Inadimplência: pandemia e demora do auxílio ligam sinal de alerta
Com o agravamento da pandemia e a demora de o governo definir a nova rodada de auxílio emergencial começam aparecer sinais de que um novo ciclo de alta da inadimplência, o não pagamento de contas, do consumidor está a caminho.
Cresceu neste início de ano o número de brasileiros que não conseguiram pagar dívidas em dia e honrar compromissos renegociados. Também aumentaram os créditos com pagamentos atrasados entre 15 dias e 90 dias. Esse atraso não é considerado como inadimplência pelos bancos, mas pode vir a ser no futuro.
Os indícios de alta da inadimplência começam a ser identificados pelos birôs de crédito, depois da surpresa com esses indicadores em 2020. A postergação por até 180 dias da cobrança pelos bancos de créditos inadimplentes, a injeção de quase R$ 300 bilhões por conta do auxílio emergencial e os juros no piso histórico ajudaram na repactuação de dívidas. Tanto é que a inadimplência do consumidor com bancos ficou praticamente estável até fevereiro.
No entanto, o sinal amarelo do risco de alta do calote começou a piscar a partir de março, com a piora da pandemia, que levou a maiores restrições ao funcionamento das atividades. Além disso, o novo auxílio emergencial, que começa a ser pago nesta terça-feira (6), será menor: tanto a cifra com o número de beneficiários. Também os juros básicos, que voltaram a subir no mês passado, podem atrapalhar as renegociações de dívidas. Isso sem falar no desemprego, que atingiu 14,2% em janeiro.
“A inadimplência está começando a ‘desrepresar'”, alerta o economista da Serasa Experian, Luiz Rabi. O primeiro bimestre encerrou com 61,6 milhões de inadimplentes, segundo o birô. É um número um pouco maior que o de dezembro de 2020 (61,4 milhões).
Outro dado que aponta para essa direção, segundo Rabi, é o avanço da fatia da inadimplência bancária no total do calote neste início de ano. Quando as pessoas começam a ter dificuldades, primeiro elas atrasam as contas não bancárias, explica. Isso ocorreu entre setembro e dezembro, com a redução do valor do auxílio emergencial.
“Se a dificuldade se mantém, mais ou menos em seis meses a inadimplência bancária começa a subir, e é o que está acontecendo agora”, observa. Em fevereiro, a fatia da inadimplência bancária subiu quase dois pontos porcentuais ante dezembro.
Um indício importante de um novo ciclo de alta do calote é o aumento do índice de atraso pré-inadimplência. São prestações vencidas entre 15 dias e 90 dias. Em queda em 2020, o indicador voltou a subir no primeiro bimestre, aponta Flávio Calife, economista da Boa Vista. Ele alerta para o risco de que o atraso vire calote no 2º semestre.
Empresas de cobrança também constatam tendência à inadimplência
Empresas de cobrança constataram que o brasileiro está com maior dificuldade de honrar compromissos repactuados. “Registramos no primeiro trimestre uma redução entre 20% a 30% nos pagamentos de dívidas renegociadas com os inadimplentes em relação ao último trimestre de 2020”, diz Edemilson Motoda, presidente do Instituto Geoc, que reúne 18 grandes empresas de cobrança.
Os cobradores têm enfrentado mais obstáculos para fechar acordos. “Todo mundo está mais assustado com o recrudescimento da pandemia, com o desemprego e a ausência do auxílio neste início de ano e há a preocupação de que a inadimplência possa crescer”, diz Motoda.
Em 2020, os bancos renegociaram R$ 146,7 bilhões de dívidas, mais de 50% com pequenas empresas e consumidores, diz a Febraban. Rubens Sardenberg, economista-chefe da entidade, não vê no momento a implementação de um programa semelhante. “Não será tão generalizado, mas com renegociações pontuais.” Frisa que a inadimplência teve comportamento razoável no 1º bimestre, reconhece que em março piorou e que pode subir.
(Com Estadão Conteúdo)