Embora o presidente Jair Bolsonaro já tenha se mostrado avesso a algumas mudanças corporativas, a decisão de demitir o presidente da Petrobras (PETR4), Roberto Castello Branco, na última sexta-feira (19), pegou o mercado de surpresa. Agora, ao digerir a notícia, especialistas acreditam que o movimento pode ter enterrado para valer a crença que restava no mercado sobre um viés liberal do governo.
No início do ano, o presidente havia demonstrado querer a demissão do presidente do Banco do Brasil (BBAS3), André Brandão, levando as ações do banco a uma sequência de nove pregões consecutivos em baixa — uma queda de 17%.
Agora, depois de mudar o comando da Petrobras, Bolsonaro afirmou neste final de semana que seria necessário “meter o dedo” na energia elétrica.
A reação do mercado foi intensa. Hoje, logo após a abertura do pregão, todas as empresas estatais do Ibovespa operavam em queda. Em especial, Petrobras, Eletrobras (ELET3) e Banco do Brasil puxaram o índice para a maior queda dos últimos 10 meses.
Para especialistas de mercado ouvidos pelo SUNO Notícias, a interferência na Petrobras é um sinal de que Bolsonaro deu prioridade para sua própria agenda, em vez de olhar para a economia, deixando para trás as promessas liberais feitas na época da eleição e no início do governo.
Bolsonaro dá as cartas e rompe com o mercado
“O que vai valer a partir de agora é a agenda do presidente, a agenda de Bolsonaro”, disse Paulo Silveira, economista da Nova Futura. “Claramente, as empresas estatais passarão a ser, novamente, companhias dedicadas a fazer gestão de políticas públicas. Isso muda o valor das empresas.”
Segundo o economista, a partir de hoje o mercado passa a entender que o governo tem uma política econômica diferente. “Antes, o governo apresentava um viés liberal, pretendendo privatizações, reformas, mudanças na gestão da coisa pública. Agora, a estratégica de policy mudou, e nem sabemos qual é exatamente.”
Segundo ele, o governo tem atendido a demandas urgentes para si próprio, como a pressão dos caminhoneiros, o aumento do preço dos combustíveis e do gás de cozinha — por serem temas sensíveis à popularidade do presidente.
De acordo com a Confederação Nacional do Transporte do Brasil (CNT), o índice de aprovação de Bolsonaro caiu 8,3%, para 32,9% em fevereiro, ante aos 41,2% em outubro. A fatia que alega ser uma gestão “ruim/terrível” saltou de 27,2% para 35,5%. A pesquisa, realizada entre quinta (18) e sábado, foi divulgada nesta segunda.
“O que vai prevalecer a partir de agora é a agenda do presidente, que é descolada da agenda inicial pensada pelo governo. O mercado verá o ambiente de negócios dessa forma a partir de agora”, salienta Silveira.
Decepção também passa pela atuação de Guedes
Bolsonaro, como político de carreira há 30 anos, ascendeu ao poder com um viés liberal, oposicionista ao da ex-presidente Dilma Rousseff. No entanto, o tom de sua campanha foi alimentada pela figura de Paulo Guedes, que viria a ser o ministro da Economia.
Com grande viabilidade entre empresários e no mercado financeiro, Guedes assumiu sua posição cercado de expectativa, e a queda do mercado hoje reflete uma certa decepção com o ministro.
“A grande verdade é que existia uma expectativa muito grande, sobretudo em relação ao Paulo Guedes, que trouxe uma equipe muito forte. Houve uma série de decepções, tanto do lado do Guedes, com a falta de velocidade na implementação das medidas liberais e reformas, como da condução política do governo”, afirma Priscila de Araújo, gestora da Macro Capital.
Um dos riscos que ficam aparentes hoje é o da credibilidade do governo, diz Araújo. Segundo ela, Bolsonaro tomou o caminho de clara oposição ao Partido dos Trabalhadores (PT), que governou o Brasil por uma década e meia, com um discurso liberal, mas mostra ser intervencionista.
Privatizações e reformas também fustraram
A gestora lembra que o receio com o andamento do governo não se restringe somente à intervenção na Petrobras e a ameaça no Banco do Brasil. O rompimento do teto de gastos, como chegou a sugerir Bolsonaro, aflorou o risco fiscal do País ainda no ano passado.
“Essa guinada populista do governo nos traz uma perspectiva improvável para qualquer privatização. Até podemos observar a venda de alguma participação na Eletrobras, mas não deve ser grande coisa”, diz Murilo Breder, da corretora Easynvest.
Para ele, a intervenção de forma mais acentuada vem à tona em um péssimo momento para as estatais. Petrobras e Banco do Brasil, mas também Eletrobras, estavam passando por momentos de melhorias operacionais e desalavancagem. Com a paralisação desse processo, a economia sente e reflete também nas empresas estaduais.
“Hoje, o mercado enxerga que de fato privatizações não são o foco do governo, e decidiu virar a mão. Investidores institucionais, sobretudo, passaram a desfazer suas posições, marcando o dia de hoje como o fim da crença no lema liberal de Bolsonaro“, afirma o especialista.