Quando as bicicletas eram a Tesla: conheça a história da bolha de 1896

Todo o mundo conhece a história da bolha das tulipas do século dezessete, ou da bolha da Internet dos anos 2000. Mas poucos sabem de outra grande bolha que de alguma forma lembra a atual euforia que cerca a Tesla (NASDAQ: TSLA): a bolha das bicicletas.

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Uma bolha que levou as produtoras de bicicletas no Reino Unido a triplicar de valor em poucos meses – algo muito parecido ao que ocorreu em 2020 com a Tesla – mas que acabou estourando em 1896 na Bolsa de Valores de Londres.

Mas como foi possível que um objeto como a bicicleta, inventada nos anos da Revolução Francesa, conseguiu inflar uma bolha financeira?

Bicicletas como status

As bicicletas se tornaram no final do século dezenove um símbolo de status de liberdade e independência.

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O célérifère projetado em 1791 pelo jovem nobre francês Mède de Sivrac evoluiu rapidamente, até se tornar a moderna bicicleta graças as mudanças introduzidas por John Starley, em 1884. Quatro anos depois, o escocês John Boyd Dunlop montou os primeiros pneus, que também serviam como amortecedores para as difíceis estradas da época. E com isso nasceu a bicicleta moderna.

A partir desse momento começou na sociedade britânica uma verdadeira “febre das bicicletas”. Todos queriam uma, também para se livrar dos caros (e sujos) cavalos, até então o único meio de transporte.

Para ter uma ideia do tamanho da euforia com o novo meio de transporte, nos últimos anos de 1800 quem não tinha uma bicicleta acabava alugando-a de outros proprietários particulares quando necessário.

As fábricas de bicicletas, naquele momento cerca de vinte em todo o Reino Unido, trabalhavam a todo vapor. E mesmo assim tinham dificuldades para atender a uma demanda cada vez mais febril.

Um empresário da época percebeu a ocasião e começou a investir pesado no negócio. Se chamava Ernest Terah Hooley, e se tornaria um líder brilhante, carismático e visionário. Uma mistura de Steve Jobs e Elon Musk.

E um outro ponto em comum com Musk é que ele não estava investindo o dinheiro dele. Conseguiu obter um empréstimo superior a três milhões de libras de bancos – um valor astronómico para a época e cerca de 400 milhões de libras atuais (cerca de R$ 3 trilhões) – para adquirir um fabricante de pneus, a “Pneumatic Tire”.

Logo após a operação, mudou o nome da empresa em “Dunlop Pneumatic Tire Company”, gastou uma pequena fortuna em marketing para impulsionar a imagem da firma e, por fim, conseguiu vendê-la pelo valor ainda mais gigantesco de 5 milhões de libra da época. Quase dobrando seu capital.

Hooley fez isso não uma, mas sim 26 vezes. E conseguiu acumular uma fortuna surfando na onda da “febre das bicicletas”.

Enquanto isso o valor de mercado das fabricantes de bicicletas listadas na Bolsa de Valores de Londres triplicou apenas em 1896. Mas o número de fabricantes quadruplicou, pois todos queriam entrar nessa festa das duas rodas, aparentemente interminável.

Entretanto, como todas as bolhas, essa também estourou. E foi por causa de um só elemento: a concorrência.

Com a chegada no mercado britânico de milhares de bicicletas produzidas nos EstadosUnidos – que era a China da época – os preços caíram rapidamente.

Essa avalanche de veículos de duas rodas a baixo custo levou 70% das fabricantes britânicas de bicicletas a quebrar em poucos meses.

Caminho da Tesla

Mas o que a bolha das bicicletas tem a ver com os carros elétricos?

Embora sejam duas coisas completamente diferentes, as bicicletas inglesas do final do século dezenove e os veículos elétricos de 2020 representam uma tecnologia de sucesso que se tornou um símbolo de status, um estilo de vida, uma promessa de futuro.

Uma tecnologia pronta para mudar a sociedade e a relação do homem com o meio ambiente.

Essa é exatamente a mesma mistura eufórica que tem levado as ações de fabricantes de bicicletas listados em Londres no final de 1800 à múltiplos completamente desconectados da realidade.

Algo muito parecido com o que ocorre com a Tesla, que em 2020 chegou entre as maiores dez empresas do S&P 500, depois de ter multiplicado seu valor por oito em menos de um ano e chegando próxima de um trilhão de dólares.

Um valor superior ao das dez maiores fabricantes de veículos do mundo juntas.

Isso mesmo se de seu as fábricas saíam pouco mais de 100.000 carros por ano. Menos de um vigésimo da Toyota sozinha.

Atualmente as ações da Tesla são negociadas 1.254 vezes seus lucros na Bolsa de Valores, contra uma média de 25 dos demais fabricantes americanos.

Que o futuro pertence ao carro elétrico é certo. Mas que o carro elétrico está destinado a ser dominado apenas pela Tesla é improvável. Concorrentes já estão se preparando para entrar pesadamente nesse setor. Mas a bolha resiste por enquanto. Porque ninguém quer descer do barco enquanto ainda da para surfar a onda. Exatamente como aconteceu com as bicicletas inglesas há 125 anos.

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Carlo Cauti

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