MP que prevê taxar isenções de ICMS traz insegurança jurídica e risco de retrocesso para investimentos no Brasil, dizem especialistas

Para aumentar a arrecadação e tentar cumprir a meta fiscal, o governo federal editou a Medida Provisória 1.185/23. A MP 1185 consiste em tributar subvenções de ICMS com impostos federais (IRPJ, CSLL, PIS e Cofins), alterando todo o sistema de tributação e aumentando a carga tributária para muitas empresas. O texto vem recebendo críticas de advogados e especialistas em legislação tributária.

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O tema parece complicado, mas vamos explicar de forma didática. Subvenções de investimentos são incentivos fiscais concedidos por estados, por meio da redução ou até da isenção do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), um imposto estadual. São concedidas para atrair e estimular investimentos produtivos em determinados setores ou regiões.

A prática é comum no Brasil: desde a década de 70, a legislação federal isenta de tributação de renda essas subvenções a empresas que investem no país. Governadores utilizaram muito do artifício para atrair empresas que, apesar não pagarem o imposto, levam investimentos, empregos e aquecem a economia da região.

Em maio deste ano, durante a apresentação do arcabouço fiscal, o Ministério da Fazenda indicou necessitar de um incremento de receitas da ordem de R$ 110 a R$ 150 bilhões. Parte relevante desse montante, cerca de R$ 90 bilhões, viria da tributação dessas subvenções de ICMS.

Dando continuidade ao plano, o governo editou, no fim de agosto, a Medida Provisória 1.185/23 (MP 1185). Apesar de ter efeito imediato, precisa ser validada pelo Congresso Nacional antes de expirar – ou seja, precisa ser votada até o fim deste ano.

Para valer para a partir de 1º de janeiro de 2024, a conversão em lei deve ocorrer em 2023. Se a conversão só ocorrer em 2024, pode haver discussão sobre o início do efeito das novas regras, pois qualquer alteração que implique aumento de tributos precisa ser aprovada no ano anterior para IRPJ e tem que respeitar a anterioridade de 3 meses para CSLL.

MP 1.185: na prática

Na prática, a Medida aumenta a carga tributária das empresas e, por consequência, da população.

Para o advogado tributarista Arthur Barreto, sócio do escritório Donelli, Abreu Sodré e Nicolai Advogados, a MP 1.185 vai ter impacto nos investimentos porque muda completamente a forma de tributar as subvenções, alterando a premissa, como regra geral.

“Todo incentivo fiscal será tratado como receita e a empresa deverá pagar os impostos (federais) devidos. No caso do IRPJ, as empresas poderão reaver, no futuro, o valor pago em forma de crédito fiscal, mas só após comprovar os investimentos realizados”, completou.

Ou seja, pela regra anterior, a empresa que recebia o incentivo fiscal excluía esse incentivo de sua receita e calculava os impostos a partir daquele valor. Com a nova MP do governo federal, cada empresa deverá calcular o valor da subvenção e adicionar no balanço como se fosse parte do faturamento e, aí sim, fazer o novo cálculo. A mordida fica bem maior.

Restringe investimentos

A MP traz novos e mais restritivos requisitos para que uma subvenção seja concedida, o que pode ser entendido como uma barreira a mais para o empresário planejar uma expansão ou mesmo projetar a implantação de sua empresa no país.

Segundo a advogada Ana Lucia Marra, sócia da área de Tributos Diretos e Tributação Internacional do Machado Associados, a MP traz uma grande mudança para o quadro tributário atual.

“A MP ainda pode virar um Projeto de Lei e alguns pontos podem ser alterados nas discussões no Congresso, mas, trabalhando com o texto atual, ele traz um impacto muito grande, pois vai afetar a base de cálculo, mudará o tipo de incentivo e endurecer as regras de enquadramento, restringindo também o tempo da subvenção”, diz.

A tributarista lembra que muitas empresas com incentivo de ICMS não vinculam o incentivo a condições e contrapartidas, o que a nova MP não prevê.

