Rússia: líder do grupo Wagner é acusado de iniciar rebelião armada e articular golpe contra Putin; blindados russos são enviados a Moscou
O líder do Grupo Wagner, Yevgeny Prigozhin, foi acusado pelo governo russo neste sábado (24) de iniciar um conflito armado com sua tropa de mais de 25 mil soldados contra a Rússia. Nesta sexta-feira (23) o líder rebelde disse que as forças da Rússia tinham atacado as bases de seus comandados, um grupo paramilitar que lutou com a Rússia na guerra contra a Ucrânia, e ameaçou com represálias o Kremlin, segundo informações do New York Times. Os generais russos afirmam que Prigozhin se rebelou e tenta arquitetar um golpe de estado contra o presidente Vladimir Putin.
Foram enviadas tropas e tanques russos para as ruas de Moscou. Os russos anunciaram que vão tentar capturar Prigozhin para prendê-lo.
Na madrugada de sábado (24), Prigozhin afirmou que as tropas do Wagner estão em Rostov, uma região no Sul do país, próximo à Ucrânia, a 1083 km de Moscou, e tomou postos de controle russo. O líder do Wagner postou que não teve resistência dos militares que estavam nessas bases.
“Vamos destruir qualquer um que esteja no meio do nosso caminho, Estamos avançando e queremos ir até o o fim”, afirmou. Áudios vazados de Prigozhin com seus comandados indicam que o objetivo é seguir até Moscou, informou a Reuters.
Prigozhin disse que seus soldados derrubaram um helicóptero russo. Soldados do Wagner estão na cidade de Rostóvia do Dom, disse a agência de notícias Reuters.
O governador Igor Artamonov, de Lipetsk, na Rússia, disse, no Telegram, segundo o NYT, que o tráfego foi interditado em um trecho da M-4, rodovia norte-sul que passa por Rostov-on-Don. Artamonov, postou ainda que bloqueio ficava na fronteira das regiões de Lipetsk e Voronezh.
O presidente dos EUA Joe Biden disse que está acompanhando os desdobramentos do motim, na que pode ser a maior crise do governo Putin desde que assumiu o poder, em 1999.
O líder do grupo Wagner diz que o governo de Putin é corrupto e incompetente, e vem aumentando o tom das críticas nas últimos meses, dizendo que as forças de Moscou têm atacado bases com seus comandados no sul do país com mísseis. “Lançaram bombas contra acampamentos”, acusou Prigozhin.
Os soldados do grupo mercenário – uma organização paramilitar fundada em 2014 – lutaram com a Rússia na ofensiva contra a Ucrânia e somam 25 mil combatentes. Jornais europeus falam que o número pode chegar a 50 mil. A maioria desses soldados teria sido recrutada em prisões da Rússia. Prigozhin disse que pretende marchar com eles por justiça “contra o mal na Rússia” e matar “qualquer um que estiver no seu caminho”, referindo-se aos militares e ao Kremlin.
Líder rebelde diz que “russos serão punidos”
“Os que mataram nossos rapazes e tiraram dezenas de milhares de vidas de soldados russos na Ucrânia serão punidos”, afirmou o líder do grupo mercenário, segundo matéria da BBC.
O jornal The Guardian informou que Prigozhin também acusa o Ministério da Defesa da Rússia de “enganar o público e o presidente de espalhar a história de que houve agressão do lado ucraniano”, para justificar a invasão ao país vizinho.
O governo russo afirma que o Grupo Wagner pretende iniciar uma guerra civil no país e planeja um golpe de estado para tirar Putin do poder. Diz que as acusações de Prigozhin não “correspondem à realidade”.
Em janeiro, após seus combatentes morrerem em um conflito em Bakhmut, leste da Ucrânia, o líder do Grupo Wagner, Prigozhin, fez uma oferta inesperada à Ucrânia, segundo o jornal Washington Post.
Prigozhin deu sinais de que mudaria de lado na guerra – de acordo com o jornal, ofereceu à Ucrânia informações sobre bases russas, em troca da retirada dos ucranianos de Bakhmut.
Comunicou-se outras vezes com os militares ucranianos, apontam documentos de inteligência dos EUA vazados na plataforma Discord.
Rússia: “Rebelião armada”
De acordo com o NYT, as autoridades russas abriram uma investigação sobre o chefe dos mercenários do Wagner por “organizar uma rebelião armada”. Essa apuração pode resultar em até 20 anos de prisão. Um dos homens mais poderosos da Rússia, o magnata Prigozhin fez uma série de acusações contra os generais do país, afirmando que eles enganam Putin sobre a real situação no front de batalha.
Segundo o jornal americano, baseada em informações sobre um possível golpe, a Rússia mandou veículos blindados para as ruas de Moscou e para Rostov, cidade do sul da Rússia, perto da fronteira com a Ucrânia, após Prigozhin ameaçar represálias ao militares alinhados com Putin.
O jornal diz ainda que não existem relatos de conflitos em ruas da capital ou de outras cidades russas. Vídeos que circulam amplamente em redes sociais indicam, porém, que veículos blindados militares e da guarda nacional ocupam vias de Moscou e em Rostov. Esse ponto fica próximo à linha de frente na Ucrânia. Ali, relata o NYT, caças de Prigozhin estão preparados para um possível ataque.
