele, não deve ser resolvido ainda este ano.

“Minoritários possuem suas proteções. De toda forma, investir em Bolsa requer habilidade e a certeza de que eventualmente se perde e se ganha. No caso da Americanas, quem não vendeu bem deve, sugestivamente, aguardar, ou não, a depender de quem está assessorando o investimento. Não é uma decisão fácil”, pontua Sérvulo Mendonça, presidente do conselho de administração da SM Holding. “É preciso reforçar a participação dos minoritários nos conselhos, seja no fiscal, seja no de administração”, acrescenta Eduardo Silva, do Instituto Empresa.

Um outro setor também prejudicado pelas inconsistências contábeis da Americanas são as micro, pequenas e médias empresas fornecedoras de produtos ou serviços, cujas dívidas somavam pelo menos R$ 1 bilhão logo após o escândalo. 

Segundo Mendonça, da SM Holding, elas ainda continuarão a sentir os efeitos da crise da Americanas em 2024. “Ainda haverá impactos não só no grande varejo como em outros setores, que, assustados com o ocorrido, tendem a realizar ações mais preventivas”. “Prejuízos experimentados por outras empresas da cadeia de produção ainda estão longe de serem recuperados e isso, sem dúvida, não é uma particularidade do varejo”, acrescenta Brahim Bitar, da Fonseca Brasil Advogados.  

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Varejista perdeu 93% do valor de mercado

No início de 2023, o mercado esperava que o ex-banqueiro Sergio Rial fizesse uma revolução na Americanas. No entanto, em 11 de janeiro, poucos dias após assumir o cargo de presidente, o executivo surpreendeu a todos ao anunciar sua renúncia, após a descoberta de um rombo estimado em R$ 20 bilhões. Um ano depois do caos causado pelas revelações, a Americanas é uma rede de varejo menor, que aposta na força das lojas físicas e em uma mudança no digital, mais abalado pela crise.

Responsável por 13% das vendas pela internet no Brasil ao final de 2022, a Americanas chegou a cair para apenas 4,3% no pior momento do ano passado. “Sofremos uma baque no digital na partida, viemos recuperando parte disso ao longo de 2023, mas ainda muito distante dos patamares de 2022?, disse ao Estadão/Broadcast o presidente da Americanas, Leonardo Coelho. A redução nas vendas físicas da Americanas, porém, foi menor, o que deu um certo fôlego à rede.

A Americanas nasceu um mês antes da quebra da Bolsa de Nova York, em 1929. E, 94 anos após o evento que desencadeou a maior crise financeira global, a varejista protagonizou o maior escândalo contábil privado da história brasileira. O caso colocou três dos maiores empreendedores do País no olho do furacão: os bilionários Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles, acionistas de referência da companhia.

O trio assumiu a empresa em 1982. Comandou uma revolução que transformou a Americanas em uma das maiores varejistas do País, investida replicada no varejo online a partir de 2006, ano da fusão entre a Americanas.com e o Submarino, que criou a B2W.

Na década seguinte, a B2W competiu fortemente com rivais como Magazine Luiza e Casas Bahia (então Via Varejo) pelo posto de campeã do e-commerce no País, mas suscitava dúvidas no mercado. A empresa operava no vermelho desde 2011, e para financiar a expansão, recorreu a diversos aumentos de capital, o último deles na pandemia, corrida que pode ter ajudado a ampliar o rombo.

No auge, em agosto de 2020, a empresa chegou a valer mais de R$ 111 bilhões. Entretanto, com a alta dos juros, o setor de varejo perdeu ímpeto, e o valor caiu. Parte da perda foi recuperada a partir de agosto de 2022, quando Rial foi anunciado. Em 11 de janeiro do ano passado, valia R$ 10,8 bilhões. Mas, após a crise, esse número despencou. Hoje, a Americanas vale R$ 776 milhões – uma queda de 93%.

Conversas difíceis

Inicialmente, a varejista recusou o uso do termo fraude para explicar as causas do rombo, mas após os resultados de uma investigação independente, acabou adotando o termo e chegou à conclusão de que o rombo era maior, de R$ 25,2 bilhões.

As primeiras conversas com os bancos, principais credores, foram tensas: as instituições, em especial o BTG Pactual e o Bradesco, partiram para o ataque, não poupando críticas ao trio de acionistas, acusados de saberem dos problemas na rede. Foi preciso quase um ano de reuniões e acertos para um acordo ser fechado, com o compromisso de que não haja litígios.

Em meio à crise, a Americanas viu o caixa minguar para cerca de R$ 800 milhões. Sobreviveu graças à recuperação judicial e a um empréstimo DIP (debtor-in-possession, concedido a empresas em dificuldades) de R$ 2 bilhões feito pelo trio, que evitou a necessidade de vender ativos a preços baixos ou de contrair empréstimos mais caros, concedidos a empresas em crise.

