Lei do Carf: entidade pede ao Congresso derrubada de vetos do governo a projeto que “melhora ambiente de negócios”
Sancionada em setembro, com 14 vetos presidenciais, a Lei do Carf (antigo PL 2384/23) tem sido vista pelo governo com o potencial de gerar R$ 100 bilhões em arrecadação para os cofres públicos em 2024, aproximando sua meta de déficit zero. O texto final, no entanto, encontrou na caneta do presidente em exercício, Geraldo Alckmin, 14 vetos que desagradaram empresas e contribuintes – além de associações de peso como a Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca) e juristas. A Fundação Getúlio Vargas também tem um estudo que trata de um dos vetos – sobre multas – e relaciona o impacto a contribuintes e empresas.
O poder de arrecadação da nova Lei do Carf se dá tanto via recuperação de rotina do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), quanto com as novas modalidades de transações tributárias, na resolução de conflitos e também na Receita Federal.
Ponto de destaque da Lei foi a volta o ‘voto de qualidade’ no Carf, que havia sido extinto em 2020 e dava vantagem às empresas nas votações do conselho que terminassem empatadas. Com o retorno, o voto de minerva será retomado aos presidentes das sessões, geralmente ocupada por representantes do Fisco.
Entre os vetos, por exemplo, foi retirada do texto do Carf a permissão para que o devedor oferecesse garantia do valor principal da dívida, deixando de fora os encargos e juros.
Segundo a Presidência da República, os vetos foram realizados por contrariedade ao interesse público e por apresentarem inconstitucionalidades, como os artigos que criavam “medidas de incentivo à conformidade tributária”.
Havia entre elas a redução, em pelo menos um terço, do valor das multas aplicadas pela Receita e a redução das multas de mora em pelo menos 50%. Para o Ministério da Fazenda, o Projeto de Lei “não estabeleceu as balizas para a aplicação da redução, o que poderia causar insegurança jurídica”.
O Projeto de Lei também previa a redução de multas para o contribuinte que adotasse providências para sanar ações ou omissões durante o curso da fiscalização.
Entre as entidades que se posicionaram contra os vetos, a Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca) comentou que o Congresso Nacional havia “melhorado” o PL ao incluir “diversos aprimoramentos no ambiente de negócios” como os relacionados ao sistema de garantias e ao novo marco legal de multas.
A associação, que reúne 440 empresas que representam 88% do valor de mercado da B3, e em conjunto respondem por cerca de 20% do PIB brasileiro, encaminhou ao Congresso Nacional um pedido para que sejam derrubados alguns dos vetos presidenciais.
“As melhorias que iriam promover uma verdadeira reforma no contencioso tributário do país foram vetadas com a justificativa de que são ‘contrárias ao interesse público’, mesmo após um longo debate legislativo. Elas reduziriam o custo com garantias para contribuintes, criavam critérios objetivos para a aplicação de multas pela Receita Federal e estabeleciam penalidades em linha com as práticas internacionais”, diz a Abrasca.
“O PL promove mudanças estruturais no ambiente de negócios do Brasil, especialmente no que se refere às multas e garantias, grandes “dores” do setor produtivo e duas das principais causas do enorme contencioso tributário existente hoje no país. A proposta representa um grande avanço para aprimorar a legislação, reduzir o litígio tributário e trazer segurança jurídica a quem empreende. É uma excelente sinalização para a atração de investimentos”, acrescenta a Abrasca.
Vetos na Lei do Carf: medidas aprovadas no Congresso incorporavam ordenamento jurídico
Ainda segundo a entidade, as medidas vetadas incorporavam ao ordenamento jurídico a jurisprudência criada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) de que as multas acima de 100% hoje aplicadas são confiscatórias e inconstitucionais.
“Após tantos meses de diálogo na busca de consensos e acordos, os vetos do governo da Lei do Carf representam uma frustração para as companhias abertas e o mercado de capitais como um todo”, diz o texto da entidade.
A Abrasca alega que as novas regras sobre garantias, critérios mais objetivos para a aplicação de multas e programas de conformidade voluntária, propostas pelo Legislativo, devem ser mantidas no texto.
“Essas propostas da lei do Carf incorporadas pelo Congresso podem melhorar o ambiente de negócios e não apresentam custos fiscais – merecem, portanto, ser mantidas. As melhorias estão dispostas nos artigos 5º e 8º, itens 4, 5, 6, 7, 13, 14, 15, 16, 17, 18 e 19, cujos vetos merecem ser derrubados”, completa a associação.
