Investimentos em saúde: um balanço de 2022 e as tendências para 2023, no Brasil e no mundo
O ano de 2022 foi sem precedentes para o setor de saúde. As operadoras de planos de saúde, pela primeira vez na história, até setembro, apresentaram prejuízo líquido acumulado, no total de R$ 3,4 bilhões, ante o lucro líquido de R$ 2 bilhões apresentado no mesmo período de 2021. Para fins de comparação com a pré-pandemia do Covid-19, em 2019 o lucro registrado para o mesmo período foi de R$ 8,5 bilhões. A justificativa para isso se dá por múltiplos motivos. Em 2020, as operadoras de saúde alcançaram taxas de sinistralidade baixas devido à redução significativa de procedimentos eletivos no ano, combinado com alguns trimestres de pouca utilização do sistema para tratamento de COVID. Com isso, a ANS propôs, em 2021, um histórico reajuste negativo para os preços de planos de saúde de -8,19%.
Ainda em 2021, os casos de infecção por coronavírus cresceram, mas os procedimentos eletivos permaneceram tímidos, ajudando as operadoras a sustentarem a rentabilidade. Dessa forma, foi apenas em 2022, ainda com os impactos da pandemia, que os procedimentos eletivos voltaram com força, corrigindo a demanda represada dos anos anteriores. Os exames e consultas atrasados resultaram em diagnósticos tardios, refletindo em custos mais altos de tratamentos. Além disso, estamos presenciando uma mudança importante dos hábitos da população em relação à saúde. A pandemia tornou a colocar ‘saúde’ como o assunto mais comentado do mundo. A população voltou a aumentar a interação com o sistema, realizando mais consultas e mais exames. Isso pode ser positivo, se o resultado fossem diagnósticos mais precoces – contudo, é inegável que, no curto prazo, o impacto na rentabilidade dos planos é negativo.
No mais, todos os setores da economia global estão passando por um movimento inflacionário que não era visto há décadas. Como grande parte dos insumos hospitalares dependem de uma cadeia global de suprimentos, e dolarizada, os preços desses produtos encareceram no mundo todo, servindo como mais uma pressão nas margens dos prestadores, o que, por consequência, afeta as margens das fontes pagadoras.
Esse preâmbulo serve para dar um contexto dos desafios mais importantes para a saúde suplementar em 2023: a redução dos custos e aumento de eficiência das operadoras do ramo. De forma geral, o Brasil segue sendo um país com assento relevante na mesa global de debate do assunto, por dois grandes motivos:
- 1. O iminente envelhecimento populacional, e
- 2. O grande potencial de penetração do sistema privado no mercado de saúde como um todo.
O primeiro ponto diz respeito à sustentabilidade do setor, pois, nas últimas décadas, a forma pela qual o sistema tinha para se adequar ao incremento de custos era com o reajuste dos preços, mecanismo que perde força, principalmente, nos contratos corporativos, sendo os altos tickets praticados um dos grandes vilões para o não cumprimento do segundo item descrito acima. Agora, a chave virou, e as operadoras de saúde estão buscando uma redução dos custos para viabilizar um reajuste menor em seus produtos, para conquistar mais market share, sem que isso resulte em uma redução da qualidade assistencial.
Além disso, com o envelhecimento populacional, a frequência do uso do sistema de saúde cresce de maneira inexorável. Sem um ganho de eficiência no sistema, isso pode resultar em um colapso do modelo de planos como existem hoje. Com isso, um dos grandes desafios globais para a saúde, será em como reduzir os custos sem que isso resulte em uma redução da qualidade assistencial. Para isso, devemos ver um foco cada vez maior na saúde preventiva direcionada, para termos uma população idosa mais saudável, além de mecanismos e tecnologias que incentivem diagnósticos cada vez mais precoces, devido ao custo exponencialmente maior, advindo da identificação tardia de doenças, em comparação com aquelas diagnosticadas em estágios preliminares.
Outra forma de alcançar eficiência é por meio da consolidação, embora isso não seja uma garantia. Sob essa ótica, em 2022, tivemos transações importantes que prometem chacoalhar o sistema de saúde, como a conclusão da fusão entre Hapvida (HAPV3) e Notre Dame Intermédica, Hermes Pardini (PARD3) e o Grupo Fleury (FLRY3), e Rede D’Or (RDOR3) e SulAmérica (SULA11). Esses movimentos vêm na cauda de um arrefecimento geral do mercado de capitais, em um ano com pouquíssimas movimentações nas bolsas de valores globais em termos de números de IPOs e rodadas de follow-on mundo afora.
No entanto, os gargalos operacionais no sistema de saúde permanecem, e os empreendedores que buscam operar com esses players precisam entender quais são os obstáculos, para que possam ser solucionados, seja via Inteligência Artificial ou outras tecnologias que aumentem a eficiência e resolubilidade do setor. Para tanto, o segmento ainda carece de soluções econômicas para tornar os hospitais mais eficientes e para reduzir a sinistralidade das operadoras e seguradoras de saúde. Essas duas veias estão diretamente atreladas a um maior acesso ao sistema privado, e, se feito da forma correta, deveriam estar correlacionados a uma melhora na qualidade de vida da população.
Com isso em mente, empreendedores devem analisar a sustentabilidade da proposta observando três pilares-base, sendo eles o retorno gerado sobre o investimento sob o ponto de vista do cliente, o tempo estimado para o resultado e os efeitos disso para sociedade. Com resultados positivos nos três pilares, a solução será considerada com carinho por potenciais investidores, e pelo sistema de saúde como um todo. Caso contrário, a solução pode nunca atingir o product-market fit desejável.
Em conclusão, existem dúvidas acerca do impacto do próximo governo brasileiro no ambiente de investimentos em saúde, especialmente por aqui. Apesar de ainda existir muita incerteza, será necessário acompanhar o andamento de projetos de lei que se assemelham à lei 14.454, que decreta o fim do rol taxativo da ANS, e à lei 14.434, que institui um piso salarial para profissionais de enfermagem, pois podem afetar drasticamente as perspectivas de sustentabilidade do segmento.
- Este artigo foi escrito por Patricia Nader e Nicolas Gekker, sócios da GK Ventures