Alta contida? Entenda como fica o preço da gasolina com o efeito ICMS
Após o último reajuste do valor dos combustíveis feito pela Petrobras (PETR4), em 17 de junho, a repercussão trouxe mais questões do que respostas para a seguinte pergunta: até onde vai a alta da gasolina? Mas a redução do ICMS na maioria dos Estados derrubou o preço da gasolina em 8,9% na semana de 3 a 9 de julho, segundo levantamento da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). O preço médio em todo o território nacional passou de R$ 7,13 o litro para R$ 6,49. Já o diesel, que não foi beneficiado pelo estabelecimento de um teto do tributo, teve ligeira queda, de 0,4%.
O preço máximo da gasolina comum foi encontrado em Crateús, no Ceará, a R$ 8,52 o litro, e o mais barato a R$ 5,22 em Macapá, no Amapá. Já o preço médio do óleo diesel caiu de R$ 7,55 o litro para R$ 7,52 de uma semana para outra. O mais caro foi encontrado no Acre, a R$ 8,95 o litro e o mais barato a R$ 5,69, no Balneário Camboriú, em Santa Catarina.
O valor médio da gasolina nas últimas três semanas caiu R$ 0,90 no país, invertendo a tendência de alta que vinha se verificando desde o início do ano. O estado com menor valor médio do litro da gasolina comum, na última semana é o Amapá, a R$ 5,54. Já o estado com maior valor médio é o Piauí, com R$ 7,25.
Após 99 dias de congelamento dos preços, o valor da gasolina sofreu em junho reajuste de 5,2%, e o diesel, que estava há 39 dias sem mudança no preço, teve elevação de 14,2%. Desta forma, a gasolina passa a custar R$ 4,06 o litro nas refinarias da estatal, e o diesel, R$ 5,61 o litro.
Como se pode esperar de um aumento, a reação não foi boa. A Petrobras (PETR4) chegou a cair entre 6% a 7% em ações ordinárias e preferenciais no fechamento dia do anúncio, sem contar os comentários extensos por parte do governo Bolsonaro, que estava prestes a demitir o CEO da companhia.
A sucessão de eventos foi intensa, mas não está perto de acabar. Entenda todos os aspectos da situação.
Defasagem nos preços do petróleo e combustíveis
O reajuste feito pela Petrobras sobre os combustíveis é decorrente da defasagem em relação aos preços no mercado internacional, seguindo a alta do petróleo e refletindo maior demanda e o fechamento de refinarias em meio à guerra no leste europeu.
De acordo com a Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom), para alinhar o preço interno com o praticado no Golfo do México, de onde sai a maioria das cargas, o aumento deveria ser de R$ 0,57 para a gasolina e R$ 1,37 para o diesel, diante de defasagens de 13% e 21%,respectivamente.
A Petrobras utiliza o barril de petróleo Brent como referência, então o foco é no preço dessa commodity.
De acordo com Marina Braga, CFA e Gestora da Oby Capital, há precificação de queda no longo prazo, para nível de US$ 65.
“No curto prazo existe uma limitação na capacidade mundial de refino desse petróleo que o transforma em gasolina e diesel, por exemplo”, disse Marina. “Dessa forma, a grande limitação está na oferta e não vemos uma possibilidade de aumento dessa capacidade no curto prazo. Assim, o único caminho possível seria uma queda na demanda mundial vindo possivelmente de uma recessão global.”
Mas ainda há chances de que o valor do petróleo global consiga alcançar estabilidade, ainda antes da previsão de recuo. Em conjunto, outras commodities também vão embarcar nessa, justamente pelo aumento da probabilidade de recessão americana, somada à já estagnada economia da zona do Euro.
João Beck, economista e sócio da BR Advisors, acredita que os patamares elevados do petróleo combinados ao efeito do período eleitoral, muitos ruídos surgem em desfavor da Petrobras, principalmente quando se trata da alta da gasolina.