A Rússia invadiu a Ucrânia em fevereiro de 2022, iniciando a guerra contra o país vizinho. Seria uma ação “relâmpago” para ocupar o território ucraniano. A previsão era de que a operação fosse rápida, mas o conflito já se estende por dezesseis meses, deixando milhares de mortos. A guerra, que matou civis e militares, mexeu com a economia no mundo todo — e seus efeitos vão desde a crise de refugiados até elevação dos índices de inflação e mudanças drásticas do comércio internacional de commodities e insumos.
Um golpe contra Putin levaria a mais um abalo no mercado internacional, mexendo em preços de ativos, no comércio internacional e no preço do petróleo.
Chefe do grupo Wagner acusa Rússia de ataques a combatentes
Prigozhin acusou o Ministério de Defesa da Rússia de atacar acampamentos do Grupo, matando uma enorme quantidade de combatentes. No Telegram, segundo o NYT, o líder dos mercenários emitiu uma gravação de voz dizendo que seus combatentes estavam se aproximando da Cidade de Rostov, que fica no sul da Rússia. “Estamos indo mais longe. Iremos até o fim”, disse ele.
“Os russos nos enganaram sorrateiramente, tentando nos privar da oportunidade de defender nossas casas e, em vez disso, caçar Wagner. Estávamos prontos para chegar a um acordo com o Ministério da Defesa para entregar nossas armas e encontrar uma solução para continuarmos defendendo o país. Mas esses canalhas não se acalmaram”, disse Prigozhin na nota de voz postada no Telegram.
Em um vídeo nas redes sociais, o general Sergei Surovikin, comandante das forças russas que lutaram na Ucrânia por vários meses antes de ser substituído em uma reorganização, lançou um apelo aos combatentes do Wagner: “Somos do mesmo sangue, somos guerreiros, o inimigo está esperando que a situação política interna do país piore. Você não pode fazer o jogo do inimigo.”
O Wagner de Prigozhin foi fundamental, lembra o NYT, na ofensiva russa na Ucrânia. Nos últimos meses, passou a acusar o alto escalão militar e político da Rússia de corrupção e “indiferença com a vida dos soldados”. Nesta sexta-feira, ele pediu vingança contra o Ministério da Defesa da Rússia e repetiu que os militares russo atacaram os combatentes do Wagner.
“Somos 25.000 e vamos descobrir por que o caos está se alastrando pelo país”, disse Prigozhin, segundo o New York Times.
Prigozhin é – também segundo o NYT – dono de restaurante de São Petersburgo. Aumentou suas conexões com Moscou ao conseguir fechar contratos com o governo russo. Teria estreitado ainda mais as relações com líderes do país ao montar uma “fábrica de trolls”, com disseminação de fake news na eleição presidencial dos EUA em 2016, a que elegeu Donald Trump. O grupo Wagner e Prigozhin também foram lutar na Síria defendendo a Rússia.
Rublo despenca
O jornal de negócios russo RBK relata que o rublo caiu para 94,9 por dólar para clientes que desejam vender a moeda russa e comprar dólares americanos online no Tinkoff Bank.
A moeda da Rússia estava sendo negociado em torno de 84 rublos por dólar.
Guerra na Ucrânia: como o conflito deixou a economia global fragilizada
Segundo dados divulgados pela Organização das Nações Unidas (ONU), que classifica a crise de refugiados ucranianos como a pior na Europa desde a Segunda Guerra Mundial, a ofensiva russa provocou a fuga de 18 milhões de pessoas da Ucrânia.
Ainda conforme a ONU, mais de 7.000 civis morreram desde o começo da guerra iniciada pela Rússia. No entanto, a entidade ressalta a dificuldade de obter dados da região e aponta que o número de mortos é muito maior. Segundo informações do Exército Norueguês, há cerca de 300 mil mortos. Destes, 30.000 mil civis.
Além da crise humanitária e de refugiados, o maior conflito armado desde a Segundo Guerra ampliou problemas sociais e econômicos que já afetavam a Europa, EUA e países da América Latina em decorrência da pandemia do coronavírus — afetando a cadeia de oferta e os mercados globais, pressionando a inflação do mundo todo.
“[A guerra] afetou praticamente todas as economias direta ou indiretamente por causa da questão energética e de grãos, que acabou por gerar um efeito em cascata de aumento de preços”, afirmou Idean Alves, chefe da mesa de operações da Ação Brasil Investimentos, lembrando que a Rússia era a principal fornecedora de energia e gás natural da Europa.
Somente em relação ao gás, a Rússia era responsável por 41% do fornecimento para a União Europeia. O país exportava ainda a maior parte do carvão do bloco, com 47% das vendas sob a sua tutela. Além disso, o país comandado por Vladimir Putin também era considerado o principal fornecedor de petróleo da Europa, fornecendo 27% das importações para a região. Com as sanções impostas à Rússia, o país passou a vender a commodity em maior volume à China e à Índia.