Agrotech: nova geração do agronegócio une campo e tecnologia

Startups voltadas para o agronegócio, chamadas de agrotech, estão se popularizando no Brasil, com os filhos de produtores rurais que saem do campo para estudar e depois voltam para as fazendas, trazendo tecnologias e ferramentas de gestão.

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A agrotech catarinense Horse Machine, por exemplo, foi fundada por Guilherme Kieling e Cleomar Matuchaki e cria máquinas que ajudam nas colheitas de pequenas propriedades da Região Sul do País.

Já a mineira Mariana Vasconcelos, da agrotech Agrosmart, coleta e analisa dados para irrigação de plantações. Eduardo Rezende, também do interior de Minas, desenvolveu com a Agrosolutions um sistema de gerenciamento de propriedades rurais. No caso do gaúcho Elias Sgarbossa, da Z2S Sistemas, do Rio Grande do Sul, a ideia foi criar um sistema que automatiza a limpeza de ordenhadeiras.

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Segundo pesquisa da Agtechgarage, as startups voltadas para o campo, chamadas de agrotech, se concentram em São Paulo, Minas Gerais e Paraná. E a maioria oferece serviços de suporte à agricultura de precisão (como dados que ajudam o produtor a definir a quantidade de defensivos a ser aplicada), internet das coisas (IoT) e gestão agrícola.

Com os resultados positivos do agronegócio, mesmo depois da pandemia do novo coronavírus e em um momento de crise para os demais setores, as pessoas estão digitalizando suas fazendas. Mas alguns clientes também sentiram os impactos da covid-19. “Por mais que o produtor tenha segurado a receita e tenha tido um aumento da produtividade, muitos investimentos para inovação acabaram sendo represados”, avalia Rezende.

Ainda assim, esses empreendedores das agrotech sentem que há um aumento no número de jovens iniciando negócios no campo e que o interesse das novas gerações em desenvolver projetos de tecnologia sinaliza a força do agronegócio. A seguir, algumas dessas histórias.

‘MUITA FAZENDA AINDA NÃO SE VÊ COMO EMPRESA’

Eduardo Rezende, de 35 anos, é filho e neto de produtores de café, eucalipto e criadores de gado no interior de Minas Gerais. Cresceu na fazenda, mas com um pé na tecnologia. Ele chegou a morar em grandes cidades antes de voltar ao campo, mas via desde cedo que uma das principais barreiras, em um contexto de aumento da competitividade, era a baixa profissionalização da gestão das propriedades.

Quando criou a agrotech Agrosolutions, há seis anos, empresa que oferece um sistema de gestão agrícola para os produtores rurais, ele, que é formado em ciência da computação, já mirava nas próximas gerações do campo, por perceber que a sucessão familiar e o aumento da participação dos filhos de proprietários no cotidiano das fazendas fariam crescer também a demanda por tecnologia.

Além de ser um exemplo desse movimento, ele vê na prática que as propriedades rurais estão se digitalizando impulsionadas pela nova geração. “Muitas fazendas ainda têm uma estrutura muito familiar, não é como uma empresa, em que a parte financeira e contábil, por exemplo, são organizadas. Tudo acaba ficando na mão do produtor, que na maior parte das vezes não tem familiaridade com tecnologia. E é preciso melhorar a conectividade no campo.”

Mas ele lembra que também está aumentando o perfil de produtores que se interessam por implementar outras técnicas de inovação em suas terras, como o uso de drones e de análise de solo por geolocalização, e esse é o público-alvo das startups voltadas para o agronegócio.

Com a tecnologia cada vez mais presente no cotidiano das fazendas, a gestão agrícola deve ganhar espaço. E em vez de tentar convencer o produtor mais velho, Rezende foca no produtor mais jovem que busca por ferramentas para aumentar a eficiência. “No começo, era difícil explicar os ganhos de produtividade que a gestão agrícola trazia a alguns produtores mais tradicionais. Com o aumento de participação das gerações mais jovens na tomada de decisões, tem ficado mais fácil vender o nosso serviço.”

Ao adotarem um sistema de gestão agrícola, as propriedades conseguem organizar processos internos, evitar a perda de produtos no estoque, fazer um controle melhor de pedidos de insumos e defensivos e ter ganhos de precisão. A fazenda é enxergada como uma empresa convencional, e o sistema controla desde o recebimento de produtos até o controle de manutenção das máquinas.

No caso de Rezende, a propriedade da família foi o campo de provas da plataforma. Hoje, ele presta serviço para 60 fazendas, de agricultores de café a pecuaristas. “Mas a demanda é muito maior. Nem 5% das propriedades hoje têm um sistema de gestão. Mas nos próximos anos, conforme as novas gerações forem assumindo o controle das fazendas, as plataformas vão ganhar espaço. Ainda há muito chão a percorrer para a tecnologia no agro.”

‘TECNOLOGIA 4.0 TAMBÉM CABE NO AGRONEGÓCIO’

Crescendo em uma família de produtores de milho e de pastagens, Mariana Vasconcelos, de 29 anos, viu de perto o aumento da demanda por tecnologia no campo. “E o produtor hoje, além dos problemas corriqueiros, tem de lidar com o desafio de ao mesmo tempo ter de aumentar a produção de alimentos e contornar a falta de água e as mudanças climáticas”, diz.

Mariana lembra que o clima sempre foi uma das principais preocupações do produtor rural – desde a infância, ela ouvia os pais reclamarem da chuva que veio de surpresa ou do tempo seco mais longo do que se esperava. Além disso, o uso de dados para implementar práticas sustentáveis na lavoura era quase ficção científica.

