Aprovação da BR do Mar é boa para a economia — e também para você, investidor
O ano de 2022 começou com uma mudança significativa na agenda de infraestrutura do país: no último dia 10 de janeiro, foi sancionada a BR do Mar, projeto de lei com incentivos à navegação na costa brasileira. Uma das principais ênfases da nova lei é uma maior flexibilização de regras para o aluguel, ou afretamento, de embarcações estrangeiras entre os portos brasileiros. O objetivo é aumentar a oferta de navios, e, de quebra, a concorrência, barateando os custos de cabotagem. Mas, você, investidor, o que tem a ver com isso? Tudo. E os efeitos não se limitam apenas a quem investe em ativos correlacionados ao setor portuário, mas, potencialmente, a todos os brasileiros. Explico-me.
Historicamente, o Brasil sempre priorizou o transporte rodoviário, a despeito de suas dimensões continentais. É fato que este modal traz vantagens, como flexibilidade, simplicidade na distribuição de cargas individuais, entre outras. Mas também tem diversos pontos em desfavor: é mais perigoso, com risco de roubos e perdas, e muito mais caro, do ponto de vista de infraestrutura e manutenção, com necessidade intensiva e constante de mão de obra, e é muito poluente.
Outra característica socioeconômica e geográfica nacional é uma concentração das principais cidades em regiões costeiras, onde ficam os maiores centros industriais e populacionais. Considerando esses aspectos, o diagnóstico final é de que não faz sentido a prioridade dada, ao longo de décadas, ao modal rodoviário para o transporte de longa distância. Compartilho da análise de Mario Povia, ex-diretor-geral da Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários), que disse, em entrevista, que a concentração do transporte de cargas no Brasil em caminhões não é viável sob diversas perspectivas: econômica, logística, ambiental e de segurança do trabalho.
De regiões produtoras a consumidoras, em trajetos mais longos, seria mais racional fazer o transporte de cargas entre as regiões do país por modais alternativos ao rodoviários, como o ferroviário. Sabe-se, porém, que projetos nessa área são bem mais complexos e burocráticos de sair do papel, sobretudo pelo custo elevado. Conclusão: apostar na navegação costeira, via cabotagem, acaba sendo a opção mais factível e a BR do Mar cria condições mais flexíveis para essa dinâmica.
De volta a você, investidor. A nova legislação importa, pois favorece o fluxo, as margens e, consequentemente, os rendimentos de quem tem no portfólio ativos correlacionados a portos e empresas de logística marítima. Isso porque a nova lei flexibiliza as regras para o transporte de cargas por embarcações estrangeiras na costa do país. Teremos, no médio prazo, uma maior concorrência, e, consequentemente, um mercado mais dinâmico e eficiente, com impactos positivos para a redução do “custo Brasil” — expressão usada para se referir aos entraves estruturais que atrapalham o ambiente de negócios e o crescimento do país.
Mudanças profundas não devem acontecer do dia para a noite. A nova lei abre caminho para um novo horizonte, de médio prazo, que atualiza a forma com que a cadeia de suprimentos no país é organizada. Isso se aplicará tanto ao aluguel de embarcações a “casco nu”, sem tripulação ou comandante próprios, como na modalidade “a tempo”, com tripulação própria, pronta para navegar. Não seria excesso de otimismo, no entanto, acreditar em uma transformação radical ao longo dos próximos dez anos, que implicará em uma redução do transporte de cargas de longas distâncias pelo modal rodoviário, em detrimento do marítimo. Isso não significa, no entanto, que o transporte terrestre vai minguar. O que mudará, na prática, é a forma com que ele se complementa e se adapta a outros modais.
Há diversos números que fundamentam a maior competitividade do transporte marítimo. Segundo análise do BNDES, o custo médio de transporte de carga por tonelada é cerca de 4,5 vezes mais barato via cabotagem do que por transporte rodoviário, para uma distância de cerca de mil quilômetros. E quanto maior a distância, maior a economia potencial. Já a emissão de gás carbônico chega a ser cinco vezes menor via cabotagem.
Dados da EPL (Empresa de Planejamento e Logística) também mostram que a a cabotagem responde por apenas 11% do transporte de cargas no Brasil, ainda que venha crescendo a taxas expressivas anualmente. A maior parte dos fretes (65%) ainda é realizada por caminhões. Com a nova lei, o governo estima que o volume de contêineres transportador a cada ano aumente de 1,2 milhão de contêineres em 2019 para 2 milhões em 2022. Proporcionalmente, a frota dedicada à cabotagem pode crescer em 40% nos próximos três anos, com uma redução na casa de dois dígitos nos custos da cabotagem.
Mais embarcações estrangeiras operando na costa do país pode, inclusive, aumentar o fluxo de manutenção, dinamizando este mercado no país. Em contrapartida, pode haver uma inibição da indústria local de produzir novas embarcações em um primeiro momento, o que já não acontece, na prática. No longo prazo, no entanto, esse efeito pode ser revertido, com estaleiros mais rentáveis dispostos a produzir seus próprios navios a um custo menor e maior qualidade e eficiência.
O cenário é, portanto, promissor a quem tem na carteira FIPs-IE, ou mesmo ações de empresas ligadas ao transporte marítimo. A logística do transporte via cabotagem é mais complexa, mas também mais econômica, sustentável, segura e precisa. Uma alternativa, inclusive, à insegurança de greves. É esperada, uma adaptação ao longo do tempo, com uma transformação cultural no transporte de cargas do Sul ao Nordeste, ou do Norte ao Sudeste, por exemplo. Mesmo com os entraves atuais, pré-BR do Mar, este tipo de navegação costeira vem crescendo. Com as regras mais flexíveis atuais, este efeito deve ser catalisado, com benefícios potencias à economia, incluindo empresas, investidores e todos os brasileiros.