Selic deve manter ritmo de queda mesmo com incerteza nos EUA, dizem analistas

A taxa Selic está em trajetória de queda desde agosto de 2023, quando o Copom reduziu os juros pela primeira vez em três anos. Já nos Estados Unidos, a expectativa quanto aos cortes na taxa Fed Funds foi ligeiramente abalada nesta semana, após as falas do diretor do Fed, Christopher Waller.

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Durante evento, Waller afirmou que a redução dos juros nos Estados Unidos deve acontecer este ano, mas em um ritmo um pouco menor. As falas ocorrem uma semana depois de o relatório payroll ter indicado um mercado de trabalho ainda forte e o CPI, índice de preços ao consumidor nos Estados Unidos, ter vindo ligeiramente acima do consenso. Já no cenário doméstico, o IPCA, índice oficial da inflação no Brasil, subiu 0,56% em dezembro, ante consenso de 0,48%.

Somados todos esses fatores, é possível esperar uma mudança na atual trajetória de cortes na taxa Selic? Entenda os principais pontos dessa discussão a seguir:

Como os dados americanos mexem no cenário base

Primeiro, é preciso pensar na situação dos Estados Unidos, uma vez que a economia norte-americana exerce influência sobre todas as outras. Mas, segundo Thiago Lourenço, operador de renda variável da Manchester Investimentos, os dados fortes de payroll e CPI nos Estados Unidos não necessariamente indicam um risco inflacionário por lá, uma vez que esse estágio já teria sido superado.

“O que motivou a alta de juros nos EUA foi o risco de uma inflação desenfreada, principalmente após a pandemia, quando a capacidade produtiva não estava completamente restabelecida, mas havia muita liquidez pressionando o consumo. Agora, quando se observam os dados recentes, é possível perceber que a economia deixou de acelerar e embora uma ou outra medição possa vir acima do consenso, a tendência é de queda na atividade econômica e o risco de uma inflação descontrolada já é remoto”, afirma.

No entanto, como explica Dierson Richetti, sócio da GT Capital, isso também não significa, necessariamente, que o Federal Reserve deva cortar os juros imediatamente.

“Havia uma aposta de 75% do mercado de que haveria cortes em março. Após a última ata do Fomc e de alguns dados, esse número caiu para cerca de 50%. Eu acredito que vá haver uma redução bem baixa, para ver qual será a reação do mercado e desafogar essa pressão. Mas isso só será feito caso os dados derem condição. Então o que era uma certeza para março já não está tão claro assim”, diz.

“O cenário piorou, mas ainda de forma moderada. Acredito que a primeira queda ainda está mantida para março, e que o Fed virá com um discurso duro, dizendo que a batalha contra a inflação não está vencida”, completa Marcelo Oliveira, CFA e sócio-fundador da Quantzed.

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Juros americanos X Selic

Com um cenário mais turvo quanto ao início e à velocidade dos cortes de juros nos Estados Unidos, o Brasil pode, de alguma forma, sentir também um reflexo negativo. No entanto, Thiago Lourenço minimiza esse risco, chamando a atenção para o atual juro real brasileiro, que corresponde a diferença entre a taxa de juros e a inflação de um país.

“Temos uma limitação na redução de juros quando a maior economia do mundo está com as taxas elevadas. Com a taxa Fed Funds permanecendo em patamares elevados, os juros brasileiros teriam também um piso mais alto. Mas o Brasil ainda tem um dos maiores juros reais do mundo e, com isso, há bastante espaço para cortes sem que se perca essa condição”, diz. 

Dierson Richetti vai na mesma linha, afirmando que a questão dos juros americanos tem mais relação com o Ibovespa, uma vez que a redução da taxa tende a trazer mais investimento estrangeiro para a bolsa brasileira.

“Não vejo muita relação entre o corte nos juros americanos e a Selic. Há muito mais um impacto no retorno do investimento estrangeiro para o Brasil, para o Ibovespa ganhar força com essa entrada de capital. Isso sim tem uma relação direta”, afirma.

IPCA acima do consenso não preocupa

Se os dados recentes nos Estados Unidos não representam um risco inflacionário, no caso do Brasil, o mais recente IPCA, que ficou acima do consenso, também não deve ameaçar o atual ritmo de cortes na Selic, diz Richetti.

“O IPCA veio forte, mas não deve impactar essa reunião de janeiro. Eu continuo vendo um corte de 50 pontos-base. Não vejo nenhuma sinalização de estabilização ou de corte menor, porque mesmo que a inflação tenha vindo um pouco mais forte, ela ainda está dentro de uma banda e mostra a estabilização da economia, o que é importante para continuar reduzindo a taxa de juros”.

Já Lourenço chama a atenção para o aspecto político envolvendo o corte de juros no Brasil.

“A narrativa atual é de corte nos juros e essa decisão tem também influência política. A necessidade de colocar o Brasil em um ritmo de crescimento mais consistente do que a última década vai, invariavelmente, pressionar a política monetária para juros reais próximos de zero, mesmo que tenhamos medições mais variáveis do IPCA”.

Até quando o ritmo de cortes na Selic deve se manter?

Nas últimas reuniões do Copom, o forward guidance, ou orientação futura, tem sido o de manutenção dos cortes de 50 pontos-base. Para Richetti, essa magnitude deve se manter, pelo menos, pelas próximas duas reuniões do comitê.

“Na minha visão, haverá corte de 50 pontos-base nas duas próximas reuniões. Mas, depois disso, creio que o ritmo já deva cair para 25. Isso porque a economia e a população precisam absorver esses cortes, e quando eles são feitos de forma muito drástica, há um impacto geral. Mas tudo isso vai acontecer em função dos dados. São eles que farão o Banco Central aumentar ou diminuir o ritmo”.

“Estes 50 pontos-base já estão contratados no mercado e no planejamento do governo. Me parece um caminho sem volta, até chegarmos a uma Selic de pelo menos um dígito (9,75%) ainda em 2024. Após esse patamar, é possível vermos uma redução na velocidade ou pausa nos cortes”, completa Lourenço.

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Guilherme Serrano Silva

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