Investimentos: mulheres valorizam mais as questões ambientais e sociais

O mercado financeiro tem despertado para a importância de conquistar clientes do público feminino. Aos poucos, surgem empresas, produtos e canais de comunicação pensados para as mulheres, algo impensável poucos anos atrás.

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Na busca por esta inclusão, o mundo dos investimentos está percebendo que o público feminino se comporta de forma diferente do masculino em alguns quesitos. Embora também busquem a rentabilidade de suas carteiras, elas estão muito mais preocupadas com questões sociais e ambientais na hora de investir do que o público masculino.

Além disso, costumam ser investidoras mais racionais e cautelosas em suas decisões.

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Público feminino olha mais para ESG

Antes de colocar a mão no bolso, as mulheres querem saber que tipo de atividade econômica o seu dinheiro vai nutrir. Ou seja, se as empresas ou fundos de investimento seguem critérios responsáveis.

Por isso, as empresas têm buscado dialogar com este público de uma forma diferente. Afinal, já perceberam que conversar sobre rentabilidade de investimentos pode funcionar para atrair o público masculino, mas não dá os mesmos resultados com as mulheres. 

“O público feminino quer saber como a empresa está se portando perante a sociedade. Por exemplo, sobre fundos imobiliários, querem saber se o fundo desapropriou o imóvel de alguma família. Isso é algo que a cliente mulher nos pede”, explica Rebeca Nevares, fundadora da Ellas, que hoje é o braço feminino da Monte Bravo, assessoria de investimentos vinculada à XP.

Segundo Rebeca, a preocupação com os temas ESG (meio ambiente, social e governança), que está ganhando cada vez mais destaque em todo o mundo, é muito mais forte dentro do público feminino.

Cliente quer escolher empresas a dedo

Cliente da Ellas, a publicitária Karen Nora, de 45 anos, é um bom exemplo disso. Em sua visão, seus investimentos devem refletir a sua filosofia de vida. Ela começou a investir em 2019 no segmento de renda fixa, e hoje conta com uma carteira diversificada com perfil moderado, que inclui ações, fundos de investimentos e previdência.

investimentos para mulheres
Karen Nora, publicitária, começou a investir em 2019

 “Eu não investiria em uma empresa que não me agrada, em que não me sentiria à vontade. Armas estão fora, assim como empresas relacionadas a desmatamento e casos de corrupção”, explica.

De acordo com Rebeca, da Monte Bravo, nomes como a fabricante de armas Taurus e a Vale, envolvida no desastre de Brumadinho, costumam não agradar tanto suas clientes mulheres. Em contrapartida, empresas como a Natura tendem a atrair compradoras, por defenderem a pauta de diversidade.

A Ellas começou a operar em outubro de 2019, e passou por uma fusão com a assessoria Monte Bravo em maio de 2020. Atualmente, as mulheres que procuram a Monte Bravo podem optar por ser atendidas pela equipe de mulheres da Ellas. 

Lá, o público feminino tem conteúdos exclusivos para mulheres, como newsletters, rede social, podcasts e grupos de Telegram e Whatsapp. Atualmente, 25% da clientela de 18 mil clientes da Monte Bravo é composta por mulheres, mas a intenção é aumentar para 35%. Além de atrair a mulher para o mundo dos investimentos, a Ellas abraça a causa do LGBTQI+.

Warren também está atraindo mulheres com pauta sustentável

A corretora e gestora de investimentos digital Warren também identificou a preocupação das mulheres com os temas ambientais e sociais. Seus fundos de investimentos voltados para pautas de equidade de gênero e sustentabilidade – o Warren Equals e o Warren Green – costumam chamar mais atenção das suas clientes mulheres. “Elas querem rentabilizar o dinheiro com mais propósito e sustentabilidade”, afirma a sócia fundadora da Warren, Kelly Gusmão. 

Investimentos para mulheres
Kelly Gusmão, sócia da Warren

O Warren Equals é um produto de ações que investe apenas em empresas (brasileiras e mundiais) que comprovadamente promovem ações de equidade de gênero e que possuem mulheres atuando em cargos de destaque. Já o fundo de investimento Warren Green reúne empresas nacionais e internacionais reconhecidas por boas práticas sociais, ambientais e de governança. 

Atualmente, a parcela feminina de clientes da Warren representa 31% do total de 150 mil pessoas. O objetivo é chegar a 50% no ano que vem. Segundo Kelly, o fundo Warren Equals tem sido importante nesta estratégia.

Ao mesmo tempo, a empresa está investindo em reforçar o time interno de colaboradoras, que também está em 30% e chegará a 50%. A empresa também pretende ampliar comunidade LGBTQI+ e de profissionais negros em seus quadros.

Objetivos das mulheres também são diferentes

Além do interesse por temas sociais e ambientais, o público investidor feminino também se diferencia pelos seus objetivos de investimento e pela forma de se comunicar com as empresas do mercado financeiro. E isso se reflete na forma com que as empresas têm feito o atendimento das investidoras.

Segundo a executiva da Ellas, as reuniões da Monte Bravo com clientes homens costumam ser focadas em rentabilidade desde o primeiro encontro, embora existam exceções. Já com o público feminino, a abordagem da empresa é outra.

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“Primeiro conversamos sobre os objetivos e sonhos, e somente depois aquilo é traduzido para investimentos”, explica. Hoje, a Ellas conta com três assessoras dedicadas a interagir com as clientes mulheres.

