Minério de ferro: condição inédita explica alta, que deve se sustentar em 2021

Em crises, governos recorrem a investimentos em infraestrutura, com o intuito de estimular o crescimento econômico e recuperar empregos perdidos. Na pandemia não foi diferente, e o mundo passou a demandar mais aço — e, consequentemente, minério de ferro. Todavia, desta vez ocorreu algo inédito em um momento pós-crise: além do aumento da demanda, os estoques estão baixos, o que explica a disparada dos preços da commodity.

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De acordo com especialistas, o preço deve se sustentar ao longo deste ano, com a acomodação ainda distante mas com muita volatilidade no caminho. Somada a tensões geopolíticas, a alta do preço do minério de ferro tende a beneficiar siderúrgicas e, principalmente, mineradoras, como a Vale (VALE3).

Diferentemente da crise de 2008, o novo coronavírus atacou o cerne da procura e da demanda nas economias. A produção foi paralisada, ao passo que também não havia consumo. Com isso, a abrupta reabertura, sobretudo na Europa e Estados Unidos, pegou a indústria de calças curtas com estoques rasos. Não havia outro caminho, e a demanda pela commodity explodiu.

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Desde o início deste ano, a cotação da matéria-prima já subiu quase 30%, reafirmando o entendimento do mercado de que está prestes a ocorrer um novo superciclo de commodities, após cerca de uma década de preços baixos e pouco investimento em capacidade de produção. Os preços rondaram o intervalo de US$ 200 a US$ 230 nos últimos dias.

O movimento também chegou às commodities agrícolas, o que eleva a preocupação com a inflação global. O aumento dos preços na economia é uma ameaça à tendência de taxas de juros praticamente zeradas no mundo desenvolvido.

Com isso, os investidores recorrem a um bom e velho refúgio em tempos de inflação: as próprias commodities. “É um processo que se retroalimenta”, disse Priscila de Araújo, gestora de renda variável da Macro Capital, ao SUNO Notícias.

“O movimento é fruto da pouca possibilidade de elevação da capacidade produtiva no curto prazo, estoques baixos e fortíssima demanda de grandes economias que crescem em conjunto.”

Minério de ferro no curtíssimo e médio prazos

No início da pandemia, os preços das commodities sofreram em larga escala, assim como os demais setores das economias. Porém, a cotação das matérias-primas reverteram a tendência de queda e apresentaram uma forte “recuperação em V” nos meses posteriores.

Esse caminho foi alongado a partir do fim do ano passado, com a intensificação das compras da China e Estados Unidos, dois dos maiores consumidores de minério de ferro do planeta.

A liquidez abundante e as taxas de juros zeradas em países desenvolvidos beneficiaram as companhias que trabalham no setor. Outro aspecto que contribuiu para o aumento de preços foi a valorização do renminbi contra o dólar, cortando custos de importação e barateando os insumos de forma relativa.

Federal Reserve (Fed) tem dito que continuará a apoiar a economia estadunidense, respaldando o pacote de estímulos de US$ 2,25 trilhões para infraestrutura anunciado pelo presidente Joe Biden meses atrás. Cerca de 20% de todos os dólares em circulação no mundo foram impressos apenas em 2020, e os Estados Unidos não parecem estar satisfeitos.

No médio prazo, os investimentos em infraestrutura devem ajudar a maior potência econômica do planeta a gerar mais empregos. O payroll da semana passada reportou a criação de 266 mil postos de trabalho, bem abaixo das expectativas de Wall Street, mostrando que o país ainda tem um longo caminho a trilhar até voltar ao pleno emprego.

“A discussão deve ser quebrada em duas partes: o estrutural de médio prazo e o contexto específico de curtíssimo prazo”, diz Araújo. “Continuamos com uma perspectiva muito favorável para o preço do minério ao longo de 2021, em função de todos esses pontos, e a expectativa de que os bancos centrais continuarão com os estímulos.”

No curtíssimo prazo, chamam atenção dos mercados as tensões geopolíticas. O confronto entre China e Austrália, que já dura pelo menos um ano, foi acentuado após os australianos apoiarem investigações sobre a origem do coronavírus, identificado pela primeira vez em território chinês em dezembro de 2019.

O chamado “Diálogo Econômico Estratégico Sino-Australiano” foi paralisado pela gigante asiática em função da intenção australiana em revogar a adesão ao acordo da “Nova Rota da Seda”. Os últimos dias foram marcados pela troca de farpas entre o maior consumidor e o maior produtor de minério do planeta.

