A trajetória do Brasil como um dos países mais renováveis em energia do mundo
Em grande parte dos países, as matrizes energética e elétrica são compostas predominantemente por fontes de energia não renováveis e altamente poluentes. Com efeito, somente 19% das fontes de energia e 36% das fontes de eletricidade mundiais são provenientes de fontes limpas.
O Brasil tem uma situação bem diferente da média global nesse aspecto: temos 41% da nossa matriz energética e 82% da nossa matriz elétrica provenientes de fontes renováveis. São números muito positivos e relevantes, que nos colocam em uma situação global privilegiada, principalmente na trajetória do cumprimento da meta do Acordo de Paris de zerar as emissões de gases de efeito estufa até 2050. Não à toa, o setor de energia responde por 41% das emissões mundiais de carbono, enquanto no Brasil esse percentual é de apenas 18%.
Para entender o contexto dos números acima, precisamos reconhecer que o Brasil possui capacidade geográfica bastante favorável para a geração de energia renovável em abundância. Por exemplo, temos a maior bacia hidrográfica do mundo, fator que permitiu a criação de grandes projetos hidrelétricos no país. Historicamente, os governos brasileiros acreditaram no potencial das águas para gerar eletricidade. Para se ter uma ideia, há 20 anos, 85% de toda a energia elétrica gerada no Brasil era originária de fonte hídrica.
Atualmente, no entanto, as hidrelétricas respondem por 54% do total de energia gerado no país. Essa queda de representatividade está acontecendo, principalmente, por conta das crises hídricas, cada vez mais recorrentes no Brasil, fator que vem comprometendo a capacidade das hidrelétricas no atendimento às demandas de energia elétrica no Brasil. Assim, outras fontes, também renováveis e competitivas, estão surgindo para ocupar esse espaço na nossa matriz. Dentre elas, as principais são a solar, eólica e biomassa.
A energia solar se tornou no final de 2022 a 2ª maior fonte elétrica do Brasil, segundo a Absolar (Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica), com 23.9 GW de capacidade instalada. O crescimento dessa fonte foi impulsionado pela queda nos custos de instalação dos painéis solares e, principalmente, pelo segmento de geração distribuída (painéis solares em residências e estabelecimentos comerciais), que até o meio de 2023 conta com benefício tributário relevante.
Já em relação à energia eólica, o Brasil investiu mais de R$187,1 bilhões nessa fonte somente na última década, gerando uma capacidade instalada de 23.8 GW, com o Nordeste representando mais de 80% dessa capacidade. A maioria dos parques eólicos é onshore (na costa), o que significa que temos ainda uma grande oportunidade para investimentos offshore.
Por fim, em relação à biomassa, podemos afirmar que o Brasil tem uma expertise muito grande no tema. Quase 19% da sua matriz energética é coberta por derivados de cana de açúcar, principalmente, com o uso do etanol no setor automobilístico. Também, tem seu papel na nossa matriz elétrica, com a queima do bagaço da cana para produção de energia elétrica. Atualmente, temos cerca de 413 usinas no Brasil que usam esse insumo como combustível.
Apesar dos avanços e elevados investimentos realizados em todas as fontes citadas acima nos últimos anos, o fato é que o Brasil ainda tem um caminho relevante pela frente para reduzir sua dependência da energia renovável proveniente das hidrelétricas. Com os efeitos das mudanças climáticas cada vez mais eminentes, a falta de chuvas representa um enorme risco para a segurança energética do Brasil. Sendo assim, não podemos parar por aqui. Se o País quiser continuar sendo referência em energia renovável, nós precisamos seguir investindo e criando as condições (via mecanismos de incentivos, por exemplo) para que o país possa capturar o enorme potencial que tem em energia solar, eólica e biomassa.
Caso tenha sucesso nesse caminho, o Brasil tem potencial para ganhar um protagonismo ainda maior no processo de transição energética global, abrindo espaço para novas rotas bem interessantes, como a do hidrogênio verde, combustível chave para descarbonizar transportes de alta carga, e que necessita de fontes de energia renováveis em abundância para ser produzido. A oportunidade está aí. Não podemos perdê-la.
*Este artigo foi escrito por Patrícia Nader e Mirella Bonadio