Ele aponta que a estratégia de privatização da Petrobras, além de abrir mais o mercado para a concorrência, retira o custo político do aumento de combustíveis.
“Em diversos países desenvolvidos existem mecanismos de suavização de preços dos combustíveis e não há nada de errado nisso”, disse Beck, destacando que o valor da commodity é sujeito a cenários de estresse repentino por fatores geopolíticos, que podem prejudicar as engrenagens do dia a dia da economia.
“Por outro lado, é importante combinar um modelo de suavização de preços sem prejudicar a saúde financeira da empresa num compromisso com os investidores de longo prazo, acionistas da companhia”, afirmou.
Outro aspecto importante a ser considerado quando se fala de petróleo é a contínua guerra entre Ucrânia e Rússia, que interfere na cadeia de oferta mundial, já que a Rússia é um dos principais produtores do mundo.
Já para Idean Alves, sócio e chefe da mesa de operações da Ação Brasil Investimentos, ainda é cedo para entender o cenário até o final de 2022, mas que existe a possibilidade, sim, de que o Brent volte a um patamar inferior aos US$ 100.
“O fato que poderia mudar esse cenário e que começa a entrar no radar dos investidores e das principais economias do mundo é o risco de recessão, que poderia por si só arrefecer a demanda, e trazer o preço do petróleo para baixo, o que ajudaria a aliviar a inflação global”, ressaltou Alves.
A alta da gasolina e do diesel traduzida na inflação brasileira
Um fator importante a ser considerado sobre a alta da gasolina é a inflação intensa da economia mundial. No Brasil, o Banco Central (BC) vem agindo contra a inflação com uma política contracionista, ou seja, com o objetivo de diminuir o alto crescimento do mercado econômico, além de controlar a inflação e circulação de moeda.
O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), medida oficial de inflação do país, subiu 0,47% no mês de maio, ficando abaixo dos 1,06% registrados em abril e dos 0,83% anotados em maio do ano passado. Os dados são do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
No início de junho, o mercado reagiu bem aos números, uma vez que o consenso Refinitiv aguardava uma alta de 0,60% e acumulado de 12 meses em 11,84%.
Na última sexta (8), o índice do mês de junho foi divulgado: o IPCA subiu 0,67% em junho ante maio, influenciado principalmente pela alta de preço dos alimentos.
No acumulado do ano, a inflação é de 5,49%. Em 12 meses, o IPCA sobe de 11,89%. Regionalmente, todas as áreas tiveram variação positiva do IPCA em junho. O maior resultado foi observado na região metropolitana de Salvador (1,24%), influenciado pela alta de 4,63% nos preços da gasolina.
Os dados mostraram que o grupo de combustíveis desacelerou no período, com variação de preços de 1%, abaixo da alta de 3,20% do mês de abril.
Os decretos que reduzem a alíquota do ICMS incidente sobre combustíveis e energia elétrica já começaram a se refletir na inflação oficial no País em junho, mas o impacto deve ser maior em julho, segundo o gerente do Sistema de Índices de Preços do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Pedro Kislanov.
Em junho, o IPCA apurou quedas nos preços da gasolina (-0,72%), etanol (-6,41%) e energia elétrica (-1,07%). Juntos os três itens ajudaram a conter a inflação em 0,15 ponto porcentual.
Segundo cálculos do economista da Fundação Getúlio Vargas (FGV), André Braz, o reajuste feito pela Petrobras no preço dos combustíveis, antes do decreto do ICMS, deveria impactar em 0,18 ponto percentual o IPCA, o principal indicador de inflação.
André lembra que o aumento no preço para o consumidor final é de aproximadamente um terço. Nas estimativas dele, a gasolina na bomba poderia chegar a crescer 2% e do diesel, a 5%. “50% do impacto da alta da gasolina vai ser vista em junho e os 50% restantes, em julho”, afirmou. O impacto total seria de 0,18 ponto percentual no IPCA, sendo 0,14 p.p da gasolina e 0,04 p.p no diesel.
