Fed mantém taxa de juros perto do zero e sinaliza aumento em março, como esperado; entenda
O Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc, na sigla em inglês), do Federal Reserve (Fed), decidiu nesta quarta (26) manter a os juros básicos entre 0 e 0,25%, como o mercado esperava, e sinalizou para “breve” o aumento das taxas.
O consenso entre analistas do mercado é de que as taxas comecem a subir em março. A decisão de hoje, unânime entre os dirigentes do Fed, não especifica quando aumentará os juros, mas o tom do comunicado indica que o aumento pode começar daqui a um mês: “É apropriado começar a subir os juros em breve”.
O Fed argumenta no documento: “Os indicadores de atividade econômica e emprego continuaram a se fortalecer. Os setores mais afetados pela pandemia melhoraram nos últimos meses, mas estão sendo afetados pelo recente aumento acentuado dos casos de Covid-19.”
O documento complementa: “Com a inflação bem acima de 2% e um mercado de trabalho forte, o Comitê espera que em breve seja apropriado aumentar a meta para a taxa básica de juros. O Comitê decidiu continuar reduzindo o ritmo mensal de suas compras líquidas de ativos, encerrando-as no início de março. A partir de fevereiro, o Comitê aumentará suas participações em títulos do Tesouro em pelo menos US$ 20 bilhões por mês e em títulos lastreados em hipotecas de agências em pelo menos US$ 10 bilhões por mês. ”
Acrescenta: “Os ganhos de emprego foram sólidos nos últimos meses, e a taxa de desemprego diminuiu substancialmente. Os desequilíbrios da oferta e da procura relacionados com a pandemia e a reabertura da economia continuaram a contribuir para níveis elevados de inflação. As condições financeiras gerais permanecem acomodatícias, refletindo em parte as medidas de política para apoiar a economia e o fluxo de crédito para famílias e empresas dos EUA.”
O Fed diz que aumentará ritmo do tapering para US$ 30 bi a partir de fevereiro (US$ 20 bi em Treasuries e US$ 10 bi em MBS), para finalizar o programa em março. A autoridade monetária mostra que está apertando o passo para a normalização da política monetária.
O Fed também decidiu manter a taxa de juros sobre excesso de reservas (IOER, na sigla em inglês) em 0,15% e a taxa de desconto em 0,25%.
Reação do mercado muda depois do discurso de Powell
As bolsas em Nova York reagiram bem ao comunicado, logo que o documento saiu, por volta das 16h: o Dow Jones subia o,69%, S&P avançava 1,33% e Nasdaq ganhava 2,17%. O Ibovespa, em dia de bom humor, operava em alta de 1,90%, aos 112.306,75 pontos. Mas a tendência positiva virou. Meia hora depois da divulgação do comunicado, o presidente do Fed Jerome Powell falou em entrevista coletiva.
Powell comentou que o Fomc apontou que alta de juros juro é apropriada.
“O Comitê está com foco sobre a alta de juros em março, se as condições forem apropriadas”, destacou ele. “Mas também esperamos algum enfraquecimento da economia neste início de ano com Ômicron.”
Além disso, o comitê reafirmou em um comunicado que o tapering das compras de ativos terminará em março e Powell comentou: “Pretendemos manter um volume de ativos adequado para implementar a política monetária. O Comitê continuará a monitorar as informações recebidas com relação às perspectivas econômicas e está preparado para ajustar a orientação da política conforme apropriado”, diz o documento.
O Comitê ainda destacou que o progresso em vacinas e menos problemas na oferta devem apoiar a atividade e o emprego, assim como reduzir a inflação.
Mas presidente do Fed decepcionou quem esperava uma sinalização mais clara sobre o ritmo do aperto dos juros: “Não é possível destacar agora o ritmo de alta dos juros”, disse ele. No mercado, as apostas são divergentes. Vão desde os três aumentos para este ano, mencionados pelo Fed, até cinco altas.
As bolsas em NY reagiram mal e passaram a cair: Dow Jones cedia -0,62%, S&P 500 passou a cair (-0,59%) e Nasdaq recuou 0,51%.
Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos, analisa: “Powell buscou uma saída para a pressão dos jornalistas. Tentou se agarrar na incerteza sobre o futuro e os efeitos das variantes da Covid. Mas o fato é que a conjuntura econômica coloca o Fed em situação de fragilidade. Ele reconheceu o forte emprego e o avanço dos preços para além da meta, tornando difícil a tarefa de justificar por que a autoridade ainda não fez nada.”
Sanchez complementa: “Powell trouxe no discurso a prudência que é preconizada na condução da política monetária, mas acusou o golpe algumas vezes. Quando perguntado sobre quando o Balance sheet iniciará sua redução, tentou se esquivar para não cravar nada, mas disse que em duas a três reuniões eles chegarão a respostas mais interessantes e melhores.”
Cenário para inflação está pior e mais persistente do que o esperado, diz Powell
O presidente do Federal Reserve também falou sobre o cenário de alta de preços nos EUA. Powell espera que os índices de preços irão diminuir ao longo deste ano. Contudo, afirmou que o cenário para a inflação atualmente está pior e mais persistente do que o esperado há alguns meses. “Há risco de que inflação pode ser mais persistente do que esperado”, apontou. “O cenário é altamente incerto, teremos que ser adaptáveis e mover de acordo.”
Ele comentou que as políticas monetária e fiscal ajudaram no apoio da recuperação da economia americana. Contudo, ele destacou que a expansão da demanda agregada nos EUA pode ser afetada devido a questões de saúde pública, relativas à pandemia da covid-19.
“A ômicron exerce peso sobre o nível de atividade neste trimestre”, comentou Powell mais uma vez sobre a variante mais transmissível do coronavírus. “A covid-19 não terminou e corremos risco de poder evoluir.”
Powell ressaltou que a inflação continua acima da meta do Federal Reserve, provocado por problemas de fornecimento das cadeias internacionais de produção, que estão em um em um contexto de economia em plena expansão e com mercado de trabalho “muito, muito forte” e há dificuldades para empresas encontrarem trabalhadores para preencher vagas.
Cadeias de produção e cenários
O presidente do Federal Reserve comentou ainda que “não vemos progresso nas cadeias de produção” globais e este problema pode continuar até 2023, inclusive com os “fatos no Leste Europeu”, uma referência indireta à crise diplomática gerada pela ameaça de invasão militar da Rússia à Ucrânia.
Segundo Jerome Powell, os gargalos de fornecimento de produtos em escala internacional é um risco à economia americana que será devidamente monitorado pelos dirigentes do Fed.
Powell ressaltou em entrevista coletiva que “não há no nosso cenário levar a inflação abaixo de 2%”, mas sim uma inflação simétrica nesta marca. Isto significa que ela pode ficar por algum tempo acima ou abaixo daquele patamar. Powell, contudo, se disse “inclinado a subir a minha própria previsão do núcleo do PCE para 2022 em alguns décimos”.
O presidente do Fed apontou que as condições da alta inflação, que ficou mais persistente do que o esperado inclusive no final do ano passado, justifica que o Comitê Federal de Mercado Aberto deverá subir os juros logo. “O mercado de trabalho ficará forte por um certo tempo e tentaremos levar a inflação para baixo”, destacou. “Nosso trabalho é levar a inflação a 2%. Há significativa ameaça ao mercado de trabalho, que é alta inflação.” Ele apontou que a inflação está com um desempenho pior do que o esperado, e que “se a situação se deteriorar, inclusive sobre o seu tamanho, vamos adotar medidas”.
Redução de balanço de ativos deve acontecer após início de alta de juros, diz Fed
O Fomc confirmou sua intenção de começar a reduzir o balanço de ativos após o início do ciclo de altas do juro básico. Pretende reduzir o balanço de ativos ao longo do tempo “de forma previsível”, principalmente ajustando os valores reinvestidos de pagamentos recebidos de ativos mantidos na Conta de Mercado Aberto do Sistema (Soma, na sigla em inglês).
Ao longo do tempo, o Comitê informou pretender manter uma carteira de títulos em montantes necessários para implementar a política monetária de forma “eficiente e eficaz” em seu amplo regime de reservas.
No longo prazo, a intenção é manter títulos do Tesouro especialmente na Soma, “minimizando o efeito das participações do Federal Reserve na alocação de crédito entre setores da economia”, diz comunicado.
O dirigentes garantiram estar preparados para fazer qualquer ajuste necessário e reforçaram seu compromisso com a meta de máximo emprego e estabilidade de preços
Sanchez, o economista-chefe da Ativa, observa: “O Fed não trouxe alterações muito taxativas no texto, até porque se trata de algo bem conciso. De todo modo, o comitê reconheceu o fortalecimento do mercado de trabalho e destacou os receios com a Ômicron. De mais relevante afirmaram que será apropriado subir o juro em breve, o que avaliamos como a sinalização de primeira elevação da taxa de juro em março, como já incorporado pelo mercado. O tapering de fato teve o ritmo mantido.”
Andrey Nousi, CFA e fundador da Nousi Finance, observa: “O anúncio do Fed não veio nada diferente do esperado. Manteve juros inalterados e programa quantitativo termina em março. Mensagem inicial é favorável. A expectativa ainda é de subir juros em março. O anúncio é mais positivo ainda para empresas de crescimento, notadamente as empresas de tecnologia que dominam o índice Nasdaq. Nasdaq subiu 0.7% logo no momento do anúncio.
Nousi diz que “agindo como previsto, o Fed dá mais conforto para os investidores que precisam de previsibilidade para terem confiança em suas decisões. Mostra que os riscos de inflação estão sendo devidamente acompanhados pelos membros da autoridade monetária.”
A equipe do BTG Pactual comentou a decisão do Fed: “Em linhas gerais, comunicado adotou o tom Hawk, mas esperado por nós. Deve continuar motivando um acompanhamento do mercado para altas de juros antes do esperado (março) e manter a pressão na curva de juro real.”
(Com Estadão Conteúdo)