“A intensificação dessa situação fez o preço da commodity subir nos últimos 14 dias, mas é importante frisar que não é um fato novo”, comenta Ilan Arbetman, analista da Ativa Investimentos. “É difícil prevermos até onde a tensão será escalada, mas provavelmente haverá um arrefecimento nos preços.”

A volatilidade prevista se concretizou. Em uma forte correção de preços, o minério caiu quase 10% na Bolsa de Dalian na madrugada da última quinta-feira (13).

Restrições chinesas à produção siderúrgica

O minério de ferro é um item essencial para a confecção de aço, que por definição é insubstituível em um contexto de investimentos em infraestrutura. Entretanto, as empresas que trabalham nesta área estão entre as mais poluidoras de qualquer economia.

Em suas atividades, as siderúrgicas queimam um derivado do carvão chamado coque, liberando gases de efeito estufa, grande vilão de CEOs e presidentes nos últimos anos. Com isso, a China tem levantado restrições para indústrias poluentes, procurando reduzir a emissão de carbono, antecipando a previsão de 2030.

A menor produção interna chinesa somada à inexistência do abastecimento australiano vai fazer com que o país asiático demande cada vez mais minério de ferro do mundo.

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Esses dois processos juntos – fornecimento da Austrália e impacto das siderúrgicas na China – têm gerado uma antecipação pela compra de minério no planeta. Especula-se que muitos dos produtores de aço chineses estão procurando ampliar os estoques, pressionando o preço no curtíssimo prazo.

Os segmentos de infraestrutura, automotivo e construção seguem com altos níveis de produção, estimulando o consumo de aço. Por consequência, a demanda de minério continuou elevada principalmente nos últimos dois meses e, mesmo com as importações acima da média, os estoques ainda estão em patamar abaixo dos níveis históricos.

Cenário ‘fora da curva’ para Vale

O Brasil é o segundo maior produtor mundial da commodity. Rico em recursos naturais, o País se viu beneficiado pela conjuntura global e deve reportar bons números de balança comercial. As commodities representam, em média, 40% das exportações brasileiras.

Não poderia ser diferente: a maior empresa do Brasil é uma mineradora. A Vale reportou sólidos números no primeiro trimestre deste ano, lucro líquido de US$ 5,54 bilhões, alta de 220%. É importante ressaltar que, em função de sazonalidade, os primeiros três meses do ano costumam ser mais fracos em vendas do que o quarto trimestre. Mesmo assim, os balanços ficaram praticamente iguais.

“O primeiro trimestre conta com uma época mais úmida, que prejudica a locomoção de quem opera no norte e sudeste do Brasil, como a Vale”, lembra Arbetman. As exportações brasileiras de minério em abril continuaram a redução típica dos primeiros meses do ano, Apesar disso, o volume de embarques foi 7,5% superior ao mesmo mês do ano anterior, segundo o BB Investimentos.

As restrições logísticas em meio às chuvas fizeram com que a companhia vendesse 65 milhões de toneladas no primeiro trimestre. Esse volume deve ser elevado ao longo do ano para que o guidance de 335 milhões de toneladas no ano seja atingido. A própria empresa prevê que o segundo trimestre será ainda melhor.

Assim, os investidores voltam a se perguntar quando a companhia passará a distribuir seus resultados de forma consistente, ao menos na média do pré-Brumadinho. Boa parte do mercado prevê que o dividend yield (DY) da Vale neste ano ficará na casa dos dois dígitos, o que a colocaria entre as maiores pagadoras de dividendos do País.

“Nossas expectativas são muito positivas. Mesmo com uma acomodação do preço do minério de ferro, a Vale ainda teria um mercado extremamente positivo”, afirma o analista da Ativa.

Especialistas apontam que a cada alta de 5% no preço do minério, o Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) potencialmente é elevado em 7%. “O resultado da empresa deve ser muito forte no segundo trimestre, com o câmbio ainda depreciado e alavancagem nas mínimas, dado que a expectativa do mercado gira em torno de US$ 130 e US$ 150 para o minério”, diz a gestora da Macro Capital.

Os analistas estimam que naturalmente ocorrerá um aumento no nível de venda e de produção da Vale, o que pode ser materializado monetariamente pela empresa. Com isso, novas capacidades podem ser construídas no ano que vem, ao passo que o contexto geopolítico também se acalme.

Isso fará com que o preço da commodity se acomode, “mas nada indica que esse processo será rápido”, diz Arbetman. A cotação do minério de ferro poderá convergir para a naturalidade apenas no fim do quarto trimestre, diz o especialista, que atribui o preço-justo de R$ 120 à Vale, a qual recomenda compra.

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Jader Lazarini

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