A Abrasca – Associação Brasileira das Companhias Abertas – divulgou uma nota técnica sobre a MP 1185. A Associação diz nesse documento que analisa com preocupação a nova MP para excluir incentivos fiscais de ICMS da base do IRPJ e da CSLL.

Explica: “Em continuidade às medidas de recuperação fiscal divulgadas pelo Governo Federal desde o início deste ano, no último dia 31 de agosto foi publicada a Medida Provisória (MP) nº 1.185/2023 que, de maneira surpreendente, altera a sistemática aplicável às subvenções para investimento, substituindo o tratamento atual por um modelo de apuração de crédito fiscal de subvenção para implantação ou expansão de empreendimento econômico.”

A nota prossegue: “Justificando ‘regulamentar’ a posição dada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o tema e mitigar distorções tributárias supostamente existentes no atual modelo, a MP, na realidade, revogou todo o arcabouço normativo até então vigente sobre a tributação das receitas de subvenções para investimento, construído após amplos debates pelos agentes dos Poderes Legislativo e Judiciário.”

O texto da Abrasca diz ainda: “A MP traz a tributação das receitas de subvenções, para fins de IRPJ, CSLL, PIS e Cofins, possibilitando a apuração de crédito fiscal de subvenções para implementação ou expansão de empreendimento econômico concedidas pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, com limitações de base para constituição do referido crédito e alcance somente para IRPJ. Com efeito, estabeleceu restrições materiais e temporais para a fruição do crédito e tributação, a rigor, de todos os benefícios concedidos pelos entes federativos, em desrespeito ao debate ocorrido no Congresso Nacional e no STJ e STF sobre a matéria, representando grave violação à segurança jurídica. Assim, a Abrasca entende que a MP 1.185/2023 deve ser integralmente rejeitada.”

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Retroatividade

De acordo com a advogada Ana Marra, a medida provisória editada tem poder de ação imediato e, se convertida em Lei, pode deixar um período de insegurança sobre a tributação. Mas, de acordo com a advogada, não está disposto nenhum ato retroativo na MP – ela entrará em vigor e taxará apenas as novas subvenções.

Regiões mais afetadas pela MP

Em artigo publicado no jornal “Correio Braziliense”, a auditora fiscal do Trabalho e chefe do Setor de Mediação, Roseniura Santos, afirmou que a medida é “nefasta para a economia e o mercado de trabalho”, pois, segundo ela, foi ignorada a função socioeconômica das isenções.

Santos ainda prevê muitas batalhas jurídicas que trarão insegurança e desequilíbrio no planejamento econômico-financeiro das empresas.

Em outro ponto do artigo, ela dispõe sobre a economia da região Nordeste, que dispõe das isenções pra atrair investimentos.

“Os impactos sobre a economia e o mercado de trabalho nordestinos são profundos e tendem a agravar a desigualdade regional na medida em que a MPV os Estados nordestinos concentram grande parte dos incentivos fiscais para atrair investimentos”, complementa.

Outros pontos da MP

Segundo o texto da MP, as subvenções oferecidas pelos novos créditos deverão envolver a fixação de condições e contrapartidas, a serem observadas pelas pessoas jurídicas beneficiadas.

Os créditos serão limitados a receitas de subvenção para implementação de novos projetos ou para a expansão de empreendimentos já existentes, que sejam reconhecidas após a conclusão dessas fases.

O conceito de “implantação” se refere a empreendimento em localização geográfica em ente federado diferente daquele onde a pessoa jurídica beneficiada tem domicílio. Ou seja, uma empresa de São Paulo não poderá receber benefício fiscal para implantar outra fábrica em São Paulo.

Nesse mesmo sentido, o conceito de “expansão” da MP 1185 é direcionado a subvenções para ampliação da capacidade, modernização ou diversificação da produção de bens ou serviços do empreendimento econômico, ainda que seja no mesmo domicílio da pessoa jurídica beneficiada.

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Redação Suno Notícias

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