A era da desilusão: Wall Street parou de acreditar em unicórnios?

O humor mudou em Wall Street. O conto de fadas dos unicórnios já não está mais encantando os mercados acionários. E quem acaba pagando por isso são os pequenos investidores, que chegaram por últimos na corrida para conquistar uma fatia desses sonhos hi-tech.

Que o vento estavam mudando na principal Bolsa de Valores do planeta era percebível já há alguns meses, analisando o andamento das ofertas públicas iniciais (IPO) das empresas tecnológicas mais esperadas pelo mercado. Aquelas com avaliações superiores a US$ 1 bilhão que ainda não abriram seu capital, e que ganharam o apelido de “unicórnios”.

Esse nome foi criado pela investidora Aileen Lee há seis anos. Naquele momento eram raridades: apenas 39. Hoje são cerca de 150, e continuam aumentando.

Atualmente, entre os unicórnios com maior avaliação está a chinesa Didi (o Uber da Ásia), com cerca de US$ 57,6 bilhões. Até poucos dias atrás a segunda posição era ocupada pela WeWork. A gigante do co-working tinha alcançado US$ 47 bilhões.

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Entretanto, logo antes de seu IPO, a empresa de compartilhamento de escritório acabou encalhando no ceticismo dos potenciais investidores. A principal preocupação era o profundo vermelho registrado em suas contas. Cerca de US$ 1,37 bilhão de perdas somente na primeira metade de 2019.

Tentando manter a operação de abertura do capital, a Diretoria da WeWork e os banqueiros coordenadores do IPO aceitaram, em um primeiro momento, precificar as ações com um mega-desconto. A avaliação caiu para apenas US$ 15-20 bilhões, ou até menos. Em seguida, aceitaram a derrota, cancelaram o IPO e o postergaram para um futuro não definido.

A era da desilusão com unicórnios

Além da WeWork, postergaram seu IPO também a Endeavour, a agência de talentos de Hollywood, que possui, entre outras coisas, a marca “Miss Universo”, e opera também na área das mídias digitais.

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A decisão foi tomada após o fracasso da estreia na Bolsa de Valores de Nova York da Peloton. Empresa que se auto-define como a “Apple do fitness”. O preço por ação tinha sido fixado em US$ 29 no IPO, mas as cotações colapsaram 11% apenas no primeiro dia de negociações, em 26 de setembro.

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Essa foi a segunda pior estreia de 2019 para empresas que levantaram menos pelo menos US$ 500 milhões. Atualmente, as ações da Peloton estão cotadas em US$ 23,52, cerca de 25% a menos do que o preço do IPO.

Empresas inovadoras, histórias complexas

WeWork, Endeavor e Peloton são empresas inovadoras com histórias complexas. A primeira foi fundada em 2010 pelo empresário Adam Neumann, famoso por seu estilo de vida excêntrico e exagerado.

O fundador tinha desenhado a governança da start-up em sua total vantagem, mas isso emergiu apenas muito tempo depois, quando foi depositado o prospecto do IPO.

Cancelada a estreia na Bolsa de Valores, Neumann foi forçado a deixar sua posição de CEO e renunciar a seus “superpoderes” garantidos pelas ações privilegiadas que possuía, e que lhe forneciam o controle da empresa.

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Por sua vez, a Endeavor começou sua atividade há dez anos, representando as estrelas do cinema e até personagens do calibre de Donald Trump. Em seguida, se lançou em uma série de aquisições muito caras, criando também uma plataforma de streaming.

A Peloton, por outro lado, não produz apenas aparelhos de luxo para academias. A empresa é também uma gigante midiática que cria conteúdos e os distribui com assinaturas na internet.

O que une essas três empresas é que elas tentaram desembarcar em Wall Street com avaliações astronômicas em relação ao seus faturamentos e a profundidade de suas perdas. Níveis de bolha da internet do começo dos anos 2000, inchados pela grande quantia de capitais que afluíram nos fundos de venture capital e private equity procurando start-ups na moda e rezando para ter uma rentabilidade elevada no futuro.

Entretanto, as pessoas físicas que operam na Bolsa parecem ter perdido o apetite para esse tipo de negócios. Aparentemente, os pequenos investidores estão mostrando uma maior racionalidade em relação aos grandes fundos.

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Há vinte anos o mercado financeiro norte-americano acolhia com entusiasmo start-ups com pouco faturamento e escassas perspectivas de lucros como Webvan e theglobe.com. Foi a famosa bolha da internet, que terminou com o colapso das “.com”, e que levou a bancarrota de grande parte dessas empresas de tecnologia.

Hoje as start-ups chegam no mercado acionário muito mais tarde e com faturamentos muito mais robustos. Entretanto, se registram perdas pesadas são redimensionadas imediatamente pelo próprio mercado.

Dois exemplos são muito explicativos. Lyft e Uber, os dois maiores aplicativos de transporte urbano, perderam, respectivamente, 40% e 30% de seu valor em relação ao preço fixado em seus IPOs, realizados no começo do ano.

Os investidores chegaram a avaliar US$ 15 bilhões de dólares o Lyft e US$ 72 bilhões o Uber. Hoje o Lyft vale US$ 11 bilhões e o Uber apenas US$ 50 bilhões.

O problema é que os pequenos investidores que compraram as ações na estreia perderam muito mais do que os grandes investidores. Isso pois muitos deles têm um relacionamento privilegiado com as próprias start-ups e com os bancos de investimento, tendo assim o privilégio de poder comprar ações abaixo do preço do IPO.

Wall Street desencantada

Apenas um terço das empresas que abriram seu capital esse ano registram atualmente cotações superiores ao preço do IPO. Um evidente de desencanto de Wall Street.

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Não por acaso, sentido o clima na principal Bolsa de Valores do mundo, outros unicórnios famosos, como Airbnb ou Palantir, decidiram postergar seus projetos de cotação. E se um dia, eventualmente, essas empresas enfrentarem os mercados, elas sabem que deverão chegar no pregão com as contas em ordem e avaliações sensatas.

Carlo Cauti

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