Os investidores já estão hoje acostumados a ver o dólar acima dos R$ 5 e beirando os R$ 6, mas nem sempre foi assim. Há alguns anos as pessoas ainda se assustavam a ver a moeda norte-americana valendo pouco mais de R$ 3.
Só em 2021 o dólar americano avançou 3,59% até o começo da última semana, impulsionado pela incerteza fiscal, e crise política no cenário interno.
Na avaliação de Vanei Nagem, chefe da área de câmbio da Terra Investimentos, as turbulências econômicas causadas pelo coronavírus (Covid-19) também impulsionaram o a moeda norte-americana.
Contudo, Nagem aponta que boa parte da alta da moeda tem relação com o cenário político interno. Ele cita que a reforma fiscal e o aumento do Bolsa Família – que põe em xeque o teto de gastos— preocupam o mercado, e elevam o dólar. “Cerca de 70% da alta do dólar é causada por fator político” afirma ele.
João Beck, economista sócio da BRA também sinaliza que a preocupação do mercado com teto de gastos foi um fator que impulsionou a moeda estadunidense.
Não há motivos para o dólar se valorizar como valorizou
Beck cita que, no cenário econômico interno, não houve motivos para o dólar americano se valorizar da maneira que se valorizou. O economista argumenta que os dados fiscais foram bons, e os [de empresas também surpreenderam positivamente. “Acabamos de sair de um ciclo de balanço muito acima do esperado. O crescimento do PIB [Produto Interno Bruto] também está maior que o previsto”, afirma o sócio da BRA.
Também na visão de Nagem, o dólar hoje está em um patamar maior do que deveria. Assim, ele aponta que boa parte da desvalorização do real perante o dólar neste ano pode ter sido causada por discursos polêmicos por parte do governo, e ruídos políticos.
Beck ainda avalia que a moeda americana só não subiu mais devido à taxa de juros muito maior do que a ano passado. “O dólar só não está subindo mais porque o Banco Central jogou a taxa de juros lá pra cima. Mas se observar as novas altas do BC brasileiro e os dados de atividades, o dólar já deveria estar num patamar muito mais baixo.”
Beck também avalia que a desvalorização do real aconteceu por ruídos políticos relacionados ao rompimento do teto de gastos, citando o novo Bolsa Família e os precatórios. “Algumas manifestações de aumento de gastos deixaram o mercado bastante tenso e acabou gerando uma fuga de capitais”, explica.
Além disso, desde divulgação da ata de julho do Federal Reserve (Fed, Banco Central dos EUA), o dólar subiu cerca de 1,60% até a última semana. Na última reunião a autoridade monetária norte-americana analisou desacelerar o ritmo de compras de títulos até o fim desse ano.
“Olhando para o futuro, a maioria dos participantes ponderou que, desde que a economia evolua amplamente como anteciparam, julgaram que pode ser apropriado começar a reduzir o ritmo de compras de ativos neste ano”, pontua o documento.
Nesse cenário, Beck reitera que “o BC americano sinalizou que iniciaria um ciclo de aperto monetário, alta de juros, e o mercado antecipou essa alta de juros que o Fed até então não tinha sinalizado.”
Os próximos passos do dólar
Na última semana, a projeção dos economistas do Boletim Focus para a cotação do dólar ao final desse ano está em R$ 5,10. A projeção se mantém inalterada por 3 semanas seguidas. Já para o ano que vem, o Banco Central projeta o câmbio em R$ 5,20, mesmo valor de quatro pesquisas atrás.
Por sua vez, Nagem acredita que a moeda pode se valorizar mais do que isso, e espera o dólar americano a R$ 5,40 “por causa da pressão política.” Já para 2022, ele diz que pode ser uma de eleições complicadas, o que pode mexer ainda mais na moeda.
Por sua vez, Beck explica que se não fossem os ruídos políticos o real deveria continuar com sua valorização.
“Quando ele [a cotação do dólar americano] chegou a R$ 4,90, o dólar começou a se desvalorizar porque o mercado estava olhando os dados econômicos, mas [o dólar] voltou a estressar novamente.”
O economista prevê que, “se houver ausência de notícias ruins, com a taxa de juros e dados econômicos desse jeito, a gente volta a ver o dólar se desvalorizando.” No entanto, ele também pondera que “ano eleitoral é sempre muito complicado.”
BC projeta IPCA em 7,11% 2021
Em relação à inflação, o Boletim Focus prevê que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) deverá ser de 7,11%. A projeção dos economistas do Boletim Focus para a inflação já está acima do centro da meta de 2021, de 3,75%, sendo que a margem de tolerância é de 1,5 ponto (de 2,25% a 5,25%).
Apesar de elevada, a previsão do Banco Central ainda é otimista quando comparada com a de algumas casas de análises que já falam em algo próximo a 10%.
Nagem lembra que o dólar em níveis muito altos “ajuda a inflação”. Contudo, Beck pondera que “não é exatamente o dólar que está afetando a inflação.” Segundo o economista, a inflação no País está sendo influenciada pelo efeito de estímulos da economia, geadas e crise hídrica.
Beck lembra ainda que a moeda americana em patamares elevados melhora o desempenho da balança comercial, “a gente exporta mais e ajuda nas contas fiscais”, avalia, “o dólar alto muitas vezes salvou o Brasil de grandes crises”, completa.
O que o governo pode fazer para conter o avanço dólar
Uma das medidas que o governo poderia adotar para conter o dólar, segundo Beck, seria “dar sinalizações claras de governanças principalmente em relação a responsabilidade fiscal.” “Ano eleitoral é perigoso e o governo gosta de gastar nesses anos, então gera excesso de gastos e isso que está deixando o mercado nervoso. Então o governo precisa sinalizar que o teto de gastos não será rompido”, afirma o economista.
Em relação aos precatórios, Beck aponta que não são um problema recorrente. Então o foco maior do dólar deve se voltar para a responsabilidade fiscal.