O economista da FGV ainda destaca que o viés ainda é de alta, em relação ao petróleo, que já está sendo precificado com visões pessimistas sobre uma recessão global. “As variáveis ainda sugerem aumento do preço do petróleo e isso pode continuar afetando a inflação até o final de 2022”, disse.
A gestora da Oby Capital, Marina Braga, afirma que é difícil medir o impacto do reajuste, uma vez que os combustíveis afetam de forma direta (o próprio aumento de preços) e também de forma indireta, caso dos fretes rodoviários e ferroviários que ficam mais caros. Isso leva a que os comerciantes tenham de cobrar mais caro também nos produtos que vendem.
“Mas a ideia atual do governo é desonerar imposto na cadeia de combustíveis justamente para compensar os aumentos que estamos vendo nos preços internacionais”, disse.
Já Idean Alves projeta um aumento na pressão inflacionária que irá, inevitavelmente, chegar ao consumidor final.
“Essa conta literalmente só aumenta e, ao que tudo indica, terá interferência por parte do governo até pelo aumento do consumo interno ser crucial para o desempenho do PIB em ano eleitoral”, ressaltou.
De acordo com o chefe da mesa de operações da Ação Brasil Investimentos, enquanto a Petrobras mantiver a política de preços atrelada à paridade internacional, o reflexo dos ajustes do petróleo continuará afetando aqui.
“O que não é exclusividade do Brasil, e até por isso a atuação do governo deve ser de forma pontual”, explicou.
Redução do ICMS
Marina Braga também destaca que o governo tem tentado passar alguns projetos, como desoneração de impostos sobre os combustíveis, o que deve mostrar um alívio para a inflação a partir do momento em que for implementada.
“Foi aprovado pelo presidente o PLP 18/22, isso deverá gerar um alivio para inflação de julho e potencialmente até o final do ano”, disse a gestora.
No dia 14 de junho, a Câmara dos Deputados aprovou o PLP 18/22, o texto-base com as modificações feitas pelo Senado no projeto de lei que fixa o teto de 17% para o ICMS sobre energia elétrica, combustíveis, telecomunicações e transporte coletivo.
O presidente da Casa criticou a “falta de sensibilidade” do conselho diretor da Petrobras pelo anúncio do aumento em meio a essa discussão. “Isso faz com que tenhamos que tomar medidas mais duras contra a Petrobras”, afirmou.
Em São Paulo o ICMS da gasolina teve a alíquota reduzida, saindo de 25% para 18%. A medida foi tomada pelo governador do estado, Rodrigo Garcia (PSD), conforme anúncio em 27 de junho.
A redução no ICMS em São Paulo ocorreu logo após o presidente Jair Bolsonaro (PL) sancionar, na sexta-feira (24), o teto na cobrança do imposto estadual sobre os combustíveis.
Ao criticar o veto presidencial à compensação financeira dos Estados, Garcia informou que a redução do tributo nas vendas do combustível representa uma perda de arrecadação, em base anualizada, de R$ 4,4 bilhões, o que vai comprometer investimentos do Estado em áreas estratégicas, incluindo saúde e educação.
Durante o anúncio em entrevista coletiva ao lado do secretário estadual da Fazenda, Felipe Salto, no Palácio dos Bandeirantes, Garcia disse que a expectativa é de uma queda de 48 centavos, para abaixo de R$ 6,50, do preço da gasolina na bomba dos postos paulistas.
O governador de São Paulo ressaltou que, apesar de implantar desde já o limite máximo do imposto para aliviar a inflação que pesa na renda das famílias, o ICMS nunca foi o vilão do preço dos combustíveis, mas sim a política de preços da Petrobras, que é nacional.
Segundo o gerente do Sistema de Índices de Preços do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Pedro Kislanov, a queda nos preços dos combustíveis provavelmente reflete a redução de ICMS em São Paulo e Goiás. “Isso impactou tanto os preços dos combustíveis como os de energia elétrica, por exemplo”, disse o pesquisador do IBGE. “Isso ocorreu só no final de junho, então pegou só alguns dias”, ponderou.
