Caso Didi: por que Pequim quer reduzir o poder das big techs
Na última segunda-feira (5) a China determinou que o aplicativo de táxi Didi Chuxing, dona da 99 no Brasil, seja retirado das lojas de aplicativos domésticas.
O órgão regulador da internet do país alegou que o Didi violou as leis de coleta e uso de informações pessoais.
Um episódio que se encaixa no tsunami de regras produzido sem parar pelo governo de Pequim nos últimos meses, e que está esmagando as big techs chinesas.
Além da Didi, os últimos casos foram os Alibaba e a Tencent.
Recentemente, a Autoridade Antitruste chinesa também bloqueou a fusão dos dois principais sites de streaming de videogame do país, Huya e DouYu.
Um ataque concêntrico. Este é apenas um capítulo de uma estratégia muito mais ampla.
Alibaba primeira vítima
A Didid é apenas mais uma vítima.
Tudo começou em novembro de 2020 com o Alibaba.
O governo de Pequim bloqueou a oferta pública inicial de ações (IPO, na sigla em inglês) da gigante do comércio eletrônico poucas horas antes da listagem dupla, nas Bolsas de Valores de Xangai e Hong Kong, de sua plataforma de pagamentos, a Ant financial.
Uma operação que movimentaria US$ 35 bilhões (cerca de R$ 175 bilhões).
Em seguida, foi a vez das multas bilionárias aplicadas pelo antitruste chinês contra:
- Meituan,
- Alibaba,
- JD.com
por violações de regras de concorrência e irregularidades nos processos de fusões e aquisições.
Além disso, Pequim impôs a obrigação de uma reestruturação radical.
Para o governo chinês essas empresas devem se tornar holdings com objetivos muito específicos.
O Alibaba já se alinhou com os pedidos do Executivo. A Tencent seguiu o exemplo.
E isso significa o fim da desregulamentação do mercado. O Partido Comunista Chinês (PCC) quer entender quem faz o quê e por quê.
Didi apenas o primeiro passo, objetivo é muito maior
A investida contra a Didi, portanto, é apenas o primeiro passo.
Nos planos do governo, o objetivo oficial é reforçar “o estado de direito” e garantir um “desenvolvimento ordenado” do mercado.
E, acima de tudo, reiterar que na China a política continua dominando os “espíritos animais” da economia digital.
Quem será próxima vítima?
Alguns analistas apostam na ByteDance, dona do aplicativo TikTok.
Uma realidade tão avançada que vende um produto impalpável: inteligência artificial. Algo considerado extremamente importante por Pequim.
Não por acaso o jovem fundador, Zhang Yiming, sabiamente, já se afastou do comando da empresa para se dedicar a instituições de caridade.
Não há paz para as big techs chinesas
Não há paz para as big techs chinesas.
Até pouco tempos atrás à eles eram destinadas as primeiras filas dos eventos mundiais de tecnologia. Já foram os carros-chefe do Partido Comunista Chinês. Invejadas pelo mundo inteiro. Vitrines do que haveria de mais avançado na principal economia asiática. Objeto de hagiografias em matérias nos principais veículos da mídia internacional.
Hoje se tornaram alvo do governo. Um alvo que parece cada vez mais aleatório.
Para os fundadores da Tencent, da Baidu, e do Alibaba, algo se quebrou no relacionamento com Pequim.
Para as autoridades eles se tornaram poderosos demais, gerenciando uma massa de dados e de usuários cobiçada pelo partido-estado.
Em suma, não estão assoprando ventos favoráveis para as big techs na China.
A enxurrada de leis e regulamentos está tirando a garra dos grandes nomes da tecnologia.
Uma operação de normalização e controle que afeta ativos, know-how, estruturas corporativas inteiras. Em outras palavras, a alma privada da economia chinesa.
A lupa reforçada do novo antitruste chinês de olho na Didi e outras big techs
Reformada há três anos, a Autoridade Antitruste de Pequim também poderá investigar os paraísos fiscais as empresas de tecnologias colocaram suas residência fiscal.
Agora o governo chinês pode investigar até empresas “paralelas”, criadas pelas gigantes tecnológicas para pagar menos impostos em localidades onde a carga tributária é menor.
Alibaba, Tencent e as outras conseguiram levantar recursos volutuosos para se financiar usando veículos financeiros em circuitos fechados. E por longos anos Pequim quis ignorar essa realidade.
Agora, esse vaso de Pandora com dentro os lucros armazenados nas Ilhas Cayman poderá ser aberto.
Com efeitos imprevisíveis para as gigantes tecnológicas.
Como se não fosse suficiente, Pequim acaba de aderir ao imposto global de 15% proposto pelos Estados Unidos.
Essa é outra arma letal para atingir os lucros não declarados para as autoridades fiscais chinesas, que estabelecem uma alíquota ulterior de 25% para as empresas de tecnologia.
Que o governo chinês estivesse projetando um imposto sobre os lucros das empresas de alta tecnologia, em especial de e-commerce, que totaliza 30% do Produto Interno Bruto (PIB) da China, era sabido.
Entretanto, até hoje esse super-imposto não tinha saído do papel.
O acordo fechado com a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), por outro lado, abre caminho para recuperar valores bilionários.
Agora, as empresas chinesas com sedes em paraísos fiscais pagarão impostos na China. Um mecanismo construído sob medida para a Alibaba e suas colegas big techs.
Nem o streaming se salva dessa investida do governo.
Os serviços de transmissão vídeo on line geram um lucro que se tornou o primeiro lugar para marketing e vendas online.
Todo o setor agora está sob um controle estrito dos conteúdos.
Desta vez entrou em ação a Administração da Rádio e Televisão da China que, aliás, introduziu medidas muito rígidas em defesa dos menores de idade, com a obrigação de se identificarem e declararem a sua idade.
Uma atuação da censura de Pequim que não chega por acaso: o streaming viaja em plataformas de comércio eletrônico, como as do Alibaba e da Tencent.
Além disso, milhões de streamers doam quantias de dinheiro online para seus ídolos. Uma série de influenciadores que possuem até 80 milhões de fãs.
Um fenômeno social monitorado pelas autoridades com interesse e apreensão.
Como garantir o desenvolvimento em linha com as diretrizes governamentais?
Se a Didi foi o primeiro passo, muitos analistas se perguntam até onde irá a maquina regulatória chinesa. E se o setor das big techs de Pequim sobreviverá.