Para o advogado tributarista Daniel Lacasa Maya, sócio do escritório Machado Advogados, dos vetos aplicados pelo governo, quatro deles merecem maior destaque e atenção dos congressistas na hora de analisar.
“O primeiro veto, que trata da mudança na lei de execuções fiscais, prevê que a empresa que deu garantia de pagamento só poderia ser liquidada, paga em juízo, após o trânsito em julgado, e isso é um problema porque o Fisco pede ao juiz a antecipação da garantia, o que causa uma série de problemas para as empresas. O próprio STJ está rediscutindo. Se essa regra for alterada, resolve o problema no próprio dispositivo legal, pois, se tem a garantia, no final do processo o débito vai ser pago ou a garantia liquidada”, afirmou Lacasa Maya.
O segundo veto na Lei do Carf que o advogado tributarista considera de essencial revisão é a modificação nas multas aplicadas pela fiscalização federal. Uma dessas regras aprovadas previa que o quando o contribuinte tivesse agido de acordo com uma prática validada anteriormente pela administração, uma prática de mercado, do setor, a multa seria reduzida para um terço do seu valo. Era uma regra que representava um reconhecimento de que o contribuinte não agiu de má fé. E o que veto derruba isso.
Multas ao contribuinte
Há um outro veto importante, segundo Lacasa Maya, ainda no capítulo das multas, quando o Fisco avalia que o contribuinte agiu dolosamente, que o comportamento poderia ser enquadrado como um crime tributário, a multa era de 150%. Foi reduzida no Congresso para 100% caso o contribuinte tivesse divulgado a operação ou não tivesse se omitido quando questionado.
Segundo o advogado, se o contribuinte agiu de forma transparente, não deveria haver qualificação da multa, pois não houve omissão.
“E um quarto veto é o artigo 14 da Lei, também na parte das multas. Havia uma previsão de que a administração tributária deveria alterar seus sistemas para refletir o efeito da Lei. Com efeito retroativo, seria importante que fosse rapidamente implementada pela Receita Federal. E o contribuinte poderia solicitar o retorno do valor pago a mais, e que após o veto pode gerar muitas contingências. O Congresso aprovou essa medida justamente para acabar com contenciosos e melhorar a eficácia da gestão tributária. Então o veto pode levar o contribuinte com direito a essa redução de multa a acionar a Justiça”, completou.
Sobre derrubada de vetos
Sendo 14 vetos no total, ainda não se sabe como será feita essa deliberação no Congresso, se em conjunto ou se examinado um a um. Como é uma decisão política, faz parte do processo democrático que haja negociações.
A convocação de sessão para análise conjunta é prerrogativa do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, que dirige a Mesa do Congresso. Para a apreciação de veto, o regimento fixa que a discussão seja feita em plenário, concedendo cinco minutos aos oradores inscritos para esse fim.
Para a rejeição do veto é necessária a maioria absoluta dos votos de deputados e senadores, ou seja, 257 votos de deputados e 41 votos de senadores, computados separadamente. Registrada uma quantidade inferior de votos pela rejeição em umas das Casas, o veto é mantido.
Estudo da FGV cita insegurança jurídica causada pelos vetos na Lei do Carf
Em 2022, a rede de pesquisa das escolas de direito e economia da FGV fez um estudo sobre a aplicação de um dos instrumentos mais rigorosos adotados pela Receita Federal para punir o descumprimento de obrigações tributárias: a multa qualificada, que corresponde a 150% do tributo devido.
As principais constatações são de que: é a multa federal que mais cresce no país, tem uma das maiores alíquotas do mundo: “Só o Brasil adora critérios subjetivos. Está na contramão dos países ricos e das recomendações da OCDE, gera insegurança jurídica no Carf e na Justiça e por fim, a perda de 6,2% do PIB per capita.”
De acordo com dados fornecidos pela Receita Federal por meio da Lei de Acesso à Informação, entre 2011 e 2019, a aplicação da multa qualificada cresceu 70% em quantidade e 112% em valor. No mesmo período, a aplicação da multa de ofício comum cresceu 10% em quantidade e 23% em valor.
“O modelo brasileiro de combater desvios cria mais normas e sanções gera complexidade tributária. Nosso PIB per capita poderia ser 6,2% maior se tivéssemos o nível médio de complexidade fiscal do México, da Colômbia e da África do Sul”, de acordo com exercício econométrico realizado pela FGV sobre a as multas previstas na Lei do Carf.