“Cresci no campo, acompanhando meu pai, que é produtor no sul de Minas Gerais. As dificuldades na hora de tomar uma decisão são muitas e o caminho era sempre o de confiar na intuição ou observar o que o vizinho estava fazendo”, conta.

Ao se formar em administração, ela passou a se perguntar como trazer mais tecnologia para a propriedade dos pais e para o círculo social deles. “Por que a gente não usa as tecnologias 4.0 para o agronegócio? O setor de tecnologia ainda tem muito a evoluir no País, mas o Brasil é autoridade no agronegócio. A intenção era juntar esses dois mundos.”

Ela, que foi reconhecida em listas de jovens de destaque, como a de talentos com menos de 30 anos da revista

Forbes, é uma das fundadoras da agrotech Agrosmart, startup que oferece serviços de agricultura de precisão, como estudo de solo e clima para aumentar a eficiência da propriedade e reduzir custos. “Por muito tempo, cultivou-se a ideia de que a vida melhor estava na cidade e o importante era estudar para sair do campo. Isso está mudando.”

Fundada em 2014, a empresa atende cerca de 800 mil hectares ou mais de 4 mil produtores. Com o serviço, que é oferecido a partir de R$ 99 por mês, algumas fazendas conseguiram reduzir em até 60% o uso de água, 40% o de insumos e aumentar a produção em até 20%.

‘MEU FUTURO ESTAVA NA CIDADE, MAS ISSO MUDOU’

Quando o filho de ex-criadores de gado e produtores de grãos Elias Sgarbossa, de 28 anos, começou a faculdade, a ideia era não voltar para o campo, relembra o gaúcho de Ibiraiaras. “Até meus pais diziam que a atividade rural era muito sacrificante, sem descanso e que dava pouco lucro. O futuro parecia estar na cidade. Mas, aí, tudo mudou.”

Ele conta que, já no começo da graduação, percebeu que poderia aplicar na propriedade da família o conhecimento técnico que estava recebendo e ajudar o pai a rever métodos de trabalho, aumentar a produtividade e a lucratividade – e ainda vender soluções para outros produtores da região.

A família tinha muito trabalho com a limpeza dos equipamentos de ordenha, feito duas vezes por dia. O processo levava em torno de 30 minutos e era preciso cumprir diferentes parâmetros, como a temperatura da água e a quantidade utilizada de detergente.

O engenheiro desenvolveu, então, um sistema que automatiza a limpeza das ordenhadeiras. “Era preciso ter uma limpeza eficiente, para que a qualidade não caísse e evitar uma queda no preço cobrado pelo leite.” Há cinco anos, ele protocolou o pedido de patente do protótipo e criou a startup Z2S Sistemas, com ajuda de um professor e de um colega da faculdade.

“Era um problema crônico de vários pequenos e médios produtores. Já existiam soluções para isso, mas que não eram totalmente automatizadas. Em algum momento, o produtor precisava estar lá durante o procedimento para acompanhar a limpeza. Com o nosso sistema, a limpeza é automática.”

A propriedade da família serviu de teste para o equipamento, e a contagem bacteriana total (CBT) do leite, que é um dos indicadores de qualidade, baixou de 40 mil para 2 mil. Com esse resultado, os produtores passaram a receber R$ 0,06 a mais por litro. O processo completo de limpeza passou a ser feito em 20 minutos e a startup de Elias, que já tem três equipamentos instalados, agora está em processo de captar investimentos.

‘FAMÍLIA FOI COBAIA DOS NOSSOS EQUIPAMENTOS’

Ofilho de pecuaristas gaúchos Guilherme Kieling e o catarinense Cleomar Matuchaki, filho de produtores de tabaco, tinham em comum o objetivo de criar tecnologia a um custo baixo o suficiente para caber no bolso de pequenos agricultores.

“A propriedade da família é pequena. E, desde cedo, sempre ouvia que tinha de estudar, para poder sair do campo”, diz Kieling. “Sempre fui curioso e me interessei por máquinas. Daí, me perguntei: será que posso transformar isso em um negócio útil para o produtor?”

Com esse objetivo, eles fundaram há pouco mais de um ano a startup Horse Machine no interior de Santa Catarina, que desenvolve máquinas voltadas especialmente para os pequenos produtores de frutas – um público expressivo na região. A empresa é parte de uma incubadora local e se prepara para captar investimentos fora.

“Existe uma grande oferta de tecnologia para os grandes proprietários. Mas os pequenos não têm acesso a esses equipamentos. Nosso objetivo era melhorar a oferta para esses pequenos agricultores que têm problemas parecidos com os dos nossos pais”, diz Kieling.

Ele conta que começou a testar as primeiras máquinas há pouco mais de dois anos. “Amigos do interior e a própria família foram as ‘cobaias’. A partir delas, íamos fazendo ajustes e divulgando o produto.”

Hoje, são mais de 20 modelos projetados, sendo quatro tipos de máquinas que ainda não eram oferecidas aos produtores. Esses equipamentos ajudam na cultura da maçã, forte na região de Criciúma e São Joaquim, no interior catarinense.

“Era uma cultura que a gente não conhecia de perto, mas nos aproximamos de produtores locais, que nos contavam as demandas que tinham. Uma das máquinas, por exemplo, coleta os galhos, o que era feito manualmente, de forma lenta.”

O trabalho que levava uma manhã inteira, agora é concluído em uma hora. Uma das empilhadeiras é vendida por um quarto do preço de uma convencional e as máquinas deles, que custam a partir de R$ 2 mil, estão operando em mais de cem propriedades.

(Com informações da Agência Estado)

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Vinicius Pereira

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