No acordo fechado, os bancos converterão quase 80% de suas dívidas em ações e o trio de acionistas vai colocar R$ 12 bilhões no grupo, incluído o DIP, em um aporte total de R$ 24 bilhões. Com esse desenho, os bancos e os acionistas de referência deterão 98% do capital da Americanas.

Após a crise e com um balanço saneado, a Americanas deve focar no retorno às origens da operação física. Coelho define essa etapa como uma retomada da simplicidade: o consumidor vai à Americanas porque sabe que lá vai encontrar o que procura, mesmo quando não tem certeza do que quer, diz.

“A primeira parte do que a Americanas vai ser é o varejo do sortimento do Brasil”, afirma. No digital, a companhia manterá no estoque próprio apenas o que espelhar os produtos presentes nas lojas físicas. O restante será repassado a terceiros, que vão vender por meio dos sites do grupo.

A competição segue acirrada, mas a crise da companhia levou a uma mudança na configuração do setor. Dados da consultoria SimilarWeb compilados pelo BTG apontam que a audiência perdida pelos sites da Americanas migrou para dois titãs internacionais, o Mercado Livre e a Amazon.

A Americanas reduziu o contingente de funcionários de 43,2 mil, em janeiro de 2023, para 32,5 mil, em dezembro. A empresa, diz, porém, que a redução líquida no período é de cerca de 5 mil empregados, excluídos os efeitos sazonais típicos do varejo, que contrata muitos funcionários temporários em finais de ano. Boa parte da reestruturação feita no ano passado foi no digital, com a redução de centros de distribuição, mas segundo Coelho, a cúpula também ficou menor.

Hoje, além dele, a diretoria da Americanas conta apenas com a diretora Financeira e de Relações com Investidores, Camille Faria. Os dois entraram após a recuperação judicial, diante do afastamento de antigos diretores, implicados na investigação da fraude. Até janeiro do ano passado, a companhia tinha quatro diretores além do presidente, divididos por área de atuação.

Delação e cooperação

Se financeira e operacionalmente a Americanas conseguiu sobreviver ao turbulento ano de 2023, o rombo ainda deve gerar ruído. Ex-diretores da companhia fecharam em agosto um acordo de delação premiada e, em uma estratégia inédita para investigar uma empresa, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) fechou acordo com pessoas envolvidas no caso Americanas em busca de cooperação para apurar o que ocorreu.

Em outra frente de investigação, o Comitê Independente criado pelo conselho de administração para apurar as circunstâncias que ocasionaram a fraude ainda não revelou o resultado de seu trabalho e, em dezembro, disse que a publicação de um documento preliminar poderia levar a “juízos preliminares inadequados”.

Procurado, o ex-presidente da empresa, Sergio Rial, que tornou pública a fraude, não se manifestou.

Americanas: quais as perspectivas para quem investe em renda fixa?

No período pós-escândalo da empresa, muitas pessoas tiveram prejuízos por investirem em fundos de renda fixa, teoricamente de baixo risco, que estavam expostos a dívidas da Americanas. 

Entretanto, na visão de Brahim, uma das lições trazidas pelo episódio da varejista foi exatamente mostrar que renda fixa é apenas um conceito ou modalidade de investimentos, e que não está ileso às oscilações do mercado. Para ele, as perdas para este público ainda não foram recuperadas e que depois do ocorrido, o investidor pessoa física está e deve ficar cada vez mais crítico. 

“Se antes ele talvez se contentasse com a promessa de uma rentabilidade superior ao CDI e baixo risco, hoje esse investidor se interessa por outros fatores como composição de carteiras, necessidade/disponibilidade do recurso no médio e longo prazo e outras opções de investimentos que melhor se amoldem à sua tolerância ao risco”, destaca.

Um ano depois, qual o aprendizado que o caso Americanas deixou para o mercado brasileiro?

Na visão de Sérvulo Mendonça, da SM Holding, a crise da Americanas reforça ainda mais a necessidade de valorizar as informações contábeis das empresas. “Não há outra ciência capaz de demonstrar com clareza as informações das unidades de negócios. Outro ponto é que não basta ‘ter’ procedimentos e códigos, é necessário ‘agir’, ‘ser’ de acordo com as regras”, avalia.

Para Brahim, as lições do caso Americanas ainda não se esgotaram. De acordo com ele, ainda é preciso debater e avançar muito, por exemplo, no campo da responsabilidade civil, criminal e administrativa de acionistas, controladores e administradores por ilícitos cometidos. “É preciso, também, debater a capacidade que as instituições de controle (CVM e afins) possuem para investigar e punir, em tempo razoável. Não bastam as auditorias e a divulgação de balanços e até fatos relevantes. As companhias devem estar atentas a esse novo cenário e engajar-se mutuamente na implementação desse novo modelo de ética de responsabilidade”, finaliza.

Com Estadão Conteúdo

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Giovanni Porfírio Jacomino

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