Mulheres são mais racionais

Outra diferença, segundo Rebeca, é que as clientes costumam trazer metas relacionadas ao seu contexto familiar. “Ela investe porque quer reformar a casa da mãe, cuidar da educação do filho ou da sua aposentadoria”, explica.

Por esta razão, elas costumam ser bastante racionais e cautelosas na hora de tomar as suas decisões. 

“A mulher se mostra muito mais racional que o homem, pois ela pensa nos filhos, ou na sua microempresa e na sua independência financeira”, explica a porta-voz da Warren. Em contrapartida, ela cita que clientes do público masculino muitas vezes são levados pela emoção e acabam tomando mais risco no mercado.

Além disso, as carteiras de investimentos das mulheres costumam ser mais estáveis, segundo a diretora de marketing da plataforma de investimentos Gorila, Amanda Sanchez. Ela afirma que as mulheres costumam ficar mais tempo nos investimentos, sem migrar de um ativo para outro. “Isso faz com que elas se saiam melhor no quesito rentabilidade”, afirma.

Um levantamento da gestora Vanguard nos Estados Unidos também apontou nesta direção, ao mostrar que as mulheres fazem operações no mercado com muito menos frequência que os homens. Em março de 2020, apenas 4% das clientes da casa fizeram operações, frente 7,5% dos homens.

Segundo o estudo, divulgado no Financial Times, a maior cautela realmente impacta os resultados, que tendem a ser melhores no grupo feminino. Embora também estejam dispostas a assumir riscos, as mulheres gostam de ter mais informações antes de tomar ação, de acordo com a reportagem.

Atualmente, a Gorila conta com 25% de mulheres como clientes em sua plataforma. Mas assim como a Warren, a empresa busca aumentar esta fatia, ao mesmo tempo em que aprimora a equidade de gênero dentro de seu próprio quadro de colaboradores. 

Além disso, a Gorila tem preparado artigos e materiais direcionados para este público, assim como a participação em eventos, fóruns e parcerias com mulheres que falam sobre investimentos.

Mercado feminino de investimentos está evoluindo

Os números de participação das mulheres nos investimentos ainda são desanimadores, mas o mercado está evoluindo. “Há um ano o mercado não se comunicava com a mulher. Hoje vemos mais iniciativas”, destaca Rebeca. 

No passado recente, as iniciativas de atração de mulheres se restringiam a datas comemorativas, como o dia da mulher, enquanto a figura mais perseguida pelas empresas era o estereótipo de um homem branco de gravata, segundo ela. “Hoje já vemos uma mudança nesta persona”, ressalta.

Para Kelly, da Warren, o mercado financeiro sempre foi muito masculino. “A informação sempre esteve disponível, mas a forma com que era abordada nunca foi interessante para as mulheres”, afirma.

Além disso, é bom lembrar que as mulheres tiveram direito de ter seu próprio CPF somente em 1962, assim como conta bancária individual. 

Dados mostram avanços, mas lacuna é grande

De acordo com dados da B3, o número de mulheres investidoras na bolsa de valores chegou a 779 mil em setembro deste ano. Ou seja, quase o dobro das 388 mil vistas um ano antes. No entanto, ainda representam uma fatia de apenas 25% do total, conforme a tabela abaixo.

Ano
HomensMulheresTotal PF
Qtd%Qtd%Qtd
200270.21982,37%15.03017,63%85.249
200369.75381,60%15.72518,40%85.478
200494.43480,77%22.48019,23%116.914
2005122.22078,76%32.96321,24%155.183
2006171.71778,18%47.91721,82%219.634
2007344.17175,38%112.38624,62%456.557
2008411.09876,63%125.38523,37%536.483
2009416.30275,37%136.06224,63%552.364
2010459.64475,24%151.27124,76%610.915
2011437.28774,98%145.91525,02%583.202
2012438.60174,70%148.56425,30%587.165
2013440.72774,79%148.54925,21%589.276
2014426.32275,57%137.79424,43%564.116
2015424.68276,23%132.42723,77%557.109
2016433.75976,90%130.26523,10%564.024
2017477.88777,13%141.73822,87%619.625
2018633.89977,94%179.39222,06%813.291
20191.292.53676,89%388.49723,11%1.681.033
20202.286.39774,58%779.37825,42%3.065.775
*Posição de Setembro/2020

Fonte: B3

Na plataforma do Tesouro Direto, a participação feminina é um pouco maior, chegando a 35%, segundo dados de agosto. O avanço é claro, mas ainda há muito a evoluir.

Desafio atual é grande

Na fase atual de pandemia, as especialistas alertam que as mulheres estão sofrendo um desafio adicional. Devido à desigualdade na divisão das tarefas domésticas e nos cuidados com familiares, elas têm perdido espaço no mercado de trabalho. Com a paralisação das escolas – que no Brasil se prolonga ainda mais do que em outros lugares – o espaço conquistado no mercado de trabalho está sob ameaça.

Em meio a este cenário, os investimentos podem ficar em segundo plano para uma parte da população. Mais um sinal de que falar sobre dinheiro com elas, usando uma linguagem que faça sentido, pode ser fundamental para toda a sociedade.

Como disse a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a mulher tem uma barreira cultural e histórica na hora de falar sobre dinheiro. Para a entidade, suprir esta demanda é uma forma de emancipação social, já que as mulheres têm um papel multiplicador e levam este conhecimento para os filhos e famílias. E os rendimentos também.

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Natalia Gómez

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