O período de referência do IPCA de 0,67% de junho se encerrou no dia 29 do mês. “A gente já tem uma série de Estados que publicaram decretos reduzindo valor do ICMS. A partir de julho já começa a valer”, acrescentou.
Kislanov ressalta que ainda não é possível prever a magnitude do impacto da redução do ICMS sobre a inflação uma vez que os itens pesquisados podem sofrer influência de outros componentes.
“Esse é um dos fatores, deve afetar bastante, provavelmente”, previu. “Provavelmente vai afetar a energia elétrica. Deve afetar também a parte de combustíveis. Vamos aguardar para ver como vai ser esse comportamento”, recomendou.
Ministro de Minas e Energia vai a posto fazer propaganda de preço de gasolina
Nesta quinta-feira, 7, o ministro de Minas e Energia, Adolfo Sachsida, parou em um posto de combustíveis da rede Ipiranga, em Brasília, para fazer propaganda do valor da gasolina cobrada no local, de R$ 5,99 o litro.
No Twitter, Sachsida publicou um vídeo no qual se apresenta, exibindo a placa do preço de combustível. “Hoje é dia 7 de julho. Eu tô aqui no posto Ipiranga, do Noroeste, em Brasília, do Distrito Federal. E tá aqui o preço da gasolina atrás de mim. R$ 5,99. Então, é isso. Competição, transparência e trabalho duro. Nós estamos conseguindo reduzir o preço do combustível”, comentou.
Ao divulgar o vídeo, o ministro escreveu: “Preço da gasolina abaixo de R$ 6 em Brasília. Com transparência, competição e trabalho duro os resultados aparecem”.
Ontem, o ministro já havia divulgado uma tabela com preços de combustíveis praticados em todos os Estados do País. O governo federal está em campanha aberta para dizer que tem zerado os impostos federais, como PIS e Cofins, enquanto Estados resistem em reduzir suas cobranças estaduais, caso do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).
Segundo Sachsida, as medidas já adotadas têm potencial de reduzir o preço da gasolina, em média, em até R$ 1,55 por litro. “Veja até quanto pode cair o litro da gasolina no seu Estado e compare com o preço cobrado nas bombas. Quanto mais competição e transparência melhor para o consumidor”, escreveu o ministro, nesta quarta-feira, 6.
Como a interferência política na Petrobras leva a alta da gasolina
A alta da gasolina tem sido ponto de tensão entre a Petrobras e o governo neste ano. O presidente da República, Jair Bolsonaro, critica a companhia pelos altos lucros e distribuição de dividendos bilionários, e vinha pedindo para que novos reajustes não fossem feitos.
“Depois da terceira troca de CEO da Petrobras em menos de dois anos, não só o governo, mas também o Congresso já demonstraram a sua insatisfação com a política de preços, falando-se inclusive em CPI, e mudança na política. Especialmente em ano eleitoral, no final do dia tem que se ‘encontrar’ um culpado, e hoje está sendo a Petrobras, já que o Estado é o majoritário”, destaca Idean Alves.
O especialista acredita que para mudar a política de preços, várias mudanças teriam que ser feitas dentro da empresa, “o que não parece ser o mais factível, até pelo tempo até as eleições, apesar de ser um risco no radar”, ressaltou.
“Tão ruim quanto essa eventual mudança seria a sinalização de ingerência governamental para o mercado, de que o governo fará o que for necessário para controle de preços e inflação, passando insegurança econômica e jurídica para quem investe no Brasil”, afirmou. “Já vimos esse filme antes, e não tivemos um final feliz.”
Marina Braga concorda, em certos aspectos. Na visão da gestora, as trocas recentes de presidente na petroleira já são uma forma de interferência política, “mas tem sido uma melhor opção na nossa opinião do que uma interferência direta no preço da gasolina praticado pela empresa ou mudança na Lei das Estatais.”
(Com informações do Estadão Conteúdo e Agência Brasil)