Dólar cai e fecha na menor cotação em 2 anos, abaixo de R$ 4,70; entenda por quê
O mercado doméstico de câmbio inicia abril na mesma toada em que encerrou o primeiro trimestre: jogando o dólar para baixo. Em queda desde a abertura dos negócios e na contramão do exterior, a moeda americana acelerou as perdas ao longo da tarde, em meio à divulgação de resultado forte da balança comercial em março, e fechou abaixo de R$ 4,70 pela primeira vez desde 10 de março de 2020.
Segundo operadores, o fluxo estrangeiro para ativos locais continua firme, com investidores alocando em bolsa, insuflada pela alta das commodities, e montando operações de carry trade. A alta das taxas dos Treasuries de dois anos, após a leitura do relatório de emprego (payroll) nos EUA em março sustentar a perspectiva de intensificação do processo de alta de juros pelo Federal Reserve, não abalou o apetite pelo real.
Exportadores também estariam antecipando fechamento de câmbio para aplicar nos juros domésticos. Diversas casas mantêm a previsão de que a taxa Selic possa encerrar o ciclo de aperto monetário acima de 13%, embora o BC tenha enfatizado que pretende promover apenas mais uma elevação da taxa, em 1 ponto porcentual na reunião de maio, para 12,75%.
Dólar recua 1,97%, para 4,6673
Com mínima a R$ 4,6628 (-2,07%), registrada no meio da tarde com ordens de stop loss (limitação de perdas), o dólar à vista encerrou a sessão em baixa de 1,97%, a R$ 4,6673 – menor valor de fechamento desde 10 de março de 2020 (R$ 4,647). Com isso, a desvalorização acumulada no ano atingiu 16,30%.
À tarde, a Secretaria de Comércio Exterior (Secex), do Ministério da Economia, divulgou que a balança comercial registrou superávit de US$ 7,383 bilhões em março, 19% maior que em igual período do ano passado e o melhor resultado para o mês desde o início da série histórica. No ano, a balança comercial acumula superávit de US$ 11,313 bilhões, crescimento de 37,6% na comparação anual.
Após o resultado de março, a Secex aumentou a previsão para o saldo comercial neste ano de US$ 79,4 bilhões para US$ 111,6 bilhões, com a expectativa para as exportações passando de US$ 284,3 bilhões para US$ 348,8 bilhões. Em 2021, o resultado foi positivo em US$ 61,4 bilhões.
O especialista em renda fixa da Blue3, Nicolas Giacometti, ressalta que as commodities já vinham pressionadas pela recuperação da atividade global com arrefecimento da pandemia do novo coronavírus e subiram ainda mais com o advento da guerra na Ucrânia.
Commodities em patamares elevados e pressão forte do dólar para baixo
“O Brasil tem muitas empresa produtoras e exportadoras de commodities. Isso traz mais dólares e também atrai o investidor estrangeiro para ações de companhias que estavam muito descontadas”, diz Giacometti, ressaltando que com a perspectiva de alta de juros nos EUA, investidores estão migrando para setores mais tradicionais, que não vão sofrer tanto com o aperto monetário. “Somando esse cenário aos juros domésticos elevados, que atrai capital externo, temos uma pressão forte do dólar para baixo”.
Mesmo que haja um cessar-fogo entre Rússia e Ucrânia (que realizaram nova rodada de negociações hoje), a perspectiva é a de que as commodities seguirão em patamares elevados. Além disso, investidores devem continuar a evitar ativos russos e moedas do leste europeu, dando preferência a outros emergentes, como o Brasil.
No exterior, o índice DXY – que mede o desempenho do dólar frente a uma cesta de seis divisas fortes – operou em alta ao longo de todo o dia, tocando máxima na casa de 98,700 pontos. A curva de juros americana se inverteu, com a taxa da T-note de 10 anos abaixo de 2,40%, enquanto o retorno do título de dois anos, em forte alta, girava ao redor de 2,44%.
O payroll mostrou criação de 431 mil empregos nos EUA em março, abaixo das expectativas (490 mil). Em contrapartida, a taxa de desemprego caiu de 3,8% para 3,6%, enquanto o consenso de mercado era de 3,7%. Houve revisão dos números de geração de vagas em fevereiro (de 678 mil para 750 mil) e janeiro (de 481 mil para 504 mil).
Na esteira do payroll, cresceram as apostas em postura mais ativa do Federal Reserve ao longo deste ano. Segundo a plataforma FedWatch do CME Group, a possibilidade de que a taxa básica – hoje entre 0,25% e 0,50% – suba à faixa entre 2,75% a 3,00% até dezembro aumentou de 13% ontem para 29%. É amplamente majoritária a aposta de que o BC americano vai acelerar o passo e elevar a taxa básica em 0,50 ponto porcentual em maio.
Por aqui, o mercado deixa de lado, por ora, ruídos políticos e temores de deterioração fiscal, em meio a corte de impostos e à novela em torno do reajuste do funcionalismo público. A paralisação dos servidores do Banco Central não tem influenciado a formação da taxa de câmbio.
A economista-chefe do Banco Ourinvest, Fernanda Consorte, observa que o “o ambiente interno segue confuso”, com greve em segmentos do serviço público e as articulações para a campanha presidencial, mas que isso não abala o real. “Nossa taxa de câmbio deixou de responder à conjuntura local. Está mais ligada a questões técnicas e à alta liquidez no cenário externo”, afirma.
A Porto Seguro Investimentos reduziu de R$ 5,50 para R$ 5,00 a projeção para o dólar no fim de 2022, observando que a melhora dos temores de troca e o aumento do fluxo externo, em meio ao diferencial de juros elevado, prevalecem sobre o risco fiscal. “Se essa projeção se materializar, o real será um grande aliado da Selic para conter a inflação”, afirma a instituição, em relatório.
Com Estadão Conteúdo