Lula critica Banco Central e quer mudança na meta de inflação; mercado reage mal
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez críticas à independência do Banco Central (BC) nesta semana. O chefe do Executivo questionou o “exagero na meta de inflação”, que é definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), para este ano. Para 2023, é de 3,25%, com intervalo de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo. A fala não foi recebida pelo mercado financeiro, e o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha (PT), teve de intervir para acalmar o mercado.
“Você estabeleceu uma meta de inflação de 3,7%. Quando faz isso, é preciso arrochar mais a economia para atingir. Por que precisava fazer 3,7%? Por que não faz 4,5%, como fizemos [nos mandatos anteriores]? A economia brasileira precisa voltar a crescer”, afirmou o presidente.
Ainda sobre o BC, em entrevista à GloboNews, o presidente provocou: “Nesse país, se brigou muito para ter um Banco Central independente. Achou que ia melhorar o que? É uma bobagem achar que um presidente do Banco Central independente vai fazer mais do que quando o presidente (da República) é quem indicava. Eu duvido que esse presidente do Banco Central seja mais independente do que foi o (Henrique) Meirelles.”
Segundo o economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini, o Banco Central, como instituição, precisa de sua independência, “pois em momentos críticos da economia poderá agir sem uma pressão de ingerência política, como vimos no governo de Dilma Rousseff (PT). Vemos no mundo inteiro pressão política para redução de juros. É algo que mexe com a popularidade do governo”.
Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos, ecoa a reflexão de Agostini. “O presidente Lula foge do curso natural da economia ao falar sobre a autoridade do Banco Central e a necessidade de alterar a meta de inflação do país. Isso acaba gerando uma expectativa incerta sobre a indicação do presidente do Banco Central em 2025 pelo governo”, disse.
Roberto Campos Neto exercerá seu mandato à frente da entidade até 2024, e já afirmou diversas vezes que não tem interesse em ser reconduzido ao cargo.
O mercado observa com atenção a falta de alinhamento entre o presidente que tomou posse de seu terceiro mandato há 19 dias e a instituição.
Ainda na quinta-feira (19), em uma palestra na University of California, nos Estados Unidos, Campos Neto tentou amenizar a situação e reagiu às falas de Lula dizendo que “em algumas dessas entrevistas, muitas coisas são tiradas de contexto (…). Eu acho que ele quis dizer que ‘você poderia ter independência sem a lei e fazer as coisas funcionarem’”. Contudo, o chefe do BC reafirmou a importância da independência da instituição como fruto de deliberação entre os poderes.
Credibilidade de ministros é minada com autoridade política de Lula
Os primeiros 100 dias de um novo governo são muito importantes. É nesse período que se constrói popularidade e é quando o eleitorado quer ver as promessas de campanha sendo cumpridas. Após esse intervalo, um primeiro balanço da gestão costuma ser difundido, por isso a urgência na apresentação de medidas.
“Não apenas a base política fica no radar, mas um apoio do Congresso Nacional também. Para isso, Lula deve continuar reforçando suas promessas de campanha. Ele sabe que não pode mudar algumas coisas, como a autonomia do BC, mas joga ‘para a sua torcida’”, comenta Agostini.
Uma das grandes contradições nos primeiros 20 dias de “Lula 3.0” foi a discordância com Fernando Haddad (PT). O ministro da Fazenda tem mostrado um caráter fiscalista, de responsabilidade com as contas públicas, enquanto o presidente vai na contramão das medidas com suas declarações.
“Haddad está se mostrando preocupado em colocar as contas públicas em ordem. Ele tem reforçado a ideia da reforma tributária, então o CMN, que tem o ministro da Fazenda como presidente do Conselho, não vai se preocupar com a alteração da meta de inflação agora”, diz Agostini.
No entanto, a pressão política entra em jogo, com a voz de Lula sendo a mais alta, e a bolsa de valores responde aos desencontros. As medidas fiscalistas de Haddad, que tem assumido uma postura contrária à esperada por um ministro da Economia do PT, têm agradado o mercado, enquanto Lula ainda tem provocado incertezas quanto à sua própria condução da economia.
“Quando Lula desautoriza seus ministros, gera um efeito contraproducente, visto que eles estão seguindo uma linha diferente da apresentada nas falas do presidente. O mercado repercute muito mais um cenário no qual o presidente se sobrepõe do que efetivamente as medidas apresentadas pelos ministros – como o plano econômico de Haddad. O ministro vem buscando sua credibilidade para executar o projeto”, ponderou Étore Sanchez.
Para Agostini, apesar do desgaste gerado pelas falas de Lula, ainda é muito cedo para tomar conclusões. “Nada foi enviado ao Congresso, Lula ainda busca apoio, e isso começa com o povo. Haddad faz um papel de pararraio. Lula bate de um lado, ele segura e tenta conversar com o mercado. Também vimos isso com Paulo Guedes e Jair Bolsonaro (PL). O ex-presidente chegou a desautorizar Guedes e dizer que o ministro entendia de economia e ele de política”.
Contudo, Agostini avalia que Lula não deve insistir em um desgaste da imagem de Haddad. “Guedes era do mercado financeiro e não político. Haddad é político de carreira e também do PT, inclusive a aposta para a presidência em 2026. Um desgaste com Haddad seria o mesmo no governo e no partido”, complementou.