Americanas (AMER3): Fornecedores pressionam por capitalização e teriam suspendido faturamento
Os fornecedores da Americanas (AMER3) pressionam a companhia para optar pela injeção de capital pelos acionistas de referência, a 3G Capital, formanda pelos bilionários Jorge Paulo Lemann, Marcel Herrmann Telles e Carlos Alberto Sicupira. A opção é vista pelos fornecedores como ponto crucial na visão dos fornecedores para destravar o fluxo de vendas de novas mercadorias para a varejista.
Desde a semana passada, quando o rombo bilionário da Americanas se tornou público, parte da indústria de bens duráveis teria interrompido o faturamento para companhia. Segundo um deles, a questão é saber se os acionistas “vão colocar dinheiro ou não”.
Outro executivo da indústria de bens duráveis confirmou à reportagem que está “em compasso de espera” das negociações sobre o futuro da empresa antes de aprovar novas vendas, mesmo tendo seguro de crédito.
Outros fornecedores reconhecem o risco de uma interrupção do fluxo de mercadorias por um período mais longo quebrar a varejista. Por isso, buscam uma saída negociada.
O termo dessa tratativa seria a indústria aprovar uma nova venda mediante o pagamento à vista de uma parcela de uma venda mais antiga. Para um executivo, isso “diminuiria a bola de neve”.
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Com 1,8 mil lojas físicas, a Americanas é um canal de vendas importante para a indústria, que precisa da varejista para escoar a produção.
Indústrias dizem que a suspensão momentânea das vendas não chega a afetar os negócios da varejista porque há estoques.
Entretanto, segundo outro fornecedor, a Americanas suspendeu compras até segunda ordem. Por isso, os produtos são agora vendidos para varejistas como Magazine Luiza (MGLU3) e Via (VIIA3).
No shopping virtual da companhia, há também fornecedores que interromperam nos últimos dias vendas de novas mercadorias.
Judicialização do caso Americanas
Parte dos fornecedores da Americanas já começa a se preparar para um eventual processo de recuperação judicial da empresa.
A varejista conseguiu uma liminar que suspende o pagamento de vencimentos da companhia por 30 dias, prazo que tem para entrar com um pedido de recuperação judicial.
Em razão disso, as empresas que fornecem produtos e serviços para a rede já começaram a buscar orientações de advogados para saber como proceder.
Segundo um especialista em direito contencioso, a maior parte das ligações que recebeu nos últimos tempos é de fornecedores buscando informações.
É fato que o crédito ficará mais escasso e caro para a Americanas, o que tem implicações em sua operação e fornecimento de produtos.
Até onde se sabe, as inconsistências contábeis encontradas na companhia se deram por operações de crédito para o financiamento de produtos, conhecidas como “risco sacado”, que não eram reportadas como dívida.
Os R$ 20 bilhões foram reportados de forma errada e agora a companhia teve suas notas de crédito rebaixadas pela S&P Global Ratings, Moody’s e Fitch.
Nesta terça-feira (17) a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) abriu mais um processo – o quarto – relacionado à Americanas.
O procedimento iniciado na segunda-feira pela Superintendência de Relações com Empresas da CVM se refere à supervisão de notícias, fatos relevantes e comunicados. Os demais vão apurar a consistência de dados contábeis e informações privilegiadas e manipulação do mercado.
Mesmo antes dessa repercussão, grupos de fornecedores já demonstravam apreensão em relação ao recebimento de valores pendentes com a varejista.
Varejista diz que ‘mantém fluxo normal’
Procurada, a Americanas informou em nota que “mantém o fluxo normal de repasse em seu marketplace e realizou normalmente em 16 de janeiro o pagamento aos sellers. As operações seguem da mesma forma, tanto para pequenos parceiros quanto para indústrias que usam a plataforma da companhia”.
Texto de Ex-CEO
Sergio Rial, que renunciou à presidência executiva da Americanas dez dias depois de assumir o cargo, se pronunciou nas redes sociais ontem, negando insinuações de que sabia dos problemas financeiros na varejista antes de chegar à empresa. “Eu jamais transigiria com a minha biografia”, escreveu o executivo.
“Coube-me, como executivo-líder, primeiro entrevistar executivos remanescentes, questionar e entender quaisquer preocupações e novas perspectivas”, disse.
Segundo ele, que foi anunciado como presidente da Americanas em agosto do ano passado, “nessas conversas, informações e dúvidas foram compartilhadas e com o natural aprofundamento para entendê-las e dar-lhes direcionamentos conjuntamente com o novo CFO (diretor financeiro), Andre Covre, chegamos ao quadro do fato relevante com transparência e fidedignidade!” O executivo disse que “quaisquer especulações ou teorias distintas disso são leviandades”.
Ele disse que “quanto à minha saída, ela decorre do entendimento da necessidade de abrir espaço para que a empresa pudesse se reestruturar de um ponto de partida totalmente distinto do que eu esperava encontrar”. “É preciso saber o momento de se posicionar dentro de um novo contexto que se apresenta”, escreveu Rial para justificar sua renúncia ao cargo de CEO da Americanas em menos de duas semanas.
Com Rial, Covre, que havia assumido a direção financeira no mesmo dia que o agora ex-presidente, também deixou seu cargo.
Crise põe em xeque ‘páscoa de ouro’
O posto da Americanas de maior varejista de ovos de Páscoa do mundo está em risco, depois do rombo bilionário da companhia revelado na semana passada. Grandes fabricantes de chocolates, tradicionais em parcerias com a varejista por ter preços competitivos, estão bastante preocupadas com as vendas para a data.
A dois meses e meio da Páscoa, indústrias pretendem negociar as vendas de ovos de chocolates mediante parte do pagamento à vista, para se resguardar do risco de crédito.
Compradores de redes de supermercados ouvidos pela reportagem disseram acreditar que há risco de “sobrar” ovo de chocolate nesta Páscoa. Nos últimos anos, Americanas conseguia colocar os produtos à venda com preços muito inferiores em relação à concorrência. Por isso, a expectativa é de que os supermercados não tenham o mesmo nível de competitividade que a varejista tinha.
Para Claudio Felisoni de Angelo, presidente do Instituto Brasileiro de Executivos de Varejo & Mercado de Consumo (Ibevar), a crise na Americanas também deve ter impacto nas finanças das fabricantes de chocolate. “A Black Friday do mercado de chocolate é a Páscoa, então, as fabricantes não vão querer vender para a Americanas, e sim para as concorrentes. Mas isso fará o poder do varejo aumentar. Com isso, a margem das empresas de chocolate vai diminuir”, afirma.
Roberto Kanter, professor do MBA de gestão comercial e marketing da FGV e diretor da consultoria Canal Vertical, afirma que a crise da Americanas preocupa o setor de chocolates antes da Páscoa, quando cerca de metade do volume de vendas acontece.
“É provável que a indústria esteja torcendo para que a Americanas continue a operar. Mas a indústria também pode ter planos de contingência, como vender para outras varejistas ou mesmo para lojas que antes não comprariam ovos de chocolate”, diz.
Procurada, a Associação Brasileira da Indústria de Chocolates, Amendoim e Balas afirmou que a Americanas é uma “importante parceira de negócio da indústria” e que acompanha de perto as “atualizações e decisões tomadas pela empresa”.
A Americanas não respondeu ao contato da reportagem para comentar o caso. Nesta semana, a empresa informou ao Estadão que suas operações de varejo físico e digital funcionavam normalmente.
Com Estadão Conteúdo