‘Dólar sorriso’: entenda a teoria e como ela mexe com a moeda
Em meados de 2010, o economista Stephen Jen criou a tese do dólar ‘smile’, fazendo uma analogia com um gráfico teórico que mostra duas pontas em alta e um ‘vale’, lembrando um sorriso. Ambas as pontas do gráfico mostram um dólar em alta, ao passo que a parte em que a linha está em baixa representa um dólar em queda.
Com isso, Jen aponta que a alta do dólar pode estar vinculada a mais de um motivo: o de um cenário de aversão ao risco e o de um cenário de melhora ou percepção de melhora da economia dos Estados Unidos.
No caso da ponta à esquerda, a primeira, há uma alta que decorre do fato de que investidores e o capital global de uma forma geral tende a ser dolarizado em momentos de maior risco, dado o fato de que o dólar é considerado uma moeda forte.
Para o economista Paulo Paiva, o momento atual mostra um dólar entre o esta ponta e o vale, quando o dólar cai.
“A economia americana mostra uma ‘briga’ entre o lado esquerdo o meio do gráfico, de baixa, por causa de fatores globais como inflação na Europa e desaceleração na China, além da inflação nos EUA e o fato de o Fed ainda estar pessimista, com falas dificilmente positivas por parte do Powell [presidente da autoridade monetária]”, comenta.
Em relatório da área de research global da Standard Chartered’s, analistas apontam que vários clientes expressaram preocupação de que a desaceleração da economia dos EUA e o potencial mau desempenho do mercado de ações ocasionem um evento em que a transição seja rápida do ‘vale’ do gráfico para um cenário em que a moeda dispare em virtude da aversão ao risco.
“Achamos que a porção negativa do dólar dentro do gráfico de sorriso pode ser mais ampla e mais plana do que se tem”, comenta o especialista, que acrescenta outra analogia: nesse caso o sorriso seria mais parecido com o da Mona Lisa do que o do Coringa.
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O documento aponta que a moeda americana lida com diversos fatores no momento. O analista observa que a flexibilização das expectativas de aumento dos juros pelo Fed reduz a probabilidade de uma crise de liquidez do dólar entre tomadores de empréstimos estrangeiros privados e fundos soberanos.
Além disso, diz que a atividade econômica global e a divergência da taxa de juros aumentaram de forma incomum a favor do dólar neste ano, e agora há o retorno a um contexto de divergências ‘mais normais’.
Para onde vai o dólar
Os dados do índice que medem a força do dólar contra uma cesta de moedas, o DXY, apontam uma queda de 3,07% no acumulado dos últimos seis meses – ante uma alta de 7,8% em uma janela maior, de 12 meses.
Na cotação do dólar ante o real, há uma valorização de 2,57% nos últimos 30 dias, para atuais R$ 5,22.
O consenso do mercado financeiro, traduzido no Boletim Focus, mostra um dólar a R$ 5,25 no fim de 2023 e R$ 5,30 no ano de 2024.
A projeção do BTG Pactual é de R$ 5,30 para este 2023, considerando uma depreciação derivada de fatores como a incerteza fiscal e os movimentos do Fed que sinalizam um fim do ciclo mais longe.
Em uma análise alternativa com dados coletados até o dia 6 de fevereiro em um modelo de alta frequência, a casa estima uma taxa de câmbio marcando o ‘fundo’ do ano em meados de março e abril, com dólar em R$ 5,01.
Após isso, a expectativa é de que ocorram solavancos e a moeda rompa a marca dos R$ 5,30 em setembro.
Fed e Copom pressionam moedas
No seu parecer, analistas do BTG destacam que o comitê de política monetária dos Estados Unidos (Federal Open Market Committee, ou FOMC) confirmou as expectativas ao elevar os juros para uma banda entre 4,5% e 4,75%, desacelerando o ritmo de alta em relação à última reunião.
“A comunicação reduziu a possibilidade de encerramento do ciclo em março, sinalizando que ainda não atingiram o patamar suficientemente restritivo necessário para a desaceleração da inflação. O [presidente do Fed, Jerome] Powell foi novamente questionado sobre a precificação na curva futura de uma redução de juros no próximo semestre e reforçou, assim como já tinha feito em outras aparições, que cortes na taxa não serão apropriados para este ano”, apontam os especialistas.
Segundo a casa, a consolidação deste cenário deve pesar negativamente sobre o Real.
Marcos Trabbold, diretor operacional da B&T Câmbio, aponta que o fluxo cambial deve enfrentar algumas mudanças com o cenário de juros americanos.
“É normal que, com juros altos, saia capital daqui. Isso sempre aconteceu. Quando novamente o Fed começar a cortar juros, teremos uma volta dos recursos”, comenta.
O especialista ainda lembra que há um diferencial no contexto global do momento que é ‘difícil de equalizar’: o fato de termos juros e inflação em patamares relativamente elevados.
Apesar disso, diz que o cenário de câmbio também deve mudar conforme as diretrizes do governo.
Brasília ainda é fator relevante, com incertezas fiscais
Afora as atas de reuniões do Fed e do Copom e o que falam Powell e Campos Neto, é praticamente unânime entre especialistas que o câmbio deve sofrer volatilidade com o cenário fiscal, dadas as discussões acerca do arcabouço.
“[O investidor] precisa ficar atento à movimentação do governo, algumas coisas que espantam em um primeiro momento. O governo está um pouco afoito, falando muita coisa ao mesmo tempo. Ainda há que se aguardar novidades e monitorar o impacto do superávit”, comenta Trabbold.
Paiva, comenta que o cenário pode pesar na balança do câmbio e mostrar queda do Real ante o dólar com sinalizações negativas de Brasília.
“O fluxo cambial poderia ser positivo. A economia brasileira tem uma boa tendência de alta, o problema é que o mundo inteiro tem visto o governo atual como imaturo, dado o populismo”, comenta.
Leonardo Paiva e Arthur Mota, do BTG Pactual, apontam que esse contexto deve impactar a Selic e, por ventura, o câmbio – dado que são ‘vasos comunicantes’ da economia.
“No Brasil, o quadro de juros parece caminhar para a manutenção dos vencimentos mais curtos próximos à Selic atual, considerando que o quadro de taxa elevada por um bom tempo está consolidado. Quanto aos vencimentos mais longos, o noticiário em relação ao arcabouço fiscal será essencial para a precificação do prêmio de risco, mas entendemos que, independente do resultado, devemos seguir em um nível de juros maior que o observado nos últimos anos”.
Além disso, logo no início apontam que a cotação do Real nas últimas semanas apresentou novamente volatilidade acima da média para o período, o que esperam ser “um retrato de 2023”, considerando incertezas do cenário fiscal e monetário.
“Após romper rapidamente a barreira dos R$/US$ 5,00, o câmbio voltou a ficar mais próximo do teto das nossas projeções para o primeiro trimestre deste ano, em R$/US$ 5,24. Seguimos acreditando que o contexto de incerteza acima do usual deve resultar na taxa negociando em patamar mais depreciado”, concluem, sobre o dólar.