‘Pão de Açúcar (PCAR3) vai voltar a ser supermercado premium’, diz presidente
Por anos, os clientes do Pão de Açúcar (PCAR3) viram as lojas decaírem. Acostumados a serem bem tratados – e pagando mais caro por isso -, acompanharam a saída de cena de empacotadores, sommeliers, especialistas em pães, queijos, cafés e até mesmo a gentileza de boa parte dos funcionários. Já os investidores viram a empresa perder musculatura, especialmente após a saída do Assaí de sua estrutura. Com a rentabilidade reduzida e crescendo menos do que a inflação, o resultado apareceu nas carteiras: ao longo de 2022, as ações do GPA perdem mais de 7%.
Aos 49 anos, o presidente Marcelo Pimentel foi chamado em abril para mudar este cenário. Responsável por uma reestruturação recente ofuscada pela pandemia nas Lojas Marisa, chegou à rede de supermercados com o plano de trazer de volta a rentabilidade e o peso perdidos pela marca, nos próximos três anos. “Minha missão é fazer o Pão de Açúcar voltar a ser o supermercado premium do Brasil”, disse ele ao Estadão/Broadcast. A seguir, os principais trechos da entrevista:
O que marca a nova estratégia do Grupo Pão de Açúcar?
O foco da estratégia é o formato premium. Queremos voltar a ser o supermercado premium do Brasil. Somos o único que pode fazer isso pela capilaridade, com mais de 190 lojas nesse formato. Como elas são bem estabelecidas, vimos como oportunidade formar uma extensão, com o Minuto Pão de Açúcar. O modelo é estar em bairros de classe A e B, nos quais os clientes possam chegar em 5 minutos a pé – e temos mais pontos disponíveis para proximidade do que supermercados, principalmente em cidades em que já estamos presentes. Para a expansão atual, não prevemos entrar em Estados novos. Vamos abrir 50 supermercados em três anos, o que é um desafio bastante ousado.
Como as novas lojas serão financiadas?
O modelo de proximidade é financiado com nosso capex (recursos separados para essa finalidade). Já no modelo de supermercado, é feito de forma build to suit (quando outra empresa constrói e, a partir do funcionamento do supermercado, a renda da loja paga o aluguel).
Na Marisa, o sr. fez uma “virada” buscando sair da proposta “fast-fashion”. O raciocínio é parecido no caso do Pão de Açúcar?
Não, é diferente. Naquele contexto, estávamos saindo do “por baciada”, mas ainda para o cliente C e D. Aqui não. Enquanto vivemos o avanço dos atacarejos e a competição forte com o modelo de hipermercado, o cliente da classe A e B foi sendo negligenciado. A ideia é mudar issso. A opção de compra (para esse consumidor) precisa ter sortimento maior, além de uma oferta de perecíveis diferenciada. Estamos trabalhando para que, no Pãode Açúcar, não tenhamos competição com hipermercados e atacarejos. O cliente busca, aqui, qualidade.
Mas hoje ele não encontra isso nas lojas…
Mas já começamos a mudar. O que aparece na loja é a materialização de uma negociação feita com o fornecedor. Temos feito todo um trabalho de revisão de frutas e na padaria, por exemplo, temos um especialista francês. São áreas que têm crescido, bem como em açougue, em cortes específicos. O corte mais popular no Pão de Açúcar é o filé mignon. Temos buscado aumentar a participação de perecíveis na loja. Em média, a participação desses itens é de 44% de cada compra. Nessas lojas remodeladas, já ultrapassa 50%. Perecíveis são muito importantes porque trazem recorrência e margem melhor.
O Credit Suisse comparou o desempenho das lojas do Pão de Açúcar com as do St Marché, e a conta foi favorável ao concorrente. Eles são a meta a ser atingida?
Ao contrário. O Pão de Açúcar foi o precursor da experiência de varejo alimentar premium no Brasil. A partir da marca, foram nascendo novos modelos. O Pão de Açúcar é o modelo mais rentável da companhia e vem em uma crescente. Por isso, estamos fazendo esse trabalho, de revisão de sortimento e de foco no perecíveis. A proposta de ter 190 lojas e crescer com mais 50 não há igual (na concorrência). Ninguém no Brasil tem a capilaridade de uma oferta de varejo alimentar premium como o Pão de Açúcar. Meu foco não é usá-los (St. Marché) como referência e, sim, usar o cliente como referência.
A marca deixou de ser?
Temos feito muitos grupos de escuta de clientes, e o que eles falam, basicamente, é “fazer com que o Pão volte a ser o que era historicamente”, ou seja, um varejo premium. Voltamos com empacotadores, especialistas em vinhos, queijo, café e com a qualidade dos produtos frescos. No primeiro trimestre, o Pão de Açúcar tinha um NPS (metodologia de aprovação da marca) de 44. Estamos terminando o ano com NPS de 76. Investimos mais de 200 mil horas em treinamento dos funcionários. Treinamos absolutamente todos na operação de caixa e especialistas em carne, padaria e peixaria.
O diferencial, em relação aos concorrentes que lidam com o público A/B, seria o tamanho da operação?
Exato. Já tenho muito mais lojas (do que concorrentes comparáveis), e o plano de expansão é muito maior. O desafio é diferente quando se têm 10, 20 lojas, do que entregar essa consistência em mais de 200 lojas para todos os clientes. É um processo de “turn around” que vai demorar três anos. Não estou prometendo milagres. Começamos em 2022 e vamos até o fim de 2024. É uma retomada que envolve vários pontos, entre eles que existam os produtos que o cliente procura na loja e a qualidade nos perecíveis. Melhoramos 5 pontos porcentuais a nossa ruptura (falta de produtos).
E em relação ao atendimento, também alvo de queixa?
Investimos 200 mil horas em treinamento, do técnico à coordenadora de atendimento, função que havia sido extinta.
Mas não haverá redução de pessoal, como foi falado com analistas?
As reduções foram feitas nos escritórios centrais, e não nas lojas. Estamos comprometidos a protegê-las para devolver a experiência de compra do cliente. O mercado quer ver o Pão de Açúcar voltando a ser o melhor modelo de varejo premium, com a melhor rentabilidade. Não há opção de não fazer isso.
O investidor vai esperar três anos para voltar a ter rentabilidade do Pão de Açúcar?
Ele não vai esperar três anos porque é uma trajetória gradual. Ano que vem, cresceremos acima da inflação, algo que não conseguíamos até então. A gente começa a ter sinais muito positivos em relação a essa inflexão. Pela primeira vez em anos voltamos a ganhar participação de mercado. Durante três meses, voltamos a ganhar clientes premium, que são muito valiosos. Um cliente premium representa o equivalente a nove clientes tradicionais.
Como os problemas financeiros do controlador do GPA atrapalham a retomada da marca no Brasil?
O plano de negócios para os próximos três anos não tem correlação com a realidade do acionista fora do Brasil. O que temos trabalhado no mercado nacional (elimina a) necessidade de aporte estrangeiro. A realidade que estamos vivendo é de alinhamento e comprometimento, bem como um mandato do conselho, para que esse crescimento ocorra. Até para que o Pão de Açúcar, que hoje tem valor de mercado muito depreciado, se recupere. Temos a oportunidade de fazer esse ativo crescer muito, e para isso a gente precisa voltar a investir. O Pão precisa voltar a ser o Pão que ele era, o que precisa ser reconhecido pelos clientes. Feito isso, não tenho dúvidas da valorização desse papel. Não fazer nada é a pior opção. Temos a marca mais valiosa do varejo brasileiro. No contato com os clientes, percebemos que é uma torcida unânime dos clientes para que o Pão volte a ser o Pão. O cliente ficou sem essa opção.
O que isso significa em termos de números?
Vamos terminar o ano com 110 lojas do Pão de Açúcar remodeladas que priorizam perecíveis, serviços, espaços de convivência. Elas têm, em média, sete pontos porcentuais de venda acima das lojas não reformadas. Os perecíveis aumentam a penetração de 44% para 51%.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Com Estadão Conteúdo