Gian Kojikovski

O canto da sereia e as empresas tech no Brasil

Só quando a maré baixa é que você descobre quem estava nadando nu

O mercado brasileiro nunca foi visto como um bom lugar para listar empresas de tecnologia, um tabu que só foi quebrado bem recentemente. Historicamente, o que existia de demanda do mercado interno no primeiro momento da internet era coberto por multinacionais, o que acabou sendo um desincentivo para o crescimento de startups no Brasil. Quando as primeiras surgiram, a maioria se manteve privada ou foi alvo de M&A de uma companhia estrangeira, como ocorreu com o Buscapé, surgido em 1998 e comprado pela Naspers em 2009 por US$ 342 milhões

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Na primeira década dos anos 2000, até houve algumas aventuras na bolsa (umas seguem firmes e fortes, outras ficaram pelo caminho), impulsionadas pelo bom momento econômico vivido. A pioneira foi a Totvs (TOTS3), e logo vieram outras, como Datasul, Bematech (ambas adquiridas pela TOTVS), B2W (AMER3), Positivo Informática e UOL – as duas últimas fizeram OPAs e fecharam seu capital algum tempo depois de se tornarem públicas. E, desde então, quase nada. As empresas de crescimento acelerado que se destacavam no país levantavam capital de fundos de venture capital de fora e sempre que falavam sobre possíveis IPOs, citavam o interesse em listar em uma das bolsas americanas.

Mas qual o motivo para isso? É aqui que eu queria chegar. São vários. O primeiro deles, e que mudou muito nos últimos anos, é que a oferta por capital de risco nacional era escassa e fundos de venture capital estrangeiros tinham mais facilidade para desfazer suas posições nas empresas investidas lá fora. Outro fator importante é que existem muito mais investidores – principalmente institucionais – que olham para o mercado americano do que para o brasileiro. Como o mandato de alguns veículos cria limitações para mercados emergentes, a mesma empresa poderia ter suas ações compradas por um gestor se fosse listada nos EUA, mas não no Brasil, mesmo que esse fundo também fosse presente por aqui.

No entanto, nenhum desses pontos era o mais relevante para levar as empresas brasileiras para o exterior. Até dois ou três anos atrás, onze de dez pessoas paradas na Faria Lima e perguntadas sobre o tema responderiam que as empresas tech não vinham a público no Brasil porque os analistas buy side brasileiros não “sabiam” analisar empresa de growth. Isso faria com que as empresas não conseguissem aqui um valuation atrativo no mercado aberto. No offense, mas ouvi isso de empreendedores, advogados, investidores de risco, anjos e, principalmente, dos analistas sell side dos bancos de investimento.

Sempre achei que essa lógica fazia muito pouco sentido. É claro que alguns fundos buscam empresas consolidadas, com vantagens competitivas evidentes e sem o risco que algumas startups trazem embutido. Por outro lado, também existiam aqui analistas especializados em outros mercados e com familiaridade com o tema – alguns até participavam de ofertas privadas de startups famosas no exterior.

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Bem, como falei, essa lógica mudou há poucos anos. Muitas growth companies vieram à bolsa, algumas mais sólidas e conhecidas, outras nem tanto. Por um lado, isso é ótimo para o mercado – quanto mais empresas e mais gente investindo, melhor para a economia do país. No entanto, alguns valuations astronômicos passaram a surgir. Para alguns, é o “novo normal” e quem discorda não sabe avaliar empresas em crescimento. Para outros, cada vez mais numerosos (e discretos), se antes as companhias corriam o risco de serem subavaliadas pelos analistas, agora estão facilmente sendo sobreavaliadas, muitas vezes sem darem o disclosure sobre métricas que indicam a perenidade e qualidade do negócio.

Um banker com trânsito em alguns desses negócios me disse outro dia que “o canto da sereia venceu”. O medo de ficar de fora (famoso FOMO) passou a estar cada vez mais presente nos roadshows. E o storytelling vem ganhando a batalha sobre os números operacionais. Mas, como diz uma famosa frase de Warren Buffett, “Só quando a maré baixa é que você descobre quem estava nadando nu.”

Esse texto foi publicado originalmente no Suno Call Assinantes em 29 de julho. Clique aqui e se inscreva para receber em seu email.

Os textos e opiniões publicados na área de colunistas são de responsabilidade do autor e não representam, necessariamente, a visão do Suno Notícias ou do Grupo Suno

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Nota

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Gian Kojikovski

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