O agronegócio pode ser uma dos temas em que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL), primeiros colocados nas pesquisas presidenciais, menos divergem, segundo especialistas.
Enquanto as eleições se aproximam, são muitos os cenários e panoramas sendo traçados em caso de vitória de Lula, Bolsonaro ou, ainda, um nome da chamada “terceira via”. Com o agro, não é diferente.
É fato que os dois primeiros colocados nas pesquisas são diametralmente opostos em muitas propostas na área econômica.
Lula defende a revogação de regras fiscais, por exemplo, criadas ou endossadas pela gestão Bolsonaro.
Enquanto isso, o atual presidente do Brasil defende uma agenda de desestatização das empresas, que, para Lula, devem ficar sob o guarda-chuva do estado e promover política pública.
Será que existe algum setor, afinal, capaz de unir de alguma forma as propostas de ambos os candidatos?
Agro não deve ter propostas revolucionárias
Segundo o economista da USP Paulo Feldman, é difícil cravar a resposta, mas certamente o agronegócio é um forte candidato.
Feldman acredita que, para o agro no Brasil, prevalece a lógica do “em time que está ganhando, não se mexe”.
Como o setor sustenta bons números, sendo um dos mais produtivos do mundo, não são esperadas grandes mudanças e inflexões no setor.
“O agronegócio não tem nada de revolucionário entre as medidas propostas pelos candidatos, pois vai bem”, diz Feldman.
O agronegócio apresenta dinamismo setorial e uma boa evolução da produtividade que tem elevado a relevância brasileira na produção agropecuária mundial.
“De fato, é um segmento em que não haveria grandes políticas governamentais que poderiam ter rupturas para atrapalhar o setor”, complementa Alessandra Ribeiro, economista e sócia da Tendências consultoria.
Lula e Bolsonaro divergem em temas como a reforma agrária, desmatamento e políticas para populações indígenas e quilombolas.
Entretanto, nas propostas de governos divulgadas pelos candidatos, algumas semelhanças causam espanto, como a falta de citação à China, maior parceira comercial do agro brasileiro, que enfrenta dificuldades econômicas que podem diminuir as exportações brasileiras.
“A China, nosso principal comprador, está entrando em uma fase de dificuldade econômica, o que traz o perigo de reduzirmos as exportações”, lembra Feldman.
Os planos de governo de Lula e Bolsonaro falam em aumento de valor à produção do campo e estímulos à agroindústria, cooperativas e startups, para aumentar as divisas com exportações.
Mas muitos analistas estão reticentes em prever quais propostas Lula deve trazer para o agro até que o petista tenha uma equipe de governo definida.
“Ainda precisamos ver quem vai ocupar o ministério e, mais ainda, ver se vão haver ministérios e outras áreas do governo que vão ter atuação importante no agro”, diz Silvio Cascione, diretor da Eurasia.
Imagem do agro pode melhorar no exterior
A postura do ex-presidente dá indícios de que seu governo estará mais preocupado com a agenda ambiental, o que pode, inclusive, ajudar o setor.
“A agenda ambiental vai ser muito importante no governo Lula, e isso pode ajudar bastante o setor exportador, pois pode melhorar a imagem do Brasil no exterior”, afirma Cascione.
O Brasil enfrenta atualmente certa resistência a produtos brasileiros em função de uma imagem de pouca responsabilidade ambiental acentuada durante a gestão Bolsonaro.
“Hoje, só conversamos com países pouco relevantes, dado a uma política mal conduzida das relações internacionais. Estamos isolados. Uma retomada da agenda da sustentabilidade pode ser favorável para o agro”, diz Ribeiro, da Tendências.
Movimentos sociais
Outro ponto que levanta dúvidas sobre as diferenças entre cenários de Bolsonaro e Lula é o papel de movimentos sociais.
A defesa do armamento no campo e o repúdio ao Movimento dos Trabalhadores sem Terra são dois dos principais motes de campanha de Bolsonaro no agro, por exemplo.
Lula, por outro lado, é um dos defensores do movimento.
“Em algumas áreas, isso pode trazer tensão maior pro setor. Lula ainda não deu clareza de como vai ser o equilíbrio do time, por mais que tenha dado a entender que seu governo será de reconciliação nacional”, analisa Cascione, da Eurasia.
Feldman, porém, é mais cético no que se refere ao papel dos movimentos sociais na gestão de Lula.
“Lula mostrou no período em que foi presidente que sua grande habilidade é a negociação. Nos oito anos em que governou o país, o Brasil não teve nenhuma convulsão ou greve importante no campo, pois Lula tinha credibilidade junto aos movimentos e sabia negociar muito bem”, pontuou.
Dependência externa de insumos agrícolas
Os dois candidatos sugerem ampliar a produção interna no agro em seus planos de governo, mas não apontam caminhos específicos.
“As maiores providências que podem ser tomadas pelos governo não estão no agro, e sim na manufatura. O que deveria ser feito é tornar o Brasil menos dependente do agro”, diz Feldman.
Bolsonaro cita em seu programa o Plano Nacional de Fertilizantes, lançado este ano, e ainda sem efeitos de curto prazo. Além disso, cita a continuidade de medidas implementadas no mandato, como obras de infraestrutura e o 5G.
Enquanto isso, Lula propõe um “novo modelo de ocupação e uso da terra, com reforma agrária e agroecológica, e o fortalecimento das compras públicas”.
O petista também pretende estabelecer uma política nacional de abastecimento, com a retomada dos estoques reguladores, medida criticada e descartada atualmente mesmo com a inflação de alimentos.
Ele ainda afirma que quer reduzir os custos de produção e do preço de comercialização dos alimentos frescos e de boa qualidade da agricultura familiar, da tradicional e do “agronegócio sustentável”.
O que dizem Ciro e Tebet
O candidato Ciro Gomes (PDT) cita o agronegócio apenas uma vez em seu plano de governo, documento de 26 páginas, afirmando um fortalecimento industrial pretendido em caso de vitória, além de valorizar a floresta em pé e querer reduzir o desmatamento.
Já Simone Tebet (MDB) indicou propostas para áreas como Plano Safra, seguro rural, assistência técnica e extensão rural.
A candidata propõe criar uma “lista suja” de maiores promotores do desmatamento, invasão de terras, mineração ilegal e emissões ilegais de gases do efeito estufa. Além disso, planeja fazer uma revisão em todas as medidas tomadas pelo atual governo que resultaram em “incentivo ao desmatamento e à devastação”.
Tebet também fala na criação de um Plano Safra plurianual, com diretrizes de médio e longo prazos para crédito, seguro rural e armazenagem. Outras propostas da candidata são retomar o Fundo Amazônia, agilizar a análise do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e acelerar o cumprimento de metas de redução de emissão de gases poluentes